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Ambiente paga conta do petróleo

Enormes minas canadenses transformam areia betuminosa em dinheiro para o Canadá e petróleo para os Estados Unidos. Mas agora têm um custo ambiental alto, sugando água dos rios e gás natural dos poços e produzindo grandes quantidades de gases ligados ao aquecimento global.

As escavações na região de Fort McMurray, na província de Alberta – área do tamanho de dois Estados americanos, Maryland e Virgínia -, se multiplicam em ritmo de corrida do ouro, estimuladas pelos altos preços do petróleo, por novas tecnologias e pela sede de combustível dos EUA. A expansão causa problemas ecológicos que especialistas esperavam ter de resolver daqui a décadas.

“O rio costumava ser azul. Agora é marrom. Ninguém pode pescar ou beber a água. O ar é ruim.Tudo aconteceu muito rápido”, relata Elsie Fabian, de 63 anos, moradora de uma comunidade indígena à beira do Athabasca, um rio largo e sinuoso outrora navegado por mercadores de peles. “É terrível. Estamos cercados pelas minas.”

Elsie pode ver, de casa, a fumaça subindo de uma vasta mina a céu aberto a 16 quilômetros de distância. Lá, 60 metros abaixo do que outrora foi uma floresta, máquinas gigantes transformam o solo numa paisagem cheia de crateras. Pás imensas mergulham no chão, arrancando enormes blocos. Caminhões do tamanho de casas rondam a mina, transportando o solo negro para esteiras e tanques onde o betume é separado da areia num processo a vapor.

Os mineradores criaram uma maravilha da indústria humana, que transforma um material esponjoso, antes considerado inútil, em petróleo para gasolina, diesel e combustível de aviação. Mas o preço dessa alquimia é alto, apontam os cálculos do próprio setor: cada barril de petróleo produzido exige de dois a cinco barris de água, quatro toneladas de terra e uma quantidade de gás natural suficiente para aquecer uma casa por cinco dias, além de contribuir para as emissões de gases do efeito estufa que cozinham o planeta lentamente.

“O custo ambiental tem sido grande”, disse Jim Boucher, chefe do Conselho Nativo de Fort MacKay, que inclui as tribos Cree e Dene, 56 quilômetros ao norte de Fort McMurray. Ele cresceu num território hoje ocupado por uma mina. Mas integrou seu povo à atividade, criando companhias de propriedade dos nativos que fornecem alimentação, condução de caminhões, agrimensura e outros serviços. “Não existe outra opção econômica”, afirmou ele. “A caça e a pesca se foram.”

Os operadores das minas, que ajudaram o Canadá a se tornar o maior fornecedor de petróleo dos EUA, acreditam ser capazes de resolver essas questões. “Há muito trabalho sendo feito”, disse Charles Ruigrok, executivo-chefe da Syncrude, uma das maiores companhias, em seu escritório em Fort McMurray. “Realmente acredito que a tecnologia vai consertar isso.”

As companhias de petróleo citam, por exemplo, reduções constantes nas quantidades de água e gás natural. Mas esses ganhos em eficiência são anulados pelo aumento do número de barris produzidos. Organizações ambientais reforçam pedidos por uma moratória no crescimento das minas.

“Não deveríamos emitir mais licenças. Estamos comprometendo nosso futuro”, disse Dan Woynillowicz, que liderou um amplo estudo para o Instituto Pembina, organização sem fins lucrativos de Alberta que realiza pesquisas sobre questões ambientais. “Nos anos 90, reconhecemos que problemas ambientais surgiriam. Mas estamos 17 anos adiantados.”

Quando as areias betuminosas passaram a ser consideradas economicamente viáveis, em 2003, o Canadá surgiu como detentor da segunda maior reserva petrolífera do mundo, atrás da Arábia Saudita. Em 2015, segundo projeções do setor, as areias responderão por um quarto da produção de petróleo da América do Norte.

Os EUA contam com o Canadá para ajudá-los a se livrar do petróleo do Oriente Médio. Outros países também estão atentos: a China investiu em duas companhias de mineração e num duto para levar petróleo de Alberta a portos no Pacífico.

À medida que a tecnologia e máquinas cada vez maiores reduziram o custo da extração do petróleo das areias, as companhias privadas correram para a região, investindo cerca de US$ 100 bilhões em minas e grandes usinas de processamento. A previsão era de que, em 2020, produzissem um milhão de barris por dia. Essa marca foi superada em 2004. Agora, a meta é duplicar a produção em breve e triplicá-la até 2015.

Elas escavam as camadas mais superficiais e injetam vapor no subsolo para liquefazer e extrair as areias mais profundas. O aquecimento da água e o processamento do betume cru – óleo pesado e viscoso – produzem dióxido de carbono, gás do efeito estufa ligado ao aquecimento global. As minas de areia betuminosa se tornaram as maiores responsáveis pelo aumento das emissões de gases do efeito estufa do Canadá, apontam as pesquisas do Pembina. “Se aumentarmos a produção das areais betuminosas, aumentaremos as emissões de gases do efeito estufa”, disse Ruigrok.

As companhias estudam formas de capturar e sepultar o dióxido de carbono. Os ambientalistas querem que as empresas compensem as emissões financiando programas de conservação ou energia alternativa; a Shell do Canadá aceitou pagar por esses programas. Mas executivos das companhias dizem que, se sua produção for refreada, o mundo comprará o petróleo de empresas que poluem ainda mais.

“Se optássemos por não desenvolver o recurso, ainda haveria petróleo sendo produzido em outras partes do mundo”, disse Gordon Lambert, vice-presidente da Suncor Energy.

Os críticos também questionam o uso de gás natural para aquecer e purificar as areias betuminosas. “Estamos transformando uma fonte de energia mais limpa em algo que causa muitas emissões quando é produzido e quando é queimado”, afirmou Dale Marshall, analista de política de mudança climática da Fundação David Suzuki, em Ottawa.

Estes processos “exercem uma pressão inaceitável sobre o meio ambiente”, disse Julia Langer, diretora do World Wildlife Fund-Canadá de Toronto.

Os ambientalistas falam de ameaças ao Rio Athabasca, que nasce na Geleira de Colúmbia, passa por florestas frias, cruza Alberta e finalmente une-se ao Rio da Paz, perto de Saskatchewan, para formar um delta, grande ponto de interseção de aves migratórias na América do Norte.

Segundo o Pembina, as minas usam o dobro da quantidade de água usada anualmente por Calgary, cidade de um milhão de habitantes. O relatório do grupo prevê que as minas aumentarão as retiradas em 50% nos próximos 6 anos.

As comunidades nativas afirmam que a redução ainda maior dos fluxos do inverno tornarão o rio insalubre, pondo em risco a sobrevivência de várias espécies de peixes. E elas acreditam que alguém contaminou as águas. Os moradores de Fort Chipewyan, vila de 1.200 habitantes à beira do Lago Athabasca, enfrentam índices extraordinariamente altos de cânceres raros. Investigadores médicos federais e provinciais tentam determinar a causa.

As empresas dizem que as minas não poluem o rio e reutilizam até 17 vezes a água retirada. O que sobra é um líquido negro e malcheiroso, recolhido em piscinas cada vez maiores – uma delas já é considerada a maior do mundo. As companhias de mineração precisam disparar canhões de propano para afastar as aves migratórias das águas tóxicas.

Funcionários do setor afirmam ter certeza de que encontrarão uma maneira de tampar as piscinas e resolver os outros problemas. “Não creio que haja um único remédio para tudo”, disse Greg Stringham, vice-presidente da Associação Canadense dos Produtores de Petróleo, sediada em Calgary. “Mas existem cinco ou seis tecnologias promissoras.”

As minas são escavadas na grande floresta boreal do Canadá, faixa continental de árvores e pântanos que, segundo os ecologistas, ajuda a reduzir o aquecimento global.

Em seu assento a 7 m de altura na cabine de um Caterpillar 797, Michelle Noer reconhece que a paisagem na mina Aurora, da Syncrude, “parece um tanto rude no momento”.

“Se apenas cavássemos, provavelmente eu não seria capaz de fazer isso”, disse Noer, de 37 anos, que veio das vinícolas da Colúmbia Britânica em busca de trabalho e dinheiro. “Mas recuperamos as terras. E precisamos do petróleo.”

Uma das primeiras áreas da Syncrude recuperadas exibe hoje pinheiros e abetos de 12 m de altura e mostra vida com o som de pássaros que sobrevoam trilhas de caminhada. “Cuidado com os animais selvagens”, avisa uma placa.

“Não é feio. Mas certamente não é a floresta boreal”, disse Woynillowicz, do Pembina. “Precisamos esperar para ver se esse ecossistema que eles puseram de volta será realmente sustentável.”