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Biocombustível sustentável já tem a sua "cartilha"

Após meses de discussões, será divulgada hoje em Lausanne, na Suíça, a primeira minuta com critérios e padrões internacionais que deverão ser seguidos para a produção sustentável de biocombustível – aquele que não derruba florestas, nem contribui com as mudanças do clima e a escassez de alimentos no mundo.

O consenso, visto até pouco tempo como improvável, dado os interesses comerciais e econômicos antagônicos, foi alcançado por mais de 300 empresas, instituições acadêmicas, grupos ambientalistas e agências governamentais que compõem a chamada Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis (MRBS).

O conselho diretor graúdo dá a dimensão da discussão – entre eles estão Shell, Petrobras, British Petroleum, Bunge e Toyota, além das ONGs WWF e Amigos da Terra-Amazônia Brasileira.

A Mesa Redonda definiu 12 critérios que abrangem desde o uso da água e do solo, segurança alimentar e desenvolvimento social, até emissões de gases-estufa.

Esses critérios ficarão em consulta pública por 90 dias, período no qual interessados no assunto poderão fazer comentários.

A expectativa é que até o início do próximo ano a versão final do documento seja aprovada.

“Esta é a primeira pedra fundamental de um processo para garantir a sustentabilidade nos biocombustíveis”, afirma Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, e porta-voz do grupo no país.

Ele explica que os critérios não serão compulsórios.

“A idéia é que eles ajudem a abrir mercados para produtores.

É voluntário.

Mas quem quiser ter biocombustível certificado, terá que passar por isso”.

Como nos demais processos desse tipo (soja e óleo de palma também têm suas mesas redondas), as discussões iniciais que culminaram com o documento foram conflituosas.

O ponto mais esperado pelos compradores resultou no terceiro critério, o das emissões dos gases de efeito estufa que superaquecem o planeta.

“De todos os princípios, esse é o que mais se destaca”, diz Smeraldi.

“Isso”, continua, “tem a ver com produtividade.

Qual as culturas que necessitam mais fertilizantes derivados do petróleo? De que adianta ter um biocombustível que emite tanto ou mais carbono para ser produzido?”.

O critério, portanto, é claro: os biocombustíveis devem contribuir para a diminuição desses gases.

Outro ponto polêmico é o uso da terra, no histórico caminho do grão, que empurra o boi, que derruba a mata e acende alertas na Europa.

Na última reunião do G-8, em julho, o assunto dominou os encontros.

Na ocasião, a Comissão Européia cobrou do Brasil garantia de sustentabilidade do etanol e avisou que o país só avançaria em sua estratégia de transformar o etanol em commodity global se assumisse “comprometimentos concretos” no combate à mudança climática.

Formada há 18 meses, a Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis tinha como objetivo único responder a essas inquietações, criando padrões internacionais que norteassem os produtores.

“Mas notamos que havia desequilíbrios”, diz a francesa Geraldine Kutas, assessora internacional da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).

“Não havia nenhum representante de produtores de países em desenvolvimento.

Queríamos fazer sugestões a esses critérios.

Temos necessidades diferentes”.

Segundo ela, uma das ações da Unica, que aderiu ao grupo apenas em maio, foi lembrar que sustentabilidade significa também a viabilidade econômica.

Diz o 11º critério: os projetos de biocombustível deverão implementar um plano de negócios que reflita o comprometimento com eficiência econômica.

O texto que será apresentado hoje é aceitável para os diversos “stakeholders”, diz ela.

Após sua aprovação, a Mesa Redonda decidirá se ampliará a atuação como certificadora de selos de sustentabilidade para biocombustíveis, a exemplo do que existe no setor madeireiro.

Outra idéia é a criação de escritórios regionais para o desenvolvimento de índices específicos para as realidades dos países.

Os produtores terão um tempo – ainda não definido – para se adequar aos critérios.