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Brasil pode influir na renovação do “fast track”, diz americano

Mesmo enfraquecido, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, tem boas chances de renovar o “fast track” e conseguir poder político suficiente para ajudar a concluir a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Para atingir esse objetivo, o mandatário americano terá que fazer concessões para os congressistas democratas mais favoráveis ao livre comercial e conseguir mobilizar os lobbies empresariais.

A avaliação acima é de I. M. Destler, professor da Universidade de Maryland e um dos maiores especialistas em política comercial americana. Ele explica que o Partido Democrata, que agora comanda as duas casas do Congresso dos EUA, está dividido em dois grupos: os deputados que são favoráveis ao comércio, mas querem mais atenção para questões trabalhistas, e aqueles que não aceitarão o livre comércio por princípio.

“O primeiro grupo está em boas posições. São líderes de comissões importantes do Congresso. É por causa dessas pessoas que será possível colocar as coisas no lugar”, afirmou Destler em entrevista ao Valor após participar de seminário em São Paulo sobre as relações Brasil – Estados Unidos, organizado pela Câmara Americana de Comércio (Amcham) e pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

Destler se mantém otimista e acredita na conclusão da Rodada. Ele só tem dúvidas se será uma “mini Doha” ou uma “grande Doha”. A versão “mini” do acordo incluiria apenas o fim dos subsídios à exportação na agricultura, limites para o apoio interno ao produtor e algum acesso a mercado. Já um acordo mais ambicioso deveria contemplar concessões mais significativas da União Européia, de países da Ásia, e mais acesso aos mercados industriais e de serviços.

Segundo o professor, os Estados Unidos teriam dificuldades para aprovar um acordo pouco ambicioso, que desagradaria os lobbies industriais “Já os europeus ficariam satisfeitos com uma mini Doha”, diz Destler. Na sua opinião, o Brasil está interessado em uma “grande Doha”, mas parece constrangido por suas parceiras no G-20, aliança de países em desenvolvimento.

“Está na hora de o Brasil sinalizar que há ouro no final do arco-íris”, diz o professor. Ele avalia que, se acenar com maiores concessões, o Brasil ajudará a mobilizar os lobbies nos Estados Unidos para renovar o “fast track”, autorização concedida pelo Congresso para o Executivo negocie acordos comerciais que expira no início de julho . “Espero que o Brasil já esteja fazendo isso nas conversas privadas entre os ministros”, diz.

O especialista acredita que a Rodada de Doha também será um assunto importante nas conversas entre Bush e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, na próxima sexta-feira em São Paulo. “Sei que o etanol está conseguindo uma enorme publicidade agora, mas espero que Doha seja um tema importante”.

Para Destler, um das dificuldades do Brasil é que, às vezes, a comunidade empresarial é mais flexível que o governo. “Como o ministro das relações exteriores (Celso Amorim) comanda as negociações, ele é mais sensível às visões de outros países do que aos interesses econômicos”, diz. Ele acredita que Lula pode ajudar a arbitrar essas diferenças.

Para Destler, Bush escolheu a agenda do biodiesel para discutir com o Brasil porque é uma combinação de duas questões cruciais: o abastecimento energético e o aquecimento global. “O biodiesel é popular. E os políticos tendem a ser mover para temas vitoriosos”, diz o professor, acrescentando que as únicas pessoas contra os combustíveis renovável nos EUA são alguns poucos economistas que questionam sua eficiência.

Ele também afirma que Bush deve conversar com Lula sobre a Venezuela. Para o governo americano, o presidente Hugo Chávez está causando problemas e conduzindo seu país para um caminho que pode ser mal sucedido no futuro. O professor diz que o Brasil não enveredou pelo mesmo caminho da Venezuela na economia. “Simbolicamente, Lula está ao lado de Chávez. Mas, na prática, fica com Bush”, diz.

Para Destler e os demais especialistas brasileiros que participaram do seminário realizado ontem em São Paulo, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) está morta. Os brasileiros também estão bastante pessimistas sobre a possibilidade de um acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, pois todas as dificuldades existentes na Alca se repetiriam nessa negociação. Já o professor americano não se diz tão pessimista.

“Não acho que um acordo Brasil – EUA é provável no curto prazo, mas é uma questão interessante”, diz. “Poderíamos começar com uma relação mais próxima, acordos em alguns setores, acordos em investimentos e depois caminhar para uma negociação bilateral”. Ele ressalta que a indústria americana está reclamando que os acordos bilaterais já fechados pelos EUA, como Jordânia, Marrocos ou até Chile, respondem a critérios estratégicos e geopolíticos, mas oferecem poucos ganhos comerciais.