Mercado

Alimentos x biocombustível

Estamos assistindo a um debate sobre o aumento dos preços dos alimentos na economia mundial. Cabe lembrar que, por se tratar de commodities, a maior parte dos alimentos tem seus preços determinados no mercado internacional.

As principais causas apontadas para a alta são o crescimento da demanda por parte dos países em desenvolvimento; a escassez de recursos naturais para ampliação da oferta; e uma possível especulação no mercado de commodities. O economista Paul Krugman defende a idéia de que não seria apenas um problema de especulação, por conta da baixa dos estoques de alimento. Essa hipótese, além de bastante razoável, encontra evidências em decisões recentes por parte de algumas economias que estão suspendendo a exportação de alimentos para garantir o abastecimento interno.

Dessa forma, considerando os dois primeiros motivos, quais as divergências entre a posição do governo brasileiro e a de algumas instituições multilaterais? Por um lado, as agências estão dando mais relevância ao problema da oferta, enfatizando a concorrência de terras agricultáveis entre alimentos e biocombustíveis. Do outro, o governo brasileiro tem enfazitado o impacto do aumento da demanda de alimentos por parte dos países em desenvolvimento.

Os dados indicam que o crescimento da demanda dos países em desenvolvimento e os limites com relação à expansão da produção no curto prazo são os fatores mais relevantes.

Com relação à opção dos biocombustíveis, no Brasil, a porcentagem de área colhida de cana-de-açúcar (insumo básico para produção do etanol) gira em torno de 10% da área colhida total de alimentos, desde 1996, de acordo com os dados do IBGE. Considerando que o ciclo de alta dos preços de alimentos tem início em meados de 2003, há fortes indícios de que a produção de biocombustíveis no Brasil não tem influenciado de forma relevante o aumento dos preços dos alimentos.

Atualmente, uma concorrência importante por terras agricultáveis fica entre os alimentos e a ração animal. O aumento da renda em países em desenvolvimento, principalmente Índia e China, também eleva a demanda por carnes e lacticínios de modo a que se destine maior parcela das áreas agrícolas para a plantação de cereais e grãos, que servem de base para a produção de ração. Em 1999 a China era responsável por 1,4% das exportações brasileiras, essa participação aumentou para aproximadamente 6,7% em 2007, sendo basicamente composta por produtos intensivos em recursos naturais, com destaque para a soja.

Uma vez discutidas as causas, quais seriam os efeitos deste processo com relação à pobreza? Pensando na população mais pobre, o efeito tende a ser bastante prejudicial por conta da perda de poder de compra.

Por um lado, com o aumento dos preços, os consumidores são estimulados a consumir menos desse bem (efeito substituição). Por outro, o aumento do preço desse bem resulta numa perda de poder de compra (efeito renda). O problema fundamental com relação à população de baixa renda refere-se justamente ao efeito renda diante do aumento dos preços.

O lado positivo é que o aumento da demanda mundial por alimentos é uma grande possibilidade de elevação da renda dos países mais pobres que possuem terras agricultáveis disponíveis. Além disso, ao melhorar a situação da balança comercial desses países, propicia estímulos adicionais ao crescimento, compensando, pelo menos parcialmente, os efeitos negativos desse processo. No entanto, existe um grande risco de que esses ganhos fiquem nas mãos de poucos devido à forma de produção, que é em larga escala e intensiva em recursos naturais.

Luciano Nakabashi é coordenador do boletim de Economia & Tecnologia e professor do departamento de economia da UFPR

Marcio Cruz é professor do departamentode economia da UFPR.