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Auto-suficiência não muda preço, diz Petrobras

O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, 55, afirma que a auto-suficiência em petróleo, a ser atingida na sexta-feira, reduz a vulnerabilidade brasileira no mercado de petróleo, regulado pela força do dinheiro e até pela força militar. “Ser auto-suficiente é tornar o país menos vulnerável a esse cenário de dificuldades de fornecimento de um insumo básico do crescimento”, declarou em entrevista à Folha.

Gabrielli diz que, de imediato, nada muda na política de preços da companhia. Ele descartou o reajuste dos combustíveis no curto prazo. “A Petrobras não vai fazer ajuste pontual no mercado brasileiro.” E justamente ontem o petróleo fechou cotado a US$ 70,40 em Nova York, encerrando pela primeira vez um pregão acima de US$ 70 o barril desde que os contratos futuros foram lançados pela Bolsa de futuros de Nova York, a Nymex, em 1983.

Gabrielli afirmou ainda que retomou negociações com o governo boliviano -depois de um período de interrupção na tratativas e de declarações que de autoridades bolivianas que desagradaram à estatal.

Folha – Em que a auto-suficiência beneficiará a Petrobras e o país?

José Sérgio Gabrielli – A auto-suficiência é um fenômeno muito raro no mundo hoje e chega num momento muito adequado porque as perspectivas para os próximos anos apontam para uma situação no mercado de petróleo bastante difícil, com praticamente um equilíbrio entre oferta e demanda mundial. Chega num momento em que a questão da segurança energética e da perspectiva da garantia de suprimento e de fornecimento de matéria-prima para o transporte e para a [geração de] energia passam a ser dominantes na economia mundial. Os Estados Unidos são um país fortemente dependente da importação de petróleo. A expectativa é que dois terços do petróleo americano sejam importados em 2010. Para enfrentar a garantia do suprimento e a segurança energética, os países usam suas reservas de dólar, de moeda externa. É o caso da China, que tem enormes reservas decorrentes do comércio exterior e da entrada de capitais. Usam o tamanho de suas economias como forma de viabilizar a atração e a manutenção de contratos de longo prazo de fornecimento de petróleo. Usam a força militar e política. Nesse contexto é que o Brasil é auto-suficiente.

Folha – Quando o sr. fala em uso da força, refere-se aos EUA?

Gabrielli – Sim, aos Estados Unidos, claro. Continuando, ser auto-suficiente é tornar o país menos vulnerável a esse cenário de dificuldades de fornecimento de um insumo básico do crescimento [econômico]. O petróleo é um insumo básico não só para automóveis. Não é só para transporte.

Folha – E a questão do preço?

Gabrielli – O fato de o país ser auto-suficiente em petróleo não quer dizer que o preço do país é independente do do mundo. Veja café, laranja, trigo, soja, aço. O que coloca o preço independente é a economia ser fechada, não permitir importação e exportação. Não é o caso do Brasil.

Folha – Não se pode adotar no Brasil o modelo venezuelano, por exemplo, pelo qual o preço é mais baixo e não é referenciado ao mercado externo?

Gabrielli – O modelo venezuelano não é comparável porque a Venezuela destina só 15% da sua produção ao mercado doméstico e 85%, à exportação. No Brasil, é exatamente o oposto: 85% para o Brasil e 15% em vendas externas. Se ficarmos com o preço muito tempo abaixo e muito abaixo do mercado internacional, o que vai acontecer? Agentes vão comprar da Petrobras e vender no mercado externo, exportar [o petróleo e derivados produzidos pela Petrobras. Se nós não fizermos isso e mantivermos os preços altos por muito tempo, acima dos do mercado internacional, o que vai acontecer? Agentes vão importar [petróleo e derivados, mais baratos lá fora] e substituir [os produtos da Petrobras] no mercado. Portanto, no médio prazo, o mercado tende a convergir para preços internacionais.

Folha – Qual é a vantagem prática da auto-suficiência para o consumidor final?

Gabrielli – A auto-suficiência permite administrar a transmissão dos preços internacionais nos domésticos, diminuindo a volatilidade, a flutuação e a intensidade e a velocidade das flutuações [dos preços]. A economia brasileira pode ser mais estável em termos de preço. Porém não pode descolar do preço internacional.

Folha – A julgar pela oscilação atual dos preços, há necessidade de aumento neste ano eleitoral?

Gabrielli – Não é possível dizer isso. Não é possível responder a essa pergunta, mas não constitui novo patamar, não.

Folha – Mas estava a US$ 60 no ano passado, quando a Petrobras corrigiu os preços pela última vez.

Gabrielli – Nossos preços estão aqui, em US$ 68,90 [o barril, em média].

Folha – O benefício da auto-suficiência irá se irradiar para o resto da cadeia produtiva trazendo investimentos ao país?

Gabrielli – Claro, porque a garantia de suprimento é uma decisão fundamental para a decisão de investimentos. Do ponto de vista do conjunto da economia, nós temos também um grande efeito. Vamos sair de uma situação de déficit para uma situação de superávit.

Folha – Já neste ano? De quanto será o superávit?

Gabrielli – Neste ano, sim. Talvez em US$ 3 bilhões.

Folha – Quando o PT era oposição, uma das críticas era a internacionalização da Petrobras. Agora, o sr. anuncia aquisição de refinaria nos EUA e compra de ativos da Shell na América do Sul. A visão mudou depois da chegada ao poder?

Gabrielli – Não mudou. Depois de alcançar a auto-suficiência, o crescimento da companhia depende da expansão internacional. E, de fato, a Petrobras está se internacionalizando cada vez mais. A lógica é que já atingimos a capacidade de produção brasileira. Do ponte de vista interno, estamos quase no limite da capacidade de utilizar o petróleo brasileiro. Então, intensificar o refino internacional de petróleo pesado é adicionar valor à produção de petróleo passado, depois de atendido o mercado brasileiro.

Folha – Como estão as negociações com a Bolívia? O sr. teme estatização dos ativos da Petrobras?

Gabrielli – As negociações foram retomadas, mas não vamos falar pela imprensa.