Mercado

Álcool: o feitiço contra o feiticeiro

Às vezes, o melhor caminho para entender a realidade passa por um exercício de imaginação. Vamos supor que o leitor fosse designado para representar 15,4 milhões de consumidores e tivesse de escolher entre dois produtos de uso obrigatório: um deles seria mais barato para 12,32 milhões dos consumidores e mais caros para outros 3,06 milhões, em relação ao outro. Com todo o respeito que merecem as minorias, certamente o leitor não hesitaria em apontar a melhor alternativa. Além disso, ficaria com a consciência bem mais tranqüila, ao saber que os compradores continuariam a ter liberdade de escolher entre os dois produtos.

Embora a conclusão seja óbvia, na vida real nem sempre o desfecho é o esperado. Um exemplo dessa freqüente distorção de análise está ocorrendo agora mesmo com uma pesquisa que compara o consumo de álcool e gasolina, nos quesitos preço e rendimento de combustível, realizada pela Vital Commodities e baseada em experiência realizada com dois Palios 1.0. Acompanhando o estudo, uma tabela lista os preços por Estado, indicando que em 15 deles o álcool leva vantagem e em 12 seu uso representa prejuízo para o consumidor.

Numa leitura talvez apressada e bastante despreocupada com a visão mais apurada dos fatos, muitos brandem e tabela para acusar o álcool combustível de ser uma opção pouco econômica. Entretanto, basta cruzar essa lista com o perfil da frota brasileira acessível no site da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), para fazer o feitiço virar contra o feiticeiro. A simples soma dos automóveis que circulam em 11 dos 15 Estados nos quais o álcool é a opção mais barata mostra que essa redução de despesa beneficia mais de 80% dos motoristas brasileiros – com a apreciável economia de 14,5% em São Paulo, que concentra 37,8 do total de carros. Dos Estados onde a gasolina tem preço menor, o Rio Grande do Sul é o mais significativo, com 8,72% dos automóveis.

Somente esses números seriam suficientes para fazer com que se considere muito seriamente a proposta de reativação do Proálcool, com um novo formato que vem sendo debatido há meses, entre governo, produtores e sociedade. A proposta ganha mais força se aliada à série dos reconhecidos efeitos benéficos decorrentes do uso de álcool combustível: menor gasto com importação de petróleo; redução dos poluentes no ar; geração de empregos, renda e impostos na área rural; estímulo ao desenvolvimento de tecnologia nacional; aumento do grau de autonomia na estratégica área da energia.

O analista mais atento procuraria, também, informar-se adequadamente sobre o comportamento dos preços dos combustíveis e a relação entre eles, a chamada paridade. Um estudo bem recente da União da Agroindústria Canavieira (UNICA) constata que, desde a liberação em 1999, o preço do álcool ficou, na média, abaixo dos valores determinados anteriormente pelo governo, passando de 83% para a faixa dos 60% do valor da gasolina, com os últimos aumentos na bomba. E mais: analisando a série de preços a partir de 1998, detecta uma queda no preço atual em comparação ao período novembro de 2000 a fevereiro de 2001, se deflacionado pelo IGP-DI – o que reflete a eficiência obtida especialmente na ponta da produção e destilaria.

Numa demonstração de maturidade, o estudo reconhece que em regime de livre mercado o preço de um produto resultante de cultura agrícola sazonal pode sofrer oscilações, dependendo da safra. E, o que é pior, quando há queda nos preços o repasse demora mais para chegar à bomba e o inverso acontece com a alta, que o intermediário tenta repassar rapidamente ao consumidor. Segundo o estudo, está na hora de inverter essa lógica perversa, com os empresários da cadeia produtiva respeitando as leis do mercado e o governo exercendo efetivamente seu poder regulatório para evitar grandes volatilidades. Para isso, conta com dois eficientes instrumentos: uma política tributária realista para o setor, que iniba a sonegação e a fraude, e a formação de estoques reguladores.

Baseada nos dados econométricos, a análise conclui que vale a pena apostar no álcool, pois “seus preços continuarão inferiores aos da gasolina, numa relação com tendência a se situar abaixo dos 70%”, um percentual que atrai e mantém a fidelidade do consumidor. Com isso, os 12,32 milhões de pessoas , que abastecem seus carros nos postos dos 15 Estados onde o álcool e mais barato do que a gasolina, terão a opção de escolher gastar menos com combustível para se locomover. E quem sabe se, com o equilíbrio do mercado, o bolso de boa parte das 3,06 milhões que estão em outros Estados, não possa vir a contar, também, com a vantagem do álcool.

Presidente executivo do CIEE.

Diretor da FIESP/CIESP e da Associação Comercial de SP – ACSP.

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