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Campanha global tenta reduzir o consumo de açúcar

Uma dura batalha diplomática mobiliza o Brasil, maior produtor mundial de açúcar, os Estados Unidos e dezenas de outros países em torno da definição de uma estratégia global contra a pandemia da obesidade, que já afeta 300 milhões de pessoas no mundo. Os países tinham prazo até ontem para apresentar comentários sobre a questão à Organização Mundial da Saúde (OMS), e as manobras agora vão se acelerar para que o rascunho final de um projeto para combater o problema saia até metade deste mês.

O objetivo da OMS é aprovar na Assembléia Mundial da Saúde, em maio, recomendação aos governos para adotarem políticas visando reduzir o consumo de açúcar, sal e gorduras saturadas, diminuir o marketing de alimentos voltados a crianças e o uso de taxas e preços para influenciar decisões no consumo de alimentos. Um dos pontos mais polêmicos da estratégia, baseada num relatório conjunto da OMS com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), sugere que uma dieta balanceada deveria ter no máximo 10% da energia proveniente de açúcar, para prevenir doenças cardiovasculares, diabete, câncer etc.

Isso causa preocupação entre países produtores de açúcar e também nos EUA, que consideram o limite de consumo muito restritivo. A indústria açucareira americana sugere limite de 25%, baseada em dados do Instituto de Medicina da Academia de Ciências dos EUA. O G-77, grupo de países em desenvolvimento liderado este ano pelo Brasil, tenta “construir uma posição comum” para negociar o rascunho da estratégia da OMS, até metade deste mês.

Só que no grupo há os que são totalmente contra o projeto, como as Ilhas Maurício, produtor de açúcar, e outros flexíveis, como o Egito. O Brasil tampouco tem posição definida. O Ministério da Saúde apóia a recomendação de menor consumo de açúcar, enquanto Agricultura e Comércio Exterior não têm posição fechada. Do outro lado, União Européia, Canadá, África do Sul e Nova Zelândia estão entre os principais defensores do projeto da OMS. Com apoio de entidades de consumidores, eles rejeitam a ênfase americana na responsabilidade individual, num ambiente em que a indústria alimentar gasta bilhões de dólares em marketing e propaganda de olho, sobretudo, nas crianças.

Brasil, UE, Tailândia, Austrália e Cuba respondem por 72% de todas as exportações mundiais de açúcar.

Para a OMS, sua recomendação, que poderia ser aplicada de diferentes formas, não terá impacto na exportação de açúcar. O órgão argumenta que há muitas áreas onde o consumo é muito abaixo do recomendado, e o limite de 10% acabaria forçando o uso de açúcar. Já em outros países haveria redução, provocando assim um equilíbrio global.

A Organização Internacional do Açúcar estima que o consumo global do produto cresce, em média, 2% ao ano. Cada brasileiro consome, em média, 58 quilos anuais, ante os 7 quilos da China, 18 na Índia, 34 nos EUA, 38 na UE e 50 em Cuba. Além disso, a OMS diz que recomenda o incremento de frutas e legumes nas dietas alimentares, que são produzidos principalmente pelos exportadores de açúcar, como o Brasil.

Produtores americanos, unidos com indústrias de alimentos processados como Coca-Cola, Unilever e Nestlé, contestaram conclusões do relatório OMS-FAO de que refrigerantes adocicados contribuem para a pandemia da obesidade. Chegaram a ameaçar pedir ao Congresso a suspensão do pagamento de sua contribuição anual de US$ 406 milhões para a OMS, se o estudo fosse mantido. Um terço dos adultos nos EUA são obesos, a maior taxa no mundo. Globalmente, há 300 milhões de obesos, sendo 115 milhões em países em desenvolvimento.

A União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica) também contesta a recomendação da OMS. Seu presidente, Eduardo Pereira de Carvalho, chega a colocar em xeque parte dos estudos da OMS, “uma vez que eles foram elaborados por países desenvolvidos”. Outro ponto levantado por Carvalho é o fato de que as alterações, se concretizadas como quer a OMS, poderão mudar o hábito alimentar de muitos países. (Colaborou MS, de São Paulo)