Especialistas das universidades, técnicos da extensão rural e dirigentes rurais têm comungado de uma incerteza em relação ao atual e virtuoso ciclo da cana-de-açúcar: haverá lugar para os pequenos produtores rurais na onda de expansão acelerada da cultura canavieira? Com o objetivo de impedir que o pequeno produtor rural sucumba à tentação de arrendar suas terras para as usinas e destilarias e acabe sendo tragado pelo mar de cana, têm surgido alternativas que vão da diversificação da fonte de renda na pequena propriedade rural a um revolucionário, mas ainda incipiente projeto de mini-destilarias de álcool, mais afeito ao perfil desse produtor.
“O que temos visto é um processo de avanço veloz do arrendamento de terras de pequenos produtores para o cultivo da cana”, afirma Sônia Bergamasco, professora da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, ressaltando que essa percepção está baseada no seu “feeling”, uma vez que não há estudos recentes comprovando essa tese.
Para Sônia, há um dado preocupante no atual processo de expansão da cana, em relação ao ocorrido na primeira metade da década de 70. “Naquela época, houve um certo êxodo de produtores rurais, mas também houve resistência de parte dos agricultores em deixar a terra. Atualmente, mesmo com a existência de programas de crédito para a agricultura familiar, não está havendo resistência em deixar a terra”, compara Sônia.
O arrendamento, que traz no curto prazo uma vantagem econômica significativa para o pequeno produtor, pode proporcionar problemas no médio e longo prazos, adverte a professora. Se o produtor rural resolver retomar o cultivo da própria terra, terá que começar praticamente do zero e investir bastante, comenta ela.
“O que temos visto nos últimos 20 anos é que quem arrenda suas terras para a cana dificilmente volta para a propriedade”, atesta Choshim Kameyama, do escritório regional da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) em Lins (SP). Kameyama calcula que, dos 550 mil hectares de áreas agricultáveis da região, a cana-de-açúcar ocupe 45 mil hectares. A expectativa é a de que outros 10 mil hectares serão cobertos com a cultura no próximo ano.
Ele lembra que, ao arrendarem suas terras, os produtores acabam se desfazendo do maquinário utilizado na produção agrícola e abandonando outras culturas, o que dificulta sua volta à terra.
Na região, os contratos de arrendamento têm um prazo de no mínimo cinco anos. Os valores pagos pelo arrendamento de terra variam de R$ 600,00 a R$ 800,00 por hectare por ano. A renda obtida com o arrendamento supera a receita proporcionada por atividades como a pecuária de corte e outras, que atravessam períodos de baixa rentabilidade. Kameyama adverte que não há garantias de que os valores do arrendamento se manterão uniformes ao longo do tempo. “Se houver um refluxo do atual processo de valorização da cultura, o preço do arrendamento obviamente cairá”, diz ele.
Por conta dessa situação, os técnicos da CATI têm recomendado aos produtores que não arrendem a totalidade de suas terras. A CATI oferece apoio para a disseminação, nas propriedades da região, de culturas intensivas, que possam impedir que os produtores sejam totalmente seduzidos pelo valor oferecido para o arrendamento para o cultivo de cana. É o caso, por exemplo, da cafeicultura adensada e irrigada, da pecuária intensiva de leite e da produção de hortaliças em estufas. “A nossa preocupação é evitar o impacto ambiental, social e econômico da monocultura em nossa região”, disse Kameyama.
Para a professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Miriam Bacchi, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o que determinará a saída do pequeno produtor das áreas de cultura canavieira será o preço da cana pago aos fornecedores. “A menor escala de produção reflete nos custos”, lembra ela.
Miriam acrescenta, porém, que em várias áreas do Estado de São Paulo as usinas têm pago aos fornecedores de cana valores superiores ao estipulado na tabela do Consecana – Conselho dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo -, que estabelece o preço da cana com base na quantidade de Açúcar Total Recuperável (ATR), medido pelo teor de sacarose contido na planta fornecida pelo agricultor. Os preços mais altos, segundo a professora, podem assegurar a atuação dos pequenos produtores, menos tecnificados e com menor escala, como fornecedores da cana para as usinas.