Empresas dos dois países começam a investir pesado na produção, mas com focos diferentes. O Brasil está próximo de torna-se uma potência mundial na produção e venda do biodiesel, combustível regularizado há dois anos pelo governo federal para sustentar a agricultura familiar, mas que hoje já faz parte do portfólio de negócios estratégicos de empresas de grande porte como a Petrobras, Ipiranga, ADM, Caramuru e Bertin. Arnoldo de Campos, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, diz que apenas os projetos já anunciados pelas indústrias brasileiras irão demandar investimentos totais de cerca de R$ 700 milhões, o que garantirá uma oferta, até o final de 2007, de 1,7 bilhão de litros do energético produzido com óleos vegetais – volume mais do que suficiente para atender à exigência governamental de adição de 2% do produto (em torno de 800 milhões de litros) ao diesel, partir de janeiro de 2008.
No entanto, o Brasil não é o único país da América Latina a apostar pesado no combustível. A Argentina – adversária histórica dos brasileiros na produção e venda de carne e produtos da soja (grão, óleo e farelo) ao exterior – também começa a tirar do forno projetos ambiciosos para o biodiesel, com uma diferença importante em relação aos daqui: mais de 75% da produção futura argentina terá como único destino o mercado internacional, segundo revela um estudo divulgado pela consultoria abeceb.com. Já no Brasil os fabricantes pretendem, no primeiro momento, despejar toda a oferta no mercado local, não só para cumprir com as metas governamentais, mas também para satisfazer os anseios das distribuidoras de combustíveis, que se esforçarão para colocar, o mais rápido possível, o B-2 (2% de biodiesel e 98% de diesel) em todas as suas redes de postos.
“Com tradição no setor de esmagamento de soja (a principal matéria-prima do biodiesel), a Argentina certamente não vai querer ficar de fora desse mercado”, afirma Campos. O representante do governo reconhece que, apesar dos projetos brasileiros estarem mais maduros, o biodiesel argentino deve chegar primeiro no mercado externo, sobretudo nos países da Europa, o maiores clientes desse combustível. “Mesmo com uma produção crescente nos próximos anos, o Brasil não terá condições para atender a demanda externa antes de 2010, o que abre espaço para a Argentina”, afirma.
Campos, porém, considera salutar a entrada dos argentinos no mercado internacional de biodiesel. “No biodiesel, os argentinos não serão concorrentes e, sim, parceiros, já que os consumidores de fora de biocombustíveis buscam cada vez mais garantias de suprimento e não querem ficar dependentes de um único fornecedor do combustível”, justifica. Além do Brasil e da Argentina, os Estados Unidos têm investido fortemente na produção futura do biocombustível. No entanto, atualmente, são os alemães que se destacam na produção do energético, com uma oferta anual acima de 2,5 bilhões de litros e com um mercado já maduro, com mais de 10 anos de existência.
César Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru – a maior esmagadora de soja de capital nacional e que vai produzir 30 milhões de litros por ano de biodiesel em Goiás – vê com preocupação o ingresso da Argentina nesse setor. Segundo ele, por uma deficiência da legislação brasileira, que favorece a exportação de soja em grão em vez de farelo e óleo (produtos de maior valor agregado), “os argentinos, que apoiam às exportações de produtos industrializados, vem tomando espaço dos brasileiros no mercado internacional de derivados”. “Passamos a ser os últimos da fila entre os exportadores de óleo e farelo e o mesmo ocorrerá com o biodiesel”, alerta Souza.
Segundo estudo consultoria abeceb.com, entre 2005 e os oito primeiros meses deste ano, a Argentina anunciou 13 projetos para o desenvolvimento de biodiesel, com investimentos totais de US$ 285,5 milhões e conclusão das instalações no fim de 2007. Essa cifra, entretanto, pode chegar até US$ 1 bilhão nos próximos quatros anos, de acordo com avaliação da abeceb.com. A maioria dos projetos argentinos está nas mãos de empresas de cereais de origem nacional, situadas sobretudo na região central do país, onde está localizado o maior corredor produtivo de culturas oleaginosas. Estima-se que a demanda argentina em atinja em 2010 algo em torno de 700 milhões de litros.
Dos 13 projetos argentinos de biodiesel, quase 76% prevêem a comercialização no mercado internacional, principalmente na Europa. Outros 24% dos programas têm como destino os dois mercados – interno e externo – e apenas 0,1% dos projetos é dirigido ao consumo próprio.
No Brasil, segundo Arnoldo de Campos, já existem 12 indústrias autorizadas pelo governo para construir suas plantas de biodiesel, o que corresponde a uma oferta prometida de 280 milhões de litros por ano. “Ainda temos mais de 14 indústrias que já fizeram o pedido para iniciar a produção, o que, caso sejam liberadas, elevariam a oferta anual para 1,7 bilhão de litros”, diz Campos.
Na avaliação do professor Miguel J. Dabdoub, coordenador do projeto Biodiesel Brasil, apesar dos projetos existentes, o mercado brasileiro de biodiesel ainda está restritos aos leilões governamentais, que têm como principal comprador a Petrobras, que além de adquirir o produto de terceiros, também investirá na produção própria, com a instalação de três fábricas. “Por meios dos pregões, já foi garantida a compra de cerca de 500 milhões de litros de biodiesel para a entrega futura”, afirma o professor.
Segundo o Programa Setorial de Política Energética do governo, hoje, o biodiesel é vendido em mais de 1,7 mil postos de combustíveis, além de 500 grandes consumidores, resultando num mercado anual acima de 100 milhões de litros. Até o fim deste ano, segundo o governo federal, serão mais de 3,5 mil postos com distribuição de biodiesel e 3 mil grandes consumidores, o que vai alavancar a oferta para 675 milhões de litros/ano.