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Brasil oferece bicombustível para Pequim

As oportunidades já identificadas pelo setor privado na China para as exportações do álcool brasileiro fazem parte de um plano bem mais ambicioso do governo, na viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, na próxima semana. O secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Carlos Gastaldoni, vai encontrar-se com autoridades da Comissão de Planificação Econômica, um órgão de coordenação de ministérios vinculados à produção, para definir a cooperação entre os dois países no que o governo brasileiro define como “toda a cadeia produtiva, da cana ao carro bicombustível”.

“Explorar essa cadeia, que vai da cana de açúcar ao automóvel, é fundamental: queremos conquistar o mundo com isso”, comentou Gastaldoni ao Valor. Aproveitando um memorando de entendimento assinado entre China e Brasil, ainda em dezembro de 2002, o governo pretende garantir mercado na China para o etanol brasileiro, trocar experiências no uso de álcool combustível, já em uso em poucas províncias chinesas, e abrir mercado para o carro bicombustível (ou flex-fuel) desenvolvido no Brasil.

“O carro bicombustível elimina um dos problemas para disseminar o álcool como alternativa de abastecimento, que é a rede de distribuição”, raciocina o secretário.

O governo espera conseguir escoar para a China o excedente de álcool produzido no Brasil com a expectativa frustrada de aumento rápido de mercado em países como o Japão. As pressões, com o crescimento econômico chinês, por alternativas menos danosas ao meio ambiente devem facilitar o esforço em favor do álcool combustível, acredita Gastaldoni. “O Brasil lidera em toda a cadeia, da cana ao álcool e ao carro bicombustível: temos bom preço, tecnologia, produtividade e oferta”, comenta. “O petróleo está cada vez mais caro, e em breve o mundo inteiro vai operar com automóvel bicombustível”.

A missão brasileira à China identificou ainda outras duas prioridades em matéria de cooperação para investimentos, tecnologia e comércio: além do álcool, o governo leva para a viagem de Lula projetos para o setor de carnes e para o chamado complexo minero-metalúrgico (metais e manufaturas de ferro, alumínio e ligas metálicas).

A China estabelece barreiras sanitárias, nem sempre muito claras, para a venda de carnes ao país – o frango brasileiro exportado aos chineses, por exemplo, tem uma cota de 10 mil toneladas e não pode ser vendido ao consumidor; só pode ser processado industrialmente e reexportado. Na segunda-feira, o embaixador chinês no Brasil, Jian Yuande, reconhecia que a negociação de um acordo para disciplinar as barreiras sanitárias aos produtos do Brasil nâo depende só do esforço da equipe de Lula: “Depende de trabalho dos dois lados”, comentou.

A assinatura de acordos de exportação é uma das prioridades do governo, que aguarda uma prometida visita de inspetores chineses ao país. “Também temos a maior produtividade mundial em milho e soja, principal insumo para a produção de carnes de frango e suína.”

Um dos principais fornecedores de minério de ferro à China (que é o maior importador do produto brasileiro), o Brasil quer sofisticar esse comércio, estabelecendo contratos de compra do carvão mineral chinês (combustível para os alto-fornos siderúrgicos) e atraindo investidores daquele país para fabricar no Brasil placas de aço e outros produtos siderúrgicos semi-acabados. Durante a visita de Lula deve ser anunciada a associação da Vale do Rio Doce e da gigante chinesa Baosteel, para instalação de uma usina no Maranhão.

Em outros setores, onde o Brasil tem competitividade, mas o baixo custo da mão de obra chinesa torna a China um potencial competidor, o governo quer sofisticar a relação com o país-alvo da visita de Lula, e atrair investimentos chineses, para exportar a partir do mercado brasileiro. São os setores de couro e calçados, madeira e móveis e papel e celulose.

Em todos esses setores, os chineses são grandes exportadores de produtos acabados, mas o Ministério do Desenvolvimento acredita ser possível administrar os mecanismos de política comercial para favorecer investimentos no Brasil. “Em celulose, o Brasil é imbatível, e os chineses são grandes produtores de papel; vamos atraí-los para fazer fábricas aqui no país”, afirma Gastaldoni.

No caso dos calçados, por exemplo, os chineses são mais competitivos em produtos com plástico e outros materiais sintéticos e importam do Brasil 70% do couro que usam na produção. Gastaldoni acredita que seria possível convencer os chineses a aproveitar o couro ainda no Brasil e produzir aqui para exportação. Com imposto sobre exportação do couro wet blue, o governo já estimula o uso do couro nacional para fabricar produtos de maior valor agregado.

Outros seis setores foram definidos nos planos de governo como oportunidades a serem sondadas nas conversas com os chineses. Nesses casos, os funcionários do ministério atuam com maior cautela, devido à grande resistência dos empresários brasileiros a uma maior aproximação com a China.

É o caso dos setores eletrônico, de bens de capital, de software, farmacêutico e de cosméticos. Há temores no setor privado contra a fama de desrespeito à propriedade intelectual por parte de firmas chinesas, e medo também dos baixos preços praticados pelos chineses.

O governo acredita porém que esses setores, beneficiados pela anunciada política industrial, poderiam atrair investimentos, assim como a construção civil e os serviços de distribuição de produtos. “Vamos, nesses casos, fazer prospecções, conversar sobre as possibilidades e tentar atrair investimentos”, informa Gastaldoni.