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Brasil tem 13 Itaipus nas lavouras de cana

Um dos criadores do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, o pesquisador da Embrapa soja Décio Gazzoni acredita que a cana-de-açúcar não foi só o começo. Para ele, os canaviais são também o futuro da agroenergia. Na entrevista a seguir, Gazzoni comenta os desafios do setor e explica como a cana coloca o Brasil no centro das discussões e dá ao país uma vantagem comparativa para liderar o processo de expansão da energia limpa no mundo.

Em que estágio se encontram a produção de agroenergia? Quais as principais matérias-primas?

No Brasil, destacaria três matérias-primas: a cana-de-açúcar, oleaginosas como a soja e o dendê e as florestas tropicais plantadas como o eucalipto e o pinus. Europeus e americanos estão produzindo etanol com cereais como milho, trigo, aveia, cevada, canola. Isso gera uma polêmica enorme porque está competindo com a produção de alimentos. Mas como são países frios e que não têm muita terra, a janela de plantio é muito estreita e eles precisam escolher, ou plantam uma coisa ou outra.

Quer dizer, em se tratando de matéria-prima e de potencial agronômico, o Brasil está preparado para assumir a liderança nesse processo?

Exatamente. Nisso o Brasil tem uma vantagem comparativa muito grande. Mas a matéria-prima é apenas um detalhe da tecnologia e, obviamente, precisamos juntar outros elementos para tornar isso um fator competitivo. Da porteira da fazenda para fora, da porta da indústria para dentro, precisamos incentivar nossos grupos de engenharia química, de biotecnologia, de biologia sintética, porque neste ponto o primeiro mundo está realmente nos dando um banho. O risco que corremos é de gerar uma dependência tecnológica muito forte. Um detalhe importante, que nos beneficia, é que temos um mercado doméstico muito grande, que nos dá uma folga para atravessar esta década que está começando e a próxima. Apenas para atender à nossa demanda doméstica, precisaremos crescer mais do que uma Itaipu a cada três anos. A competitividade brasileira é tão grande que em um mercado desprotegido nós desbancamos qualquer outro concorrente. Por isso, o protecionismo de outros países nessa área é escancarado.

Como a cana-de-açúcar se insere na evolução da agroenergia?

A cana-de-açúcar vai ser protagonista nessa evolução ao menos nos próximos 30 anos. Hoje o custo do megawatt/hora nas usinas de cana já está muito próximo do de hidroelétricas como Furnas e Itaipu. Isso abre um mercado muito grande para a produção de bioeletricidade e aí é que entra a vantagem comparativa da cana. O bagaço (fonte da bioenergia elétrica) é um resíduo do processo industrial, ou seja, o seu custo fixo, e até mesmo o seu custo variável, já está sendo pago pelo açúcar e pelo etanol. Por isso, acredito em um crescimento muito grande na oferta de bioeletricidade em usinas de cana, o que a torna cada vez mais protagonista nesse processo. Será muito difícil achar um substituto para a cana-de açúcar. Em termos de energia equivalente, a produção brasileira de cana vale 13,5 usinas de Itaipu, que é a maior usina hidrelétrica do mundo. E vamos ter cada vez mais Itaipus dentro das lavouras de cana. Com aproximadamente 11 milhões de hectares podemos produzir anualmente a mesma quantidade de energia que vai ser extraída do Pré-Sal.

E a produção de etanol a partir da biomassa da cana?

Eu considero isso uma agenda de país rico. Não que o Brasil não deva investir. Precisamos deter o conhecimento tecnológico para conhecer os nossos concorrentes. Mas hoje é mais fácil plantar mais cana ou aumentar a produtividade para obter o mesmo etanol, de primeira geração, do que tentar tirar álcool do bagaço quando ele pode ser usado para produzir eletricidade, que remunera melhor. Dificilmente você vai conseguir convencer um empresário a entrar nessa porque ele perderia dinheiro. E a margem da bioeletricidade deve continuar sendo maior até onde eu enxergo, nos próximos 10 ou 15 anos.

Os pequenos agricultores poderão se beneficiar da expansão da agroenergia?

No lançamento do programa do biodiesel houve um erro de projeto escolhendo a mamona como um dos vetores quando ela tinha uma série de restrições agronômicas e tecnológicas. Mas eu diria que isso é apenas um detalhe. Acho que existe espaço, sim, para o agricultor familiar, e a política pública procura justamente compensar a tendência da racionalização do mercado. O governo, sempre que pode, procura abrir possibilidades de fixação do homem na terra, de ganho de renda. Já temos o programa do dendê e estamos estudando também a criação de um programa de florestas plantadas para a produção de energia de maneira que o pequeno agricultor possa cultivar 2 ou 3 hectares já conectado em uma cadeia, com contratos de venda e antecipação de renda.