O governo do presidente Néstor Kirchner está novamente direcionando sua artilharia pesada contra o Brasil. Segundo uma alta fonte do Ministério da Economia citada pelo tradicional jornal La Nación, se for necessário, a Argentina aplicará novas medidas para restringir a entrada de produtos provenientes do Brasil. A postura da adoção de salvaguardas pode tumultuar a 27ª Reunião de Cúpula do Mercosul que começa hoje em Minas Gerais.
As restrições seriam aplicadas para atender às queixas de industriais argentinos que alegam que existe uma avalanche de produtos Made in Brazil nas áreas de carne suína, tecidos (especialmente veludo), baterias de automóveis, além do plástico pet, utilizado nas garrafas de refrigerantes.
Isto aumenta mais ainda a lista de produtos brasileiros com complicações para entrar neste país. Entre os produtos que padecem há vários meses restrições dos mais diversos tipos (taxas alfandegárias extras, licenças não-automáticas ou cotas de auto-limitação) estão os tapetes, têxteis, calçados, máquinas de lavar roupa, televisores, fogões e geladeiras. De quebra, o açúcar brasileiro, por decisão do Congresso Nacional argentino, está praticamente impossibilitado de ser comercializado neste país.
Desta forma, sob a ameaça de novas restrições, a cúpula de presidentes do Mercosul que será realizada nesta semana na cidade mineira de Ouro Preto tenderá a repetir o fracasso do conclave anterior do bloco do Cone Sul, ocorrido em julho na pequena cidade argentina de Puerto Iguazú. Na ocasião, Kirchner azedou a abertura da cúpula anunciando que aplicaria medidas contra os eletrodomésticos brasileiros, promessa que cumpriu dias depois.
Na próxima sexta-feira, os presidentes dos países do bloco deverão comemorar os dez anos da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, documento que definiu a estrutura institucional do Mercosul, e participar da assinatura de acordos de redução tarifária com a Índia e o bloco sul-africano.
Mas pouco deverá avançar no ponto essencial – a frágil integração entre seus quatro sócios. Temas como a revisão da Tarifa Externa Comum (TEC), cobrada pelos quatro países do bloco aos produtos de fora do Mercosul, e do próprio Protocolo de Ouro Preto, que permite apenas as decisões por consenso, deverão ser adiados. Da mesma forma, a revisão das regras da Política Automotiva do Mercosul, em especial do comércio de carros entre Brasil e Argentina, deverá ficar para 2005.
A rigor, os ministros de Comércio e Relações Exteriores do Mercosul e, depois, seus presidentes, deverão analisar sete pontos que constam da agenda de aprofundamento da integração do Mercosul. Costurada no final do ano passado, com o nome de Objetivo 2006, essa agenda tem demandado mais tempo para a negociação.
Um deles trata da criação do Fundo Estrutural do Mercosul, um mecanismo financeiro para apoiar projetos que tendam a diminuir as assimetrias econômicas entre os quatro sócios. De concreto, nada sairá em Ouro Preto sobre o tema, apesar de seu potencial para amenizar a pressão argentina em favor das salvaguardas. Buenos Aires queixa-se justamente das assimetrias entre os parques industriais argentino e brasileiro. Da mesma forma, continuará na mesa de negociação a intrincada eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) sobre produtos de fora do Mercosul – um assunto que interfere na receita orçamentária do Paraguai.
Até a última sexta-feira, uma das principais incógnitas era a presença no evento do presidente argentino, Néstor Kirchner, acentuada pelo impasse em torno das salvaguardas e pela sua ausência na 3ª Reunião de Cúpula da América do Sul em Cuzco. Em princípio, a foto final do evento deverá contar com pelo menos nove chefes de Estado, se Kirchner comparecer – os do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Venezuela, Equador e Panamá. O presidente eleito do Uruguai, Tabaré Vasquez, que toma posse em março, também foi convidado para o encontro, mas ainda não confirmou sua presença.
Os presidentes deverão desembarcar em Ouro Preto apenas na quinta-feira, para reunirem-se na manhã do dia seguinte. Antes disso, haverá várias rodadas. O Grupo Mercado Comum (GMC), a instância negociadora do bloco se reunirá nos dias 14 e 15, em Belo Horizonte. No mesmo dia 15, ocorrerá encontro de ministros da Fazenda e presidentes dos Bancos Centrais e começará a reunião do Conselho do Mercado Comum.