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Brasil e Bolívia: o infeliz casamento do gás natural continua

O Brasil continuará importando gás natural da Bolívia a despeito da nacionalização dos campos de gás, ainda que os preços devam subir e apesar dos prejuízos que sua estatal do petróleo possa vir a sofrer, disseram analistas na terça-feira.

Apesar de ter atingido a auto-suficiência em petróleo no mês passado, o Brasil, maior país latino-americano, depende da Bolívia para mais de metade de seu consumo total de combustível não poluente, que vem crescendo rapidamente.

Enquanto isso, o país serve como principal mercado ao gás natural boliviano, que de outra forma não poderia ser vendido e não seria extraído, o que o tornaria inútil ao país vizinho, o mais pobre da América do Sul a despeito de suas vastas reservas de gás.

“A nacionalização, na forma anunciada, é traumática o bastante, e imaginamos que não existe interesse, da parte da Bolívia, em violar seus contratos de fornecimento, porque isso desvalorizaria os ativos que estão sendo nacionalizados”, disse por telefone Jean-Paul Prates, diretor da consultoria ExPetro, que está em uma feira de petróleo em Houston.

O presidente Evo Morales na segunda-feira ameaçou expulsar as empresas estrangeiras que não reconheçam o controle estatal, o que significa que serão relegadas a apenas operar os campos, com toda a produção de gás natural e petróleo transferida à estatal de energia boliviana.

O ministro da Energia brasileiro, Silas Rondeau, classificou a decisão como “hostil,” e José Sérgio Gabrielli, presidente da estatal brasileira de petróleo, Petrobras , afirmou que as novas condições “tornam as operações de gás praticamente impossíveis na Bolívia.” Mas a despeito da aspereza dos comentários iniciais, representantes do governo brasileiro declararam na segunda-feira que a decisão inicial da Petrobras era a de permanecer na Bolívia.

A produção da Petrobras no país responde por cerca de metade dos 30 milhões de metros cúbicos em capacidade diária do gasoduto que une o país ao Brasil.

A Bolívia, país que não tem saída para o mar, também opera um gasoduto de menor capacidade que une seu território à Argentina. Bolívia e Chile tem uma séria e antiga disputa de fronteiras, o que deixa os bolivianos sem acesso ao Pacífico. Um gasoduto através da selva peruana é considerado inviável.

“Eles têm o gás e precisam vendê-lo. Não acredito que venha a acontecer um problema quanto aos suprimentos de gás, aqui”, disse Luiz Carlos Costa, da consultoria PriceWaterhouse Coopers.

Os analistas vêem pouco impacto sobre a Petrobras, já que a Bolívia respondeu por apenas 2,4 por cento da produção e 2,8 por cento das reservas da empresa em 2005. As ações do grupo caíram na abertura do pregão, terça-feira, depois das medidas bolivianas, mas se recuperaram e subiram em 1,6 por cento, negociadas a 46,95 reais.

“Se a Petrobras fosse uma empresa privada, eles poderiam sair, recorrer a um processo de arbitragem. Mas eles precisam pensar sobre o suprimento de gás brasileiro”, disse Adriano Pires, presidente da consultoria Centro Brasileiro de Infra-estrutura.

Os analistas dizem que até 75 por cento do gás natural consumido em São Paulo, o principal pólo industrial brasileiro, vem da Bolívia, e que alguns dos prósperos Estados do Sul do país dependem integralmente dessa fonte de suprimento.

Eles concordaram que era provável uma alta nos preços do gás boliviano, a despeito do contrato em vigor que fixa preços até 2019, e que caberia aos consumidores brasileiros arcar com o ônus.

“Não existe maneira de evitar aumento de preço. Passar por escassez seria muito pior”, disse Pires, acrescentando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria de negociar com Morales para eliminar quaisquer riscos políticos.

Ainda que as importações devam provavelmente continuar e até subir, empregando a plena capacidade do gasoduto, os analistas dizem que o Brasil pode ter de revisar seus planos de inserir ativamente o gás natural na matriz energética do país.

“Em curto prazo, não há como escapar às importações da Bolívia, pelo menos até 2009, quando começa a exploração do gás da bacia de Santos, mas essa nacionalização e o aumento de preços previsto devem gerar nova discussão sobre o papel do gás, especialmente em veículos”, disse Prates.

Alguns analistas alegam que a Petrobrás pode até se beneficiar se os motoristas começarem a usar mais gasolina, em lugar do gás natural. O consumo de etanol, baseado em cana de açúcar, e de gás natural está em ascensão como fonte de energia para veículos no Brasil.

A Petrobras agora produz gás associado, mas localizou grandes reservas de gás natural ao largo de Santos e planeja explorá-las a partir de 2008, extraindo 30 milhões de metros cúbicos ao dia a partir de 2010.

Ainda que o governo estime o consumo de gás natural no país em 100 milhões de metros cúbicos diários em 2010, mais que o dobro do volume atual, Prates afirma que os analistas calculam um máximo de 60 milhões de metros cúbicos ao dia. Desenvolver a capacidade de atender as necessidades de consumo pela extração nacional daria ao Brasil mais poder de barganha em negociações com a Bolívia nos próximos anos.