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Artigo: Copenhague, o bagaço e o etanol

Virada de ano e nos deparamos ainda com as discussões sobre o clima no mundo. O fracasso da enorme reunião em Copenhague com países bastante emissores de Dióxido de Carbono (CO2) negociando com países que inclusive correm o risco de desaparecer devido ao aumento do nível dos oceanos, e com países chamados de “emergentes”, dentre os quais se inclui o Brasil.

Dentre as negociações entre quem deve pagar a conta, e diminuir as emissões de CO2, e os que não tem como pagar nada, e muito menos reduzir as emissões, o Brasil aparece ora como estrela, ora como vilão. Como vilão porque está entre os maiores emissores de CO2 do mundo, principalmente com atividades de queimadas e desmatamento que precisam ser controladas.

Entretanto, a estrela que brilha é a da grande capacidade de renovar sua energia. Além de ter energia elétrica em sua maior parte renovável, devido às hidroelétricas, o Brasil está substituindo gradativamente o combustível fóssil por etanol.

Consome-se hoje mais etanol do que gasolina no país. Esse é um feito invejável em todo o mundo e vem sendo atacado com certa regularidade, tendenciosamente, ou por ignorância sobre nossas condições de produção de cana-de-açúcar, por grupos, inclusive tidos como defensores do ambiente. O ataque principal é dirigido ao desmatamento e diminuição das áreas de plantio de alimentos.

Nessa hora o bom mesmo é observar alguns dados relativamente simples. Dos 851 milhões de hectares em uso no Brasil, tem-se que a Amazônia detém 42,3%, os pastos contribuem com 24,7%, as colheitas anuais com 5,8%, as colheitas perenes com 1%, e a cana-de-açúcar com apenas 0,8%. Vamos olhar com mais atenção estes números. As pastagens possuem uma média nacional pouco inferior a uma cabeça por hectare, resultando em aproximadamente uma cabeça de gado por hectare de pastagem, ou seja, cerca de 170 milhões de cabeças de gado no Brasil.

Se aumentarmos essa densidade para 2 cabeças por hectare, algo tecnologicamente e perfeitamente factível segundo a Embrapa, teremos à disposição cerca de 80 a 85 milhões de hectares para cultivar o que for necessário. É importante frisar que não estamos falando em plantar apenas cana, ou desmatar um hectare sequer de floresta.

Simplesmente dobrando a densidade de cabeças de gado nas pastagens existentes pode se chegar a uma área próxima de 10 vezes a área plantada de cana no país. Tudo isso sem competir com alimentos, ou desmatar. Quanto ao CO2, tem que se pensar não apenas no que se emite, mas também no que se seqüestra do ambiente.

Enquanto os solos de florestas retêm cerca de 70 milhões de gramas de carbono na forma de estoque, pastagens, culturas variadas, e o Cerrado retêm algo entre 35 e 56 milhões de gramas, ou seja, a diferença de estoque de carbono no solo não é tão diferente em diversas formas de uso.

Entretanto, o estoque de carbono é bastante variado quando se leva em consideração o que se planta, ou seja, acima do solo. Enquanto a floresta tropical retém 200 milhões de gramas de carbono por hectare, a pastagem, por exemplo, retém apenas 1,3 milhão. Por sua vez, o cultivo de cana retém cerca de 17 milhões de gramas de carbono por hectare, mais de 10 vezes do que a pastagem.

Então, uma das idéias possíveis é aumentar a densidade de cabeças de gado, e recuperar parte da área de pastagem, sem promover o desmatamento, além de aumentar o seqüestro de carbono e aumentar a produção de alimentos e energia. Quanto à energia o Brasil tem enorme potencial para aumentar suas fontes renováveis. Além de novas variedades de cana-de-açúcar que prometem aumentar consideravelmente a produção bruta, tem-se que o bagaço moído e a palha ainda têm cerca de dois terços da energia da planta.

Parte disso já vem sendo usada para gerar energia elétrica, mas uma grande aposta tem sido no etanol de segunda geração, ou seja, recuperar essa energia armazenada nas estruturas do bagaço e da palha e transformá-la em etanol.

Um dos processos mais pesquisados atualmente é o de hidrólise, ou seja, quebrar as moléculas de celulose, transformando-as em açúcares, para depois fermentar e produzir mais etanol. Tradicionalmente, o processo de hidrólise mais usado industrialmente é o ácido. Entretanto, as pesquisas correm a passos largos para usar enzimas para promover a hidrólise.

Essas enzimas podem ser produzidas pelo cultivo de fungos selecionados e nesse caso uma das apostas no país é de pesquisar nossa enorme biodiversidade. A Embrapa tem investido muito nesses temas que envolvem diferentes áreas do conhecimento, testando diferentes espécies de fungos, cultivados em diversas condições de operação, com diferentes substratos (meio de cultivo dos fungos).

Na Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos, SP, foi desenvolvido um reator automatizado, específico para cultivos e testes dessas várias espécies. As espécies candida! tas serão aquelas que produzirão em quantidade, e de forma economicamente viável, as enzimas que promoverão a hidrólise para o etanol de segunda geração. Cana, bagaço, palha, etanol produzido de forma mais sustentável para o ambiente e assim, quem sabe, o Brasil poderá aumentar sua estrela na próxima reunião pós Copenhague.