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Apesar das más condições, Ribeirão Preto atrai cada vez mais migrantes

As 80 cidades da região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, murcharão a partir de novembro, perdendo uma multidão de cerca de 40 mil pessoas. Nenhuma crise econômica local ou emergência sanitária; todos estarão de volta a partir de abril. O que acontece é um fenômeno migratório que há décadas mobiliza milhares de pessoas e incrementa a economia dos municípios da região.

Mas apesar dessa intensa efervescência, os trabalhadores não contam com condições adequadas para exercer seu ofício e muitas vezes são explorados ao limite pelas indústria. E mesmo assim, a tendência é esse fluxo de pessoas aumentar nos próximos anos, graças ao reaquecimento do setor sucroalcooleiro, que ganhou fôlego nos últimos anos por conta das exportações. A demanda por mão-de-obra aumenta e isso atrai um número ainda maior de migrantes temporários. O ciclo continua.

Esse imigrantes vêm normalmente no norte e nordeste do Brasil, e também do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais – uma das mais pobres do país. Elas chegam ao interior paulista para trabalhar no corte de cana-de-açúcar e passam todo o período de nove meses de safra na região. Lá, representam cerca de 80% da força e trabalho.

Historicamente, a região de Ribeirão Preto é uma área de grande fluxo de migrantes, primeiro por conta da produção de café e, desde meados do século passado, por conta da cana-de-açúcar. No início dos anos 90, a mecanização das lavouras reduziu bastante a oferta de vagas. O volume de trabalho por pessoa, no entanto, aumentou. De cada trabalhador é cobrada uma meta de produção de 12 a 15 toneladas de cana cortadas por dia – um aumento de 66%.

Eles acabam morrendo de trabalhar. Antes dos 40 anos, muitos trabalhadores apresentam problemas graves de saúde. Vários deles ficam inválidos por conta de problemas de coluna, artrose, hérnias e mesmo problemas causados pelo manuseio de agrotóxicos – afirma a professora Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista de Araraquara, interior do estado.

Segundo a Pastoral do Migrante de Guariba, o salário médio pago aos trabalhadores é de R$ 370. Conforme as metas de produção são superadas, a remuneração aumenta, podendo chegar até a R$ 900 ao mês. De acordo com o padre Antonio Garcia Peres, só a condição de vida dos migrantes não melhora.

Eles ainda ficam em alojamentos e pensões sem muitas condições de higiene e acomodação. Muitos chegam sem agasalhos e não têm nem onde dormir, usam papelão como cama – afirma Garcia.

A região de Ribeirão Preto, conhecida como Califórnia brasileira, representa cerca de 10% de tudo o que as usinas brasileiras produzem. De acordo com dados da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica), na safra 2004/2005, cerca de 19 usinas da região moeram 37,95 milhões de toneladas de cana e produziram 2,7 milhões de toneladas de açúcar e 1,4 bilhão de litros de álcool. No Brasil todo, foram moídas 383,2 milhões de toneladas de cana e foram produzidas 26,5 milhões de toneladas de açúcar e 14,8 bilhões de litros de álcool.

Segundo a professora Maria Aparecida, as usinas contratam homens jovens, até 35 anos. A maioria é analfabeta.

A rotatividade da mão-de-obra é muito grande, até porque o trabalho é muito pesado. Eles ganham dinheiro e remetem uma boa parte para a família que ficou na cidade de origem. Para eles, é impossível trazer a família. Cada pessoa paga em média R$ 250 pela passagem do nordeste para cá e as usinas quase não aceitam mulheres -afirma.

De acordo com o padre Garcia, a inexperiência na lida com a cana e a debilidade física acabam provocando muitos acidentes de trabalho e problemas de saúde, como tendinites e deslocamentos de braço e ombro.

E eles ainda sofrem o impacto cultural. Apesar de muitas usinas oferecerem alimentação, os trabalhadores costumam reclamar que a comida é fraca e pedem alimentos com os quais estão mais acostumados. Não é raro encontrar as lixeiras dos alojamentos cheias de comida que foi recusada – afirma.

O padre conta que vários trabalhadores também não estão acostumados com a grande jornada de trabalho.

Aqui o relógio é o sol. Muitos levantam de madrugada para preparar a marmita e às 5h30 já vestem a roupa, ainda molhada, para sair para a lavoura. Não dá tempo nem de a roupa secar – afirma o padre.