O Brasil poderá começar a produzir biodiesel com tecnologia 100% nacional em 2008. Duas usinas experimentais da Petrobras, no Rio Grande do Norte, estão em fase de testes com produção do óleo a partir de mamona, podendo ser ampliados para outras culturas oleaginosas, a exemplo do girassol, dendê e pinhão manso.
Segundo Mozart Schmitt, gerente de desenvolvimento de energias renováveis da Petrobras, o país precisa ter modelos de produção próprios. Segundo ele, iniciativas como a do Rio Grande do Norte buscam desenvolver ou adaptar tecnologias conhecidas e inéditas no processamento de oleaginosas que podem ser produzidas no Brasil. “Há de 100 a 300 tipos (de oleaginosas). Não queremos ficar reféns de um único jeito de fazer biodiesel”, diz. Até 2011, a previsão da Petrobras é produzir 855 milhões de litros de biodiesel por ano. Há 5,5 mil postos de bandeira BR que vendem o produto.
O biodiesel tem potencial para substituir total ou parcialmente o óleo processado a partir do petróleo. Em quase todo o país, empresas privadas experimentam culturas que melhor se adaptam a cada região e procedimentos de industrialização mais eficientes.
Os três primeiros projetos de produção industrial da estatal estão sendo desenvolvidos em Candeias (BA), Montes Claros (MG) e Quixadá (CE). A empresa vencedora da licitação para a implementação das plantas foi uma empresa nacional com sede em Erechim (RS) e a tecnologia usada pertence à americana Crown Iron Works, uma das gigantes no desenvolvimento de práticas para o processamento de sementes e óleos vegetais.
Segundo a estatal, o biodiesel virá de óleos vegetais e gordura animal — cada usina terá capacidade de até 57 milhões de litros ao ano. O investimento total é de cerca de R$ 227 milhões e o início do funcionamento está previsto para o fim do ano.
Troca de culturas
O lavrador Francisco Silva de Souza, 34 anos, não sabe ao certo o que quer dizer a palavra agroenergia. Para ele, produzir girassol para a fabricação de biodiesel tem a ver com “futuro”, “coisa tecnológica”. “Muita gente acha que sou doido, mas não ligo. Tenho fé de que vai dar certo”, diz. Souza, pai de quatro filhos, faz parte de um universo de 149 famílias que vivem nos assentamentos Modelo I e II, no semi-árido do Rio Grande do Norte, a cerca de 130 km de Natal, no município de João Câmara. Os produtores da região, que antes lidavam com feijão e sorgo (utilizado em ração animal), passaram a enxergar novas oportunidades de renda no campo por causa do boom dos combustíveis renováveis.
A razão é simples. A Petrobras possui uma unidade de exploração e produção nas proximidades e, atualmente, testa tecnologia nacional para a obtenção de biodiesel a menor custo e com o maior aproveitamento possível das plantas (não só o girassol). As duas unidades experimentais — uma delas teve o processo patenteado pela companhia — funcionam a pleno vapor. Até o fim deste ano, deverá ser possível saber qual delas oferece mais vantagens industriais. E, no futuro, quem sabe, Francisco de Souza e os outros assentados poderão se tornar fornecedores de confiança. “É tudo novidade. Todo mundo está trabalhando muito”, reforça.
Organizada em cooperativas, a comunidade agrícola existe há 13 anos. As limitações de chuva não impediram que o girassol crescesse. A terra é de boa qualidade e com a assessoria técnica adequada a maior parte dos produtores decidiu plantar. A colheita inaugural, programada para acontecer em agosto, está estimada em quase duas toneladas de sementes. Projetos consorciados dão ao assentamento a certeza de que por ali não haverá monocultura.
Junto com o girassol, os agricultores planejam cultivar mel. Pequenos tanques também estão sendo construídos e, quando ficarem prontos, servirão de criatórios para tilápias. De acordo com Livânia Frizon, uma ex-sem terra que atua na coordenação dos projetos dos assentamentos, a coexistência de várias atividades agrícolas em um mesmo ambiente atrai parcerias, abre oportunidades de negócios e ajuda a conscientizar o pequeno agricultor. “Se não fosse o girassol e as outras culturas que vamos implantar, a turma não teria o que fazer. Iriam pedir esmola na cidade ou coisa do tipo”, completa. Graças ao cultivo de girassol, cada agricultor tem uma renda, média, de R$ 400 por hectare.
Mistura
Hoje, a mistura de 2% ao diesel comum é facultativa, mas será obrigatória a partir de janeiro de 2008. O governo federal pretende antecipar de 2013 para 2010 a obrigatoriedade da adição de 5%, o que atende a uma reivindicação antiga dos produtores. Isso, no entanto, ainda depende de uma série de acordos com as montadoras de veículos. Motivo: ainda há alguma polêmica sobre qual a vida útil dos motores se todos passassem a utilizar o novo percentual. O mercado de biodiesel nacional é de aproximadamente 1 bilhão de litros por ano. Com os 5% de diesel vendido nos postos, calcula-se que esse volume saltaria para 2,4 bilhões ou até mesmo 2,7 bilhões de litros por ano. Na Alemanha, um dos países onde a pesquisa e a aplicação econômica caminham juntas há várias décadas, o biodiesel puro (B100) — à base de canola — já é vendido comercialmente. No Brasil, as espécies mais utilizadas são mamona, dendê (palma), girassol, babaçu, amendoim, pinhão manso e soja.
Proximidade da indústria
Por se tratar de matéria-prima com baixo valor agregado, as oleaginosas que servem à produção de biodiesel tendem a ser cultivadas próximas às usinas processadoras. Esse modelo de negócios inspira-se no aplicado pelo setor sucroalcooleiro e, ao que tudo indica, deverá se consolidar em pouco tempo no Brasil.
Pelo menos esse é o “mundo ideal” pretendido pela maioria das unidades produtoras e industrializadoras: gastar menos e transportar mais significa lucro e ganho de escala para ambos. Arranjos produtivos como os assentamentos do Rio Grande do Norte provam que essa preocupação está presente não só na maneira como os agricultores trabalham, mas também no modo como as empresas traçam suas estratégias.
Não existe ainda um raio econômico mínimo para o desenvolvimento das culturas voltadas ao biodiesel. As empresas se organizam com base em experiências próprias e levam em conta as condições das estradas em cada região para se fixar ou não. Essa é uma decisão fundamental, uma vez que a produção está fortemente baseada na agricultura familiar, onde mais do que no agronegócio em geral a logística determina o sucesso ou o fracasso da empreitada. (Ministério da Ciência e Tecnologia)