Não deixa de ser um passo importante a Anfavea, a associação das montadoras, ter levado ao governo federal, no início do mês, uma proposta de inclusão de novas “tecnologias de propulsão”, que, em outras palavras, significa pedir que veículos híbridos, elétricos e movidos a célula de combustível recebam vantagens no sistema tributário brasileiro. Chegamos, no entanto, a essa discussão com pelo menos uma década de atraso. O híbrido Toyota Prius, primeiro modelo movido a gasolina e eletricidade produzido em série no mundo, foi lançado no Japão em 1997 e quatro anos depois em outros mercados, como os EUA.
Fora do Brasil, o desenvolvimento de energias alternativas avança a passos largos. No início do ano, a Nissan começou a produzir seu modelo elétrico Leaf também nos Estados Unidos, o que permitiu a redução do preço do carro, hoje importado do Japão, de US$ 35,2 mil para US$ 28,8 mil.
Há poucos meses, a Ford anunciou a criação de um laboratório de pesquisa e desenvolvimento exclusivo para veículos híbridos e elétricos em Dearborn, Michigan, exatamente onde Henry Ford inventou a linha de montagem. Novos testes em baterias são apenas um exemplo de aplicações dos investimentos da montadora americana. Na China, a Mercedes-Benz lançou recentemente uma versão elétrica do seu supercompacto Smart para dois ocupantes.
Enquanto isso, no Brasil, esse tipo de tecnologia está ainda em fase de testes, como as pequenas frotas de táxis híbridos e elétricos em São Paulo e Rio e projetos-piloto, como a recente parceria com a Polícia Militar do Rio, onde dois elétricos farão patrulhamento da orla.
Levada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio no dia 5 de julho, depois das três semanas em que os carros também foram alvo dos protestos que tomaram as ruas do país, a nova proposta das montadoras começa, portanto, agora a abrir caminho para incluir o Brasil num cenário já conhecido em outros países.
Divergências internas na Anfavea acabaram sendo, de certa forma, apaziguadas na elaboração do documento encaminhado ao ministério, num momento conveniente para os fabricantes de veículos. Nas discussões internas da entidade, Toyota e Ford são favoráveis a incentivos para carros híbridos porque ambas têm esses produtos disponíveis, já à venda no país. Defendem os modelos puramente elétricos o grupo Renault /Nissan e a Mitsubishi por também contarem com esses carros em suas linhas. O grupo que trabalhou para que o documento saísse é discretamente apoiado pela Fiat, que há anos fornece Palio elétrico para testes internos em Itaipu. Já Volkswagen e General Motors não fazem tanta questão de participar do debate no Brasil.
Seria injusto não mencionar o mérito do etanol e da criação dos carros flex, que permitem usar gasolina ou álcool no mesmo tanque. O carro flex é um indiscutível sucesso brasileiro, que completou dez anos há um mês. Esse é, aliás, um fator que faz o governo hesitar todas as vezes que aparece no gabinete do Ministério do Desenvolvimento, ou da Fazenda, algum representante do grupo que defende a bandeira dos híbridos ou elétricos.
A turma mais engajada nessa causa tenta convencer o governo que, assim que for produzido no Brasil, o híbrido também poderá usar etanol no motor a combustão, que serve para abastecer o elétrico. Outro chamariz usado por esse mesmo grupo é que esse tipo de veículo dispensa a infraestrutura para carregar as baterias dos carros elétricos em locais públicos, já que o motor a combustão faz esse papel. Já a bandeira dos defensores dos carros 100% elétricos é basicamente a causa ambiental.
A célula de hidrogênio, tecnologia mais avançada, mal tem sido testada no Brasil, apesar de ter sido incluída no documento preparado pela Anfavea. Justamente para não deixar nenhum fabricante de fora, incluindo os de ônibus Volvo híbridos, já em testes nas ruas de Curitiba, o trabalho elaborado pela Anfavea abrangeu todas as versões dessas novas tecnologias.
Para Luiz Carlos Mello, diretor do Centro de Estudos Automotivos, o próprio motor a combustão ainda pode avançar muito mais em termos de economia de combustível e redução de emissões. Ele sugere ao governo condicionar incentivos fiscais aos motores movidos a etanol que atinjam níveis de consumo equivalentes aos movidos a gasolina. É possível? Somente os engenheiros sabem responder. Mas no mundo dos carros parece não haver limites para desafios.
A questão não é defender um ou outro tipo de energia alternativa. As experiências em outros países têm mostrado, aliás, a necessidade de aprimorar os produtos, baratear custos e reparar falhas. As polêmicas discussões não só sobre peso como destinação das baterias de íons de lítio, por exemplo, estão longe de acabar.
O mais importante, nesse cenário, é não mais permitir que o quarto maior mercado de veículos do mundo, o Brasil, fique excluído de um momento histórico, voltado à reinvenção do automóvel. Por mais que se pregue em favor de meios de transporte coletivo eficientes para desafogar o trânsito, o carro não perdeu a cena. Como diz Mello, “é da natureza humana ver no carro um sinônimo de liberdade”.
Mas o desenvolvimento de novas energias já permite criar carros em novos formatos e tamanhos. É possível hoje produzir modelos numa largura em que cabem quatro ou seis automóveis onde antes cabiam dois. Mas o consumidor brasileiro assiste a essa mudança à distância, como se estivesse no cinema. Cabe à indústria, sob vigilância rigorosa do Poder Público, mudar essa rota. Caso contrário, corremos o risco de, assim como ocorreu com Fernando Collor de Mello na véspera da eleição presidencial de 1989, mais alguém ganhar fama ao comparar os carros brasileiros com carroças.