Em desenvolvimento há mais de 20 anos, o carro movido a hidrogênio é uma realidade comercial. A Toyota lançou o Mirai (futuro, em português), no Japão, em dezembro, ao preço de US$ 40 mil (R$ 128 mil). Deve vendê-lo na Europa a partir de setembro. A Honda colocará seu modelo concorrente nas ruas daquele país no primeiro semestre de 2016 e a Hyundai já produz em massa, desde 2014, o utilitário a hidrogênio ix35, oferecido por leasing na Coreia do Sul, nos EUA e na Europa.
Para simbolizar a emissão zero de poluentes, as montadoras gostam de reforçar que esses veículos só dispensam água do escapamento.
Esse futuro limpo, porém,não deve chegar tão cedo ao Brasil. Segundo Ricardo Bastos, diretor de relações públicas e governamentais da Toyota e vice-presidente da Anfavea, os brasileiros têm interesse em tecnologias limpas, mas o que estão dispostos a pagar por isso “é um pouco limitado”. O carro “verde”, aqui, custa quase 80% mais do que um movido a combustão convencional.
Folha – Como será o carro do futuro em termos de energia?
Ricardo Bastos – Acredito na tecnologia híbrida [dois motores, um elétrico, outro movido a combustão]. Em torno disso se desenvolvem várias combinações, com diferentes motores e fontes de energia. Deve ser o mais sustentável possível, com maior autonomia possível.
Como está a busca por energias alternativas no mundo?
Há centros de excelência, como o Japão e os EUA, buscando um carro ideal, que gere a melhor equação considerando também os custos. O Japão tem um trabalho muito forte, e um pouquinho desse carro do futuro já está sendo colocado nas ruas. Há muito desenvolvimento, em poucos lugares do mundo.
E no Brasil?
Não estamos na ponta. Temos o etanol, importante sob os pontos de vista de rede de abastecimento e de autonomia do veículo. Poderíamos investir mais na sua produção e no seu uso. Hoje não há um carro híbrido a etanol. Olha a vantagem que seria: é um combustível renovável, neutraliza o CO2 e está em postos de todo o Brasil.
E por que não foi feito?
No ano passado foram comercializados 855 veículos elétricos, segundo a Anfavea. Com esse mercado pequeno não vale a pena o investimento. Para esse mercado crescer, essa tecnologia precisa ser conhecida, a sociedade precisa reconhecer seus méritos em relação ao ambiente e o governo precisa apoiar com incentivo. Na medida em que isso avance, as empresas vão investir em soluções.
O elétrico tem as questões da autonomia [baixa] e do custo [alto] a serem vencidas. Você pode enchê-lo de baterias [para aumentar a autonomia], mas vai custar muito. Tem sido usado em cidades, para soluções limitadas. É uma aposta, mas vai demorar um pouco para se achar uma solução.
Existe um esforço para a mudança de matriz energética?
O governo deu um passo importante ano passado, quando aprovou o primeiro incentivo para a tecnologia híbrida, reduzindo o imposto de importação dentro de uma faixa de eficiência energética. Pela primeira vez tivemos uma política pública para o imposto de automóveis considerando-se a eficiência. Se avançarmos na tributação com base na eficiência do carro, independentemente da tecnologia, vamos incentivar as empresas a buscar modelos mais eficientes e novas tecnologias. Precisamos avançar mais, nossa carga tributária é muito alta.
O mercado do Brasil se importa com carro de energia limpa?
Pelas pesquisas, o brasileiro está interessado. Mas o que stá disposto a pagar por isso é um pouco limitado. Quando você compara o nosso carro híbrido, o Prius, há uma diferença de quase 80% no preço em relação ao concorrente a combustão. Nosso desafio é reduzir essa diferença. Em alguns países ela fica abaixo de 20%. Isso aumenta consideravelmente as vendas.
Temos a nossa carga tributária e a realidade de logística do país. Isso penaliza também o carro a combustão. Nesses países onde a diferença de preço se aproxima de 20% o carro tem incentivos do governo. E essa tecnologia é naturalmente mais cara.
Tem a bateria, dois motores, um sistema eletrônico de gerenciamento. Tem uma inteligência por trás do carro. Agora, polui muito menos, consome menos combustível. É um balanço que precisa ser feito na hora de conceder incentivos fiscais.
O Prius foi lançado no Brasil em 2013. As vendas [411 unidade até o 1º bimestre deste ano] atingiram as expectativas?
Quando a gente começou a vendê-lo, o mercado era hiper recente. De janeiro de 2013 até outubro de 2014 não tivemos incentivo. No final de setembro de 2014, [o incentivo] foi parcial, com o imposto de importação. O Brasil tem vários impostos, ainda não tivemos [abatimento do] IPI, ICMS, PIS/Cofins. Por isso o mercado é baixo. Considerando esse cenário, está dentro das nossas expectativas.
A tendência é acontecer uma transição para o carro verde?
Não digo substituir totalmente o carro a combustão, mas o tipo de combustível. A questão da mobilidade será mais exigente sob ponto de vista de ambiental. O etanol é um belo combustível sob esse ponto de vista. O modelo a hidrogênio também.
Quais as vantagens do carro a hidrogênio sobre outros?
Uma vantagem muito grande sobre o elétrico é a autonomia, que se aproxima da do carro a combustão. Faz até 600 km com um abastecimento, que é mais, em alguns casos, do que faz o carro a combustão. Tem um chamariz que é soltar vapor de água do escapamento, não tem poluição saindo do carro. Usa um combustível que se encontra na natureza. E não precisa ter bateria de grande autonomia para acumular essa energia. Ela vai sendo gerada na medida em que o hidrogênio vai sofrendo o processo químico. Você tem sim uma bateria, mas não precisa ser muito grande e cara. Isso resulta também na economia de espaço.
Uma questão que precisa ser resolvida é a disponibilidade do hidrogênio. É preciso modificar o sistema de abastecimento. É um investimento que foi feito antes de começar a venda.
Em termos de abastecimento, seria viável no Brasil?
Sim. Mas estamos muito distantes disso, os investimentos seriam muito altos. No curto, médio prazo, não vejo o Brasil participar dessa tecnologia. Nosso foco aqui é a tecnologia híbrida.
(Fonte: Folha de São Paulo)