Mercado

´ATÉ ONDE A VISTA ALCANCE´

Enquanto não se organizar uma base contratual com suas especificações, não será possível montar um mercado de futuros confiável e com liquidez, a condição primeira para transformar o etanol em uma commodity internacional. Esta é uma das opiniões do Secretário Executivo da IETHA – International Ethanol Trade Association, Paulo Francisco de Siqueira Costa, na entrevista que concedeu ao JornalCana:

JornalCana – De acordo com estudos da Secex e da própria IETHA, prevê-se que ao final de 2010 o Brasil terá exportado 8 bilhões de litros de álcool. O Brasil possui estrutura logística e de transporte para este escoamento?

Paulo Francisco de Siqueira Costa – Neste momento a resposta é, claramente, não. Mas a consciência de que não estamos prontos para esta demanda faz com que investimentos já estejam sendo projetados, alguns, em andamento, tanto para a construção e adaptação de maior capacidade de tancagem, como principalmente para a viabilização de dutos (“pipelines”) em direção aos portos, inclusive a portos alternativos a Santos e Paranaguá. O EUA também não têm estrutura de logística e transporte para mover internamente sua produção de etanol, o que faz com que as regiões das Costas (New York Harbor, Califórnia e Golfo do México) dependam do etanol importado do Brasil ou via CBI.

O mercado mundial de etanol é crescente, sobretudo por razões ambientais. O Brasil e os Estados Unidos estão formando como que uma Opep do etanol, a Opet – Organização dos Países Exportadores de Etanol, porque pretendem dominar este mercado. Os fatos de o Brasil acumular mais de 40 anos de experiência com esta tecnologia e oferecer matéria-prima melhor do que a dos EUA que pode ser cultivada em largas faixas de terra ainda disponíveis são suficientes para garantir a liderança do Brasil sobre os EUA ou o setor precisa priorizar outros aspectos?

Este tema de OPET ou qualquer forma de cartel não se aplica, no meu entendimento, ao caso do etanol. OS EUA pouco provavelmente vão ser exportadores de etanol em grande volume. A tendência é de que tudo, ou quase tudo, que se produza na América do Norte seja consumida internamente. Hoje os EUA têm um limite para o que podem produzir de etanol de milho a preços viáveis. Este limite é a produção e o direcionamento da safra de milho no País. Por questões climáticas há um limite para o tamanho das safras de cereais nos EUA; e a demanda de milho e seus derivados para uso como alimento continuará forte e de difícil substituição. O Brasil, por outro lado, tende a ser até onde a vista alcance, o grande exportador de etanol para os mercados consumidores mundiais. Isto porque somos hoje auto-suficientes na extração do petróleo, temos uma política consolidada de mistura do álcool na gasolina e nosso aumento de produção de etanol deve ser sempre maior do que o aumento de consumo interno causado pela consolidação dos veículos flexfuel como líderes de mercado. Não nos esqueçamos de nossa capacidade crescente de produzir o biodiesel e também a utilização do gás (GNV) como alternativas energéticas.

O mercado hoje incluiu um item importante, o de que as nações precisam ser ambientalmente corretas caso queiram espaço no mundo. O Brasil possui uma imagem ambiental negativa no exterior, e os concorrentes deturpam notícias e começam a espalhar que o País quer plantar cana na Amazônia, conforme tem-se visto recentemente nos fóruns ambientais. A seu ver, como o Brasil deve reagir a estas acusações?

Esta é uma questão que compete exclusivamente ao Governo. Nosso Ministério de Relações Exteriores assim como outros Ministérios e nosso Presidente da República estão sempre presentes nos Fóruns internacionais e em reuniões setoriais aonde o tema vem à tona. A eles compete rebater estas acusações e ao mesmo tempo implantar regras e estabelecer a vigilância para que nossas reservas florestais sejam protegidas de destruição, ainda que por substituição agrícola.

Quais exigências ambientais o setor têm cumprido e quais faltam cumprir, a seu ver?

A visibilidade que o setor adquiriu em nosso País, o rigor com que as autoridades dos Governos Federal e Estaduais vêm cuidando do meio-ambiente e o profissionalismo crescente das administrações de nossas empresas, com forte sentido de responsabilidade social, são fatos que fazem com que as exigências estejam sendo cumpridas com a velocidade possível. Talvez o tema mais crucial seja o da queimada dos canaviais – a mecanização da colheita só não evolui mais rapidamente apenas e tão somente porque não há equipamento disponível em quantidade suficiente. Penso que estejamos evoluindo muito bem neste aspecto.

O senhor entende que a demanda atual pelo etanol combustível é incalculável e que esta é uma atividade jovem, sem tradição organizacional em termos comerciais. Qual o nível desta desorganização?

A desorganização é total. Não existem dois contratos de exportação de etanol que sejam iguais. Os contratos de afretamento marítimo são elaborados utilizando um contrato padrão para combustíveis e químicos em que são necessários adendos intermináveis para adequar este contrato ao transporte marítimo de etanol. O tema de especificações de qualidade é outra questão complexa, tanto para o álcool combustível, hidratado ou anidro, como para os álcoois hidratados de padrão industrial (para uso em bebidas, perfumaria, indústria química, tintas e outros). O problema maior é que, enquanto não se organize esta base contratual com suas especificações, não se consegue montar um mercado de futuros confiável e com liquidez, conditio sine qua non para transformar o etanol em uma commodity internacional.

A IETHA trabalha por parâmetros únicos para o comércio internacional do álcool. Que parâmetros são esses?

A IETHA surgiu justamente como uma tentativa organizada de se criar parâmetros para o comércio internacional, inicialmente na forma do estabelecimento de um contrato padrão para negócios de exportação de etanol, que sejam válidos em qualquer parte do mundo. Quando nos reunimos nos Grupo de Trabalho de Contrato e Arbitragem temos em mente que aquela minuta de contrato que estamos escrevendo tem que ser válida para etanol brasileiro que se destine aos EUA bem como para etanol chinês que vá para a América Central e para etanol das Ilhas Maurício com destino à Europa. Da mesma forma trabalhamos para desenvolver um contrato padrão de afretamento marítimo que se aplique a qualquer origem e qualquer destino. No item especificações, temos o cuidado de procurar simplificar os padrões de etanol hoje comercializados, reduzindo-os a um número pequeno mas que atenda às diferentes necessidades dos consumidores finais.

Quais os principais entraves para se alcançar estes parâmetros?

Não vejo entraves, apenas desafios. Quando se tem um objetivo claro e se quer atingi-lo, quando há um comprometimento das partes junto ao processo, basta apenas trabalhar, dialogar, corrigir rotas e chega-se ao destino. No caso da IETHA nossa visão e nossa missão tem um caráter apenas construtivo. Não há conflitos a dirimir quanto ao nosso objetivo. Vamos ter diferentes opiniões em como atingi-lo, mas com espírito criador, vamos chegar a nosso porto. Nas várias vezes em que estive envolvido em novos negócios cansei de usar como referencia uma frase que é atribuída a Miguel de Cervantes: ”O sonho de um homem é apenas um sonho; o sonho de muitos é o começo da realidade”.

O senhor diria que a IETHA surgiu por causa desta necessidade de estabelecimento de estruturas? Qual o papel da IETHA para o agronegócio sucroalcooleiro brasileiro e no mundo? E quais os benfícios que ela pode proporcionar ao setor brasileiro e ao mercado mundial de etanol?

Quando me perguntam o que é a IETHA eu costumo responder, a contragosto – porque sou contra a palavra NÃO – que é mais fácil dizer o que a IETHA não é. A nossa associação não é uma associação de classe, isto é, não defendemos interesses de nenhum setor específico do comércio internacional de etanol, não é uma entidade brasileira, é uma entidade internacional, não é uma associação comercial, pois não visa estimular o uso do etanol. Ela existe para tentar disciplinar este mercado, estabelecendo parâmetros que consolidem o etanol como um produto facilmente negociável. Os benefícios naturais, que o sucesso de nossa empreitada vão trazer aos setores envolvidos com o comércio internacional de etanol, são a existência de padrões negociais e de qualidade que facilitarão o fluxo e a segurança dos negócios. Em um momento posterior, com a criação de um mercado de futuros e opções confiável, o benefício da consolidação do mercado com um produto que possa ser “hedgeado”, criando-se um instrumento de proteção aos negócios e ao preço do etanol.

Com três meses de vida ativa a IETHA está com 39 associados. Quais as principais conquistas da sociedade até o momento?

Fico feliz em dizer que em meados de fevereiro já contamos com 44 associados. Mais significativo do que o número em si, o fato de termos agregado ao nosso grupo representantes de dois setores que vem acrescentar muito ao nosso trabalho: um terminal portuário dedicado a etanol e um “broker” de frete marítimo com matriz no Rio e escritórios em sete Países. Dentro de poucos dias nosso site em construção, www.ietha.org vai mostrar quem está participando deste grande esforço em prol da construção de um mercado estruturado de etanol. A principal conquista que temos é a evolução firme dos estudos de nossos grupos de trabalho. Também já começamos a ser reconhecidos internacionalmente. Por exemplo, nosso coordenador do Grupo de Especificações, Dr. José Felix da Silva Jr., estará participando de um congresso técnico em Bruxelas, a convite da Comunidade Européia, para debater este tema.

O senhor acaba de assumir a secretaria executiva da IETHA. Quais suas propostas de gestão?

Minha função maior é de coordenar a evolução dos trabalhos do três grupos técnicos em andamento, de forma que haja concordância entre as conclusões a que se vai chegando em cada um dos grupos. Quando da elaboração de um relatório final não podemos ter divergências entre cláusulas ou conceitos que estejam definidos por cada grupo individualmente. Outra atribuição importante que me toca é a de manter um fluxo de comunicação permanente com todos os associados. Nem sempre representantes de todos os nossos membros podem participar de todos os trabalhos que estão sendo realizados. Cumpre-me mantê-los informados de cada passo dado. Também mister importante é trazer novos associados a nosso convívio. Como disse anteriormente, o comprometimento dos participantes do mercado às nossas conclusões vai ser crucial para o sucesso deste grande trabalho. Quanto mais “players” estejam envolvidos, maiores nossas oportunidades de rapidamente atingirmos nossos objetivos.