A Rússia, maior produtora mundial de petróleo, não pode exportar porque o mercado interno absorve a produção. As crises políticas no Oriente Médio podem afetar produção e transporte do petróleo. As frotas de veículos no Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não param de crescer. Nesse cenário, brasileiros podem esquecer o combustível barato. Devem se preparar para novas altas. Certo? O economista Fernando Safatle garante que não. Com as credenciais de quem trabalhou como técnico no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) por 25 anos, foi secretário de Planejamento e Coordenação de Goiás e produz etanol em uma microdestilaria em Catalão, sul de Goiás, Safatle diz que o Brasil pode do brar a produção de álcool, garantir o completo abastecimento interno apenas com a produção de pequenas e médias destilarias e liberar as grandes usinas para exportar em larga escala. No livro A economia política do etanol (Editora Alameda, 295 páginas, R$ 42,00), que lança em Salvador em 19 de maio, e em Goiânia no mesmo mês, Safatle, também articulista do Diário da Manhã, explica como essa mágica é possível. Na entrevista abaixo, o economista destrincha os acertos e erros da história do etanol brasileiro.
“A essência do problema está lá em 1978, quando o general Ernesto Geisel baixou decreto para normatizar o comércio do álcool. Pela norma, em vigor até hoje, as usinas só podem vender para as distribuidoras. Não podem entregar diretamente ao posto de combustíveis. Aí, começam as distorções. Álcool faz passeio desnecessário, e o pequeno e o médio produtores ficam completamente alijados do sistema. É uma irracionalidade econômica. O frete e o lucro do distribuidor elevam o preço a o consumidor.”
Segundo Safatle, bastaria quebrar a norma para ocorrer uma revolução no mercado de combustíveis. “Em um alqueire de terras plantado de cana, sem desmatar um milímetro de mata, o pequeno produtor pode montar uma microdestilaria em sua fazenda de cinco, dez alqueires, e gerar renda complementar, oferecer de dois a três empregos. Temos capacidade para instalar até um milhão de pequenas destilarias. Isso transformaria o Brasil em uma potência energética mundial. Basta permitir que a usina venda o álcool ao posto.”
Estados
Outro ponto que o economista considera crucial no que chama ‘economia do etanol’ é a produção em todos os Estados, para que o combustível seja atrativo em todos os municípios. “Para se ter uma ideia do tamanho do problema, basta observar esses números: o Brasil produz 27 bilhões de litros de álcool por ano. Tudo é feito por apenas 400 usinas. O Estado de São Paulo é o maior produtor. Em muitos Estados, o álcool nunca foi bom negócio par a o consumidor. A venda direta desata esse nó.”
E o nó não é pequeno. A escassez atual, que faz o álcool chegar a R$ 2,39 em postos de Goiânia, obriga o governo, que propagandeia o etanol brasileiro no mundo, a importar 200 milhões de litros aos EUA. “Correções e ajustes precisam ser feitos, sobretudo, na quebra das pernas dos oligopólios que se forjaram ao longo de sua cadeia produtiva. A democratização da estrutura de mercado possibilitando a multiplicação de milhares de microdestilarias é talvez a principal delas. Mas isso somente seria possível com a permissão da compra direta do etanol do produtor rural pelos postos. Para isso, o governo precisaria mudar a lei que normatiza a compra do etanol somente pelas distribuidoras de petróleo”, discorre Safatle.
Criação de uma empresa para corrigir as distorções
Fernando Safatle defende a criação de uma empresa de economia mista para corrigir distorções que se acumularam durante a história do etanol brasileiro. “Falta desenhar um projeto estratégico. Para tanto, é necessário avançarmos na constituição de uma empresa para cuidar exclusivamente do etanol. O que existe é um emaranhado de órgãos que fatiaram a responsabilidade de definição sobre as questões do etanol, mas que a rigor acabam deixando o setor sem um projeto estratégico: o Ministério de Minas e Energia cuida prioritariamente das energias convencionais; o Ministério da Agricultura entregou a responsabilidade do desenvolvimento de pesquisas para a iniciativa privada; e a Petrobras cuida da mineração e vê as energias alternativas secundariamente e como competidoras.”
Safatle vê como passo positivo a medida do governo Dilma, que retirou parte das atribuições de fiscalização da Petrobras e a repassou à Agência Nacional de Petróleo, mas diz que isso terá pouco impacto. Para ele, se o Brasil pretende ser protagonista relevante na produção mundial de energia alternativa e renovável, terá que criar a Etanolbras.
Economista insiste q ue a futura empresa terá que implementar políticas de fomento de produção dos pequenos e médios proprietários rurais e dos assentamentos da reforma agrária, que se organizariam em cooperativas. “Só assim o Brasil poderá ocupar posição relevante no cenário internacional, estabelecendo políticas mais amplas e democráticas em relação à produção, unificando posições e definindo estratégias, de modo a avançar na consolidação de líder mundial na produção do etanol.”