A União Européia (UE) deu mais um passo rumo à abertura das negociações internacionais em torno de um mercado global livre para os produtos agrícolas – negociações estas que estavam emperradas desde o fracasso da reunião em Cancún, promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), no ano passado. A Comissão Européia, órgão executivo da UE, propôs uma ampla reforma do seu sistema açucareiro que surpreendeu até os mais otimistas.
A recente vitória brasileira em relação a contestação dos subsídios norte-americanos aos produtores de algodão, e a possibilidade de um parecer favorável no pleito envolvendo as exportações subsidiadas de açúcar da UE – ambas no âmbito da OMC, acabaram por precipitar a decisão européia de rever o seu sistema de açúcar, considerado insustentável pelas próprias autoridades européias.
Atualmente, a UE produz 17,4 milhões de toneladas de açúcar e exporta cerca de 5,3 milhões de toneladas, principalmente de açúcar branco, produzido a partir da beterraba e de açúcar bruto proveniente dos países da ACP – Associação de Países da África, Caribe e Pacífico, que detêm preferência de exportação para os países europeus. Com um custo de produção por tonelada de açúcar branco estimado em cerca de US$ 600, o bloco europeu pratica subsídios a produtores e exportadores que o torna o maior fornecedor de açúcar branco – isso num mercado internacional que mal passa de US$ 240 a tonelada. Esse protecionismo ocorre às custas da eficiência de outros países, como o Brasil, que tem custo de produção inferior a US$ 200 a tonelada. Aliás, o bojo da contestação do governo brasileiro na OMC reside no subsídio à exportação de açúcar, que acaba por distorcer as cotações da commodity.
A proposta européia inclui redução do preço de garantia de 632 euros por tonelada de açúcar branco para 421 euros por tonelada, em duas etapas, nos próximos três anos; corte no preço mínimo da beterraba açucareira, de 43,6 euros a toneladas para 27,4 euros a toneladas, no mesmo período; supressão da intervenção pública por meio de subsídios à produção, a ser substituída por um regime de armazenagem privada; redução da quota de produção comunitária em 2,8 milhões de toneladas (de 17,4 milhões de toneladas a 14,6 milhões de toneladas) ao longo de quatro anos; diminuição das exportações subvencionadas em 2 milhões de toneladas (de 2,4 milhões de toneladas para 400 mil toneladas); e um novo pagamento dissociado da produção aos produtores de beterraba açucareira para compensá-los, parcialmente, pelas perdas de rendimento.
Claro que esta iniciativa européia não é resultado de um surto repentino de “bom mocismo”, mas, principalmente, da participação da iniciativa privada brasileira nas negociações. A criação do Icone – Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais é um bom exemplo. O instituto é fruto da mobilização dos principais agro-exportadores brasileiros, interessados em promover uma abertura comercial pragmática, por meio de estudos que embasaram a elaboração dos painéis sobre o açúcar e o algodão na OMC, e que ajudarão nas futuras negociações envolvendo o Mercosul e a União Européia, bem como a criação da Alca.
Segundo dados da Unica – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, caso as medidas propostas pela Comissão Européia sejam adotadas, o Brasil pode ganhar cerca de US$ 300 milhões em exportações adicionais de açúcar, apenas no primeiro momento de vigência das medidas da União Européia. A proposta européia não significa a entrada do produto brasileiro no mercado comum europeu, mas retira do mercado internacional cerca de 2 milhões de toneladas de açúcar, abrindo, assim, novos mercados que serão disputados dentro dos princípios do livre comércio, ou seja, pela capacidade competitiva e comercial dos países exportadores.
Neste contexto, o Brasil usufrui de posição privilegiada. É o principal produtor mundial de açúcar e detém os custos mais baixos do mercado. Essa nova demanda trará benefícios não só para a nossa balança comercial, mas terá reflexo direto na geração de emprego e renda no campo.
A iniciativa européia simboliza um começo para aqueles, que como eu, vislumbram um mercado livre para os produtos agrícolas brasileiros. O processo para abertura de novos mercados é demorado, e muitas vezes somos obrigados a ceder para garantir avanços. O que não podemos é abrir mão de política externa pragmática, por meio do combate a qualquer tipo de subsídio, pois só assim a competitividade dos produtos brasileiros encontrará um lugar de destaque no mercado global.
Arnaldo Jardim é deputado estadual (PPS-SP) – e-mail: [email protected].