No passado, a cana servia apenas para fazer açúcar. No máximo, virava cachaça. Na década de 70, os usineiros descobriram o álcool combustível e viram nele um substituto viável para a gasolina. Agora, os canaviais estão entrando num novo ciclo.
As empresas estão investindo centenas de milhões de reais e transformando o velho açúcar em produtos de tecnologia de ponta – de realçadores de sabor para a indústria de alimentos até plástico para embalagens. E já se fala até em fazer gordura saudável e ingredientes anticancerígenos a partir do açúcar no futuro.
O terceiro ciclo da cana só está no começo. Mas há fortes apostas de que essa nova indústria substitua parte da indústria química no futuro. Fora do Brasil, a produção de ingredientes a partir de vegetais também é embrionária e ganhou o nome de biorrefinaria – Cargill e DuPont são pioneiras e já produzem plástico a partir do milho.
No Brasil, há dois movimentos nessa direção. O primeiro é de grandes grupos usineiros criando empresas especializadas ou fazendo parcerias com multinacionais para novos produtos a partir do açúcar.
O segundo movimento é liderado por grupos estrangeiros como a japonesa Ajinomoto, que está transferindo toda a sua produção de lisina (aminoácido usada na indústria farmacêutica e de alimentos) para o Brasil para aproveitar a tecnologia e o custo baixo de produção de açúcar do País. A coreana CJ, concorrente da Ajinomoto, já está investindo US$ 100 milhões para erguer uma fábrica de lisina no interior de São Paulo. No exterior, a lisina é feita a partir do milho e da soja.
O Brasil pode tirar vantagem nessa corrida porque consegue produzir o álcool e o açúcar mais baratos do mundo, diz Fernando Reinach, presidente do conselho da CanaVialis, empresa de biotecnologia do grupo Votorantim. Se esse ciclo tem de começar, vai começar no Brasil.
No final de 2003, o grupo Zillo Lorenzetti fundou a Biorigin, empresa de biotecnologia especializada em produção de ingredientes naturais para a indústria de alimentação humana e animal. É um negócio de ponta, que conta com uma rede de pesquisadores no Brasil e no exterior. Perto do negócio tradicional da Zillo Lorenzetti, a Biorigin ainda é um grão de areia. O grupo tem receita de R$ 1 bilhão, enquanto as receitas anuais da Biorigin ainda não ultrapassam R$ 75 milhões.
O potencial de crescimento, porém, é grande. Os produtos valem muito mais que o açúcar. Tenho produto vendido a 100 o quilo, diz Mario Steinmetz, diretor da Biorigin e ex-executivo da Rhodia.
PLÁSTICO
A Usina São Francisco e a Usina da Pedra também entraram nesse ciclo. Elas são sócias da Biocycle, empresa que desenvolveu o primeiro plástico feito de açúcar do Brasil. A produção ainda é pequena – são vendidas 50 toneladas por ano para Europa, Ásia e EUA, onde o maior cliente é o governo.
A produção em escala industrial está prevista para começar em 2008. Serão 10 mil toneladas por ano. É pouco perto da produção do plástico tradicional, de 230 milhões. Mas, no longo prazo, metade da produção pode migrar para o biopolímero, diz Sílvio Ortega, diretor da Biocycle.
Enquanto algumas usinas partem do zero, outras se aliam a multinacionais para produção de subprodutos do açúcar. A Usina São Martinho, que pertence a uma ala da família Ometto, firmou uma parceria recente com a japonesa Mitsubishi para produzir leveduras. Toda a produção, ainda cercada de segredos, vai para uma empresa de alimentos do grupo Mitsubishi no Japão.
O Brasil atingiu um alto nível de tecnologia de produção de açúcar. O custo de uma plantoquímica dentro de uma usina quase desaparece. A tendência desses produtos é só aumentar, diz Isaías Macedo , pesquisador da Unicamp.
Braskem já cogita usar etanol para fazer plástico
Na última reunião de apresentação de resultados da Braskem, o presidente da empresa, José Carlos Grubisich, falou pela primeira vez aos acionistas sobre a possibilidade de construir, no futuro, uma fábrica para produzir plástico a partir do etanol. A empresa já teve uma fábrica desse tipo no passado, mas teria de atualizar a tecnologia de produção para entrar nesse mercado.
Para a Braskem, essa é uma decisão de longo prazo, pois exige cautela e planejamento. O preço do etanol ainda é alto perto do petróleo e há o temor de faltar matériaprima no período de entressafra da cana.
O exemplo da Braskem é um bom indicador dos novos tempos. As empresas químicas não pensam no curto prazo. Algumas já estão fazendo a migração porque estão calculando o preço do petróleo daqui a quinze anos, diz Fernando Reinach, presidente do conselho da CanaVialis, empresas de biotecnologia do grupo Votorantim O etanol tem um grande potencial além do combustível. Ele também é visto como importante substituto do petróleo na indústria química.
De fato, o petróleo ainda é uma matéria-prima barata, mas é um recurso natural esgotável. Pior: é poluente.
O etanol, ao contrário, tem um forte apelo ecológico. O CO2 gerado nesse processo é o mesmo retirado da atmosfera pela planta (canade-açúcar) na fotossíntese lá na lavoura. O balanço de CO2 é zero, não causa aquecimento global, diz Reinach.
Segundo ele, os químicos sabem produzir quase tudo a partir de plantas. Mas eles só não colocam a teoria em prática por questões econômicas. Por enquanto.