Mercado

As alternativas ao petróleo

A atual elevação dos preços do petróleo terá um impacto menor na economia brasileira quando comparada aos dois últimos choques, em 1973 e 1979. Isso porque a produção nacional atinge níveis próximos de atender à demanda interna e, ao mesmo tempo, o peso do petróleo na matriz energética tende a diminuir — tanto no Brasil como lá fora. Os dados do Balanço Energético Nacional de 2005 mostram que a participação do petróleo e seus derivados na oferta interna bruta de energia se reduziu do pico de 51% em 1978 para 39% em 2004. Já a dependência brasileira em relação ao petróleo importado caiu de 85% em 1979 para apenas 8% em 2004. Esse novo quadro resultou tanto da queda da demanda quanto da expansão da oferta doméstica de petróleo. Ou seja, a auto-suficiência em petróleo, prevista pela Petrobras para 2006, será conseqüência também da estagnação do consumo nos últimos seis anos, e não somente devido ao crescimento da produção.

De acordo com os cenários elaborados pelo Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), a tendência de queda do peso do petróleo e seus derivados na matriz energética nacional deverá se intensificar nos próximos anos. Entre os fatores que impulsionam a diversificação das fontes de energia, merece destaque o crescimento do uso do gás natural e dos derivados de cana-de-açúcar, particularmente álcool e bagaço. Entre 1997 e 2004, a participação do gás natural no consumo final de energia no segmento industrial subiu de 5% para 9%, substituindo principalmente o óleo combustível e o GLP (gás liquefeito de petróleo). Na geração brasileira de eletricidade, o gás foi responsável por 5% em 2004. A crescente demanda de energia elétrica e o baixo dinamismo dos investimentos em geração hidráulica são fatores que apontam para o aumento da importância do parque de usinas térmicas a gás natural.

Um ponto-chave para o crescimento sustentado do mercado brasileiro de gás natural é a diversificação de suas fontes supridoras. Atualmente, as importações de gás da Argentina (4%) e da Bolívia (96%) são responsáveis por cerca de 50% da oferta no país. A instabilidade política na Bolívia e a crise energética na Argentina são fatores de risco que tornam prioritários o aumento da produção interna e a busca de alternativas como o GNL (gás natural liquefeito). Para isso, é fundamental atrair mais investimentos na exploração e na produção, o que exigirá um marco regulatório específico para o gás natural, capaz de dar segurança às empresas interessadas em aplicar recursos no país.

Quanto aos derivados de cana, sua participação na matriz energética brasileira aumentou de 7% em 1978 para 13% em 2004. Esse crescimento resultou da maior penetração do álcool no segmento de transportes e do uso de bagaço em processos industriais e na geração de energia. As vendas de álcool experimentaram forte crescimento no início dos anos 80. Isso foi decorrência do lançamento de veículos movidos exclusivamente a esse combustível após o segundo choque do petróleo. Com a queda nos preços do petróleo no mercado internacional, a retirada dos subsídios e problemas no abastecimento, as vendas de álcool hidratado tiveram forte retração a partir do final da década de 80. No entanto, graças ao desenvolvimento de veículos flexíveis, que usam gasolina e álcool em qualquer proporção, o consumo de álcool recebeu novo impulso nos últimos anos. Lançados em 2003, os modelos bicombustíveis já representam mais de 60% das vendas de automóveis de passageiros, de uso misto e comerciais leves. A estimativa é que, no final de 2007, todos os veículos fabricados no Brasil possuirão essa tecnologia.

A alta produtividade das unidades produtoras brasileiras, os elevados preços do petróleo e o aumento das restrições à emissão de poluentes, principalmente após a aprovação do Protocolo de Kioto, em 1997, criaram oportunidades de exportação do álcool brasileiro. A expectativa de crescimento na demanda mundial do produto fez com que a Chicago Board of Trade (CBOT) e a Chicago Mercantile Exchange (CME) lançassem, em março de 2005, contratos futuros para a comercialização de álcool. Esses contratos se somaram aos que já eram comercializados na New York Board of Trade (Nybot) desde maio de 2004. Tudo isso leva o CBIE a prever que a participação dos derivados de cana na matriz energética nacional deva crescer dos atuais 13% para 15% em 2010. Enquanto isso, a participação do gás natural deve sair de cerca de 9% para 15%. Na nova matriz energética, a participação do petróleo e de seus derivados será de 35%, em vez dos atuais 39%. Em decorrência de menores investimentos em grandes projetos de geração hidráulica e do declínio das importações de eletricidade da Argentina, estima-se que a participação da hidroeletricidade caia dos atuais 14% para 11% no Brasil a partir de 2010.

O movimento de queda relativa do petróleo na matriz energética não é exclusividade da economia brasileira. Dois fatores comandam esse processo em escala mundial. Primeiro, a preocupação em reduzir os danos ambientais relacionados à produção, ao transporte e ao consumo de petróleo e seus derivados. Segundo, a busca de fontes alternativas de energia que diminuam a dependência em relação ao petróleo importado e aumentem a confiabilidade e a segurança na oferta de energia. A crescente resistência da sociedade ao uso de combustíveis e tecnologias poluentes, o receio em relação ao efeito estufa e a permanente instabilidade social e política das principais regiões produtoras de petróleo, aliados à ameaça de ataques terroristas à sua infra-estrutura, são aspectos que reforçam o processo de diversificação da matriz energética e a redução da importância do petróleo.

Nos países desenvolvidos, em função da forte resistência da opinião pública, há uma tendência de estagnação do uso da energia nuclear, enquanto aumenta a participação de fontes renováveis, como solar, eólica e geotérmica. Nos países em desenvolvimento, especialmente na China e na Índia, a demanda por derivados de petróleo deverá se manter em ritmo de crescimento acelerado por causa da forte elevação do nível de renda e do processo de industrialização, que incentiva a substituição do carvão e da lenha. Mesmo nesse grupo de países, existe um grande potencial para o crescimento do mercado de gás natural e de fontes renováveis modernas, como o álcool e o bagaço de cana, obtidas de culturas agrícolas nativas. Nesse cenário, as primeiras décadas do século 21 deverão ser marcadas pela queda na participação do petróleo na matriz energética dos países desenvolvidos. Numa segunda etapa, possivelmente depois de 2030, esse processo deverá se estender ao conjunto dos países em desenvolvimento. Diferentemente do que ocorreu no século passado, quando o petróleo assumiu o papel do carvão vegetal e da lenha como fonte de energia moderna, neste século deveremos assistir à substituição do petróleo por diferentes fontes, menos poluentes, adaptadas às necessidades regionais e ao objetivo de aumentar a confiabilidade da oferta. Sem dúvida, a sociedade do século 21 será menos dependente de petróleo que a do século 20.