A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos) divulgou recentemente seus números de vendas no mercado interno. O Brasil fechou 2008 com uma venda de 2.867.565 veículos, dos quais, 82% são flex. A frota de veículos leves, estimada pela Archer Consulting no final do ano passado, é de 27,7 milhões, com os flex alcançando 24% do total.
As perspectivas da economia brasileira para este ano já não são mais tão alvíssaras como eram antes da crise financeira global. Fala-se inclusive em crescimento do PIB próximo de zero. A marolinha mal avaliada pelo Planalto transformou-se num ciclone tropical. Os bancos registraram recentemente um estoque de 110.000 veículos financiados cujas prestações deixaram de ser pagas e, portanto, devolvidos aos agentes financiadores.
O número de vendas de janeiro e fevereiro desse ano, divulgados pela Anfavea mostra uma desaceleração de 5,2% em relação ao mesmo período do ano passado. As estimativas demonstram que, em 2009, a venda de veículos flex atingirá pouco mais de 1.800.000 veículos. Uma queda em bases anuais de 22%. A questão é como isso afetará o setor sucroalcooleiro?
O cenário, apesar dos percalços, é positivo. Temos que analisar o setor olhando, evidentemente, os dois segmentos: açúcar e álcool.
O açúcar no mercado internacional reflete a equação da oferta e demanda do produto disponível para a exportação. Brasil, China e Índia são grandes produtores, mas também grandes consumidores de açúcar. A Índia pela sua característica de microprodutores é extremamente sensível a preços. Culturas que remuneram melhor substituem rapidamente aquelas cujo retorno é insatisfatório. Como as commodities são cíclicas, ou seja, seus preços oscilam em função da oferta e demanda, temos visto a Índia como um grande swing trader desse mercado, às vezes despontando como grande exportador (quando os preços altos no mercado internacional atraem os microprodutores), outras como grande importador (quando esses preços já não são atraentes e provocam e mudança de cultura).
O Brasil continua líder nesse mercado: exportou mais de 20 milhões de toneladas nos últimos 12 meses, um crescimento de 7,7% no período. Na safra 2008/2009, já foram mais de 17 milhões de toneladas, projetando 20,6 milhões até o seu final. O mercado internacional está estagnado há alguns anos, variando entre 48 e 52 milhões de toneladas negociadas anualmente. Para 2009, no entanto, estimamos que as exportações brasileiras atinjam 21 milhões de toneladas, aproveitando o déficit indiano que vai abrir espaço para a penetração brasileira.
O mercado interno de açúcar cresce basicamente de forma vegetativa. Em períodos em que a economia cresce, o consumo de açúcar migra do consumo direto para o indireto. Por exemplo, com o aumento do poder de compra, os consumidores passam a consumir produtos industrializados que contém açúcar: a dona de casa, ao invés de fazer o doce/bolo em casa, passa a comprá-lo no supermercado. O consumo de açúcar é inelástico, ou seja, não sofre alterações em função de preço. Para 2009, as estimativas é que o consumo brasileiro chegue a 11,5 milhões de toneladas.
Já o mercado de etanol depende largamente do consumo interno via carros flex, que são o pilar de sustentação do setor. Para 2009, diante do atual cenário, estimamos que o consumo dos carros flex será menor em 6% se comparado ao ano anterior, ou seja, que o consumidor vai comprar 6% menos de combustível durante esse ano em função do próprio desaquecimento da economia. Mas, por outro lado, 65% dos proprietários de carros flex optarão pelo etanol no momento de abastecer. Consideramos também que a mistura de 25% de anidro na gasolina se manterá inalterada.
Assim, neste ano, levando-se todos esses pontos em consideração, o consumo de etanol no Brasil alcançará 23,4 bilhões de litros. A exportação de etanol, que bateu o recorde de 5,118 bilhões de litros no acumulado de 12 meses, em dezembro de 2008, não deverá repetir a mesma performance. As estimativas do mercado dão conta que em 2009 chegaremos ao máximo de 3,5 bilhões de litros. Some-se ainda 1,5 bilhão de litros que são consumidos na indústria química, de bebidas, de perfumaria e outros fins.
No final, somando todas as demandas neste ano de 2009 de maneira bastante conservadora, o setor vai precisar moer quase 612 milhões de toneladas de cana, necessitando de uma expansão de 8,74% no ano. Isso implica em investimentos da ordem de aproximadamente US$ 4 bilhões.
Apesar da enorme dificuldade de crédito pela qual passam muitas usinas e da travessia penosa nessa entressafra de parcos recursos disponíveis, o cenário é alentador, pois os mercados internacional e doméstico de açúcar remuneram acima do custo de produção. O problema é o etanol, que sofre com o desequilíbrio do mercado de petróleo e da falta de caixa das usinas que empurram os preços para baixo mesmo na entressafra, fazendo com que o hidratado – que é mais de 70% da produção total de etanol – esteja no limite do custo de produção. No mix total, a estimativa é de que as usinas tenham um ganho operacional médio neste ano, antes das despesas financeiras, de US$ 4,38 por tonelada de cana moída.
Os números acima são conservadores. Poderíamos estimar no modelo as mudanças que ocorreriam caso, por exemplo, não houvesse a queda de 6% no consumo de combustível, ou ainda, que aumentássemos as exportações em mais 800 mil toneladas (exequível em função do déficit indiano) e que, também, fôssemos mais parcimoniosos com a queda na venda de veículos flex para – digamos – apenas 10%. Só essas modificações fariam com que o setor precisasse de uma expansão, agora para a safra 2009/2010, de 12,5%, ou seja, precisaria crescer 1/8 a sua capacidade atual.
Essas restrições de crédito que seguram a expansão necessária podem fazer os preços internacionais oscilarem fortemente durante esse ano e mostrarem dois lados da moeda. Um, o mais óbvio, a remuneração extraordinária para aqueles que tiverem com o fluxo de caixa equilibrado; outro, mais obscuro, é que preços altos incentivam crescimento desordenado e, consequentemente, preços deprimidos na safra seguinte.
Arnaldo Luiz Corrêa é especialista em gestão de riscos em commodities agrícolas e diretor da Archer Consulting, empresa de assessoria em Mercado de Futuros, Opções e Derivativos.