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Álcool: EUA investem e já superam o Brasil

Quando se fala em etanol, o país que vem à mente é o Brasil. Mas são os Estados Unidos, maiores consumidores de petróleo do mundo, que estão investindo fortemente em pesquisas na área de biocombustíveis. Tanto que já trabalham para viabilizar o álcool de 2ª geração, que, feito a partir de celulose, apresenta uma produtividade muito maior. Os americanos já são líderes em etanol, mas o Brasil ganha em eficiência. Por enquanto. Hoje e amanhã, o JC mostra, em duas matérias especiais, os avanços dos EUA num setor que, há poucos anos, era de domínio quase exclusivo do Brasil.

O Brasil faz a propaganda e, assim, passa ao mundo a imagem de ser o país dos biocombustíveis. Mas são os Estados Unidos que vão descobrir uma forma de fazer um combustível renovável mais barato do que os conhecidos atualmente e que possa ser fabricado, em grande quantidade, no seu território. O país, conhecido mundialmente pela dependência do petróleo, é, desde 2005, o maior produtor de álcool do mundo. E amplia cada vez mais os investimentos em pesquisas neste setor. O Centro de Tecnologia da Copersucar (CTC, que fica em São Paulo) estima que os Estados Unidos estão empregando US$ 800 milhões anualmente em pesquisas nesta área, enquanto o Brasil gasta, em média, US$ 150 milhões.

Hoje, o álcool mais barato é o brasileiro, extraído da cana-de-açúcar. Os EUA produzem o etanol a partir do milho, num processo menos eficiente. Mas, os centros de pesquisa de algumas das principais universidades americanas junto com respeitados laboratórios estão concentrando seus esforços na descoberta do etanol que terá como matéria-prima a celulose, que pode ser amplamente cultivada.

O objetivo é fazer com que o novo produto entre em escala comercial até 2012. Com a celulose, os EUA vão baratear a produção de etanol e consolidar sua liderança neste mercado. O Brasil é pioneiro na produção de etanol. Desenvolveu a tecnologia na década de 70 e hoje mais de 85% da sua frota de veículos é flex. Mas, com poucos investimentos nos últimos anos, perdeu a liderança para os americanos.

Somente o Departamento de Energia dos EUA vai investir US$ 200 milhões na área de biocombustíveis até o final deste ano. Do total, 50% serão aplicados em pesquisas e o restante em plantas experimentais que vão produzir etanol a base de celulose. “O nosso objetivo principal é fazer combustíveis baratos para os veículos e, para isso, estamos procurando insumos baratos de biomassa e que tenham alta disponibilidade nos Estados Unidos”, comentou a conselheira do Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL, na sigla em inglês), Helena Chum.

Instalado na cidade de Golden, no Colorado, o NREL já tem duas plantas experimentais fazendo o álcool de celulose. A vantagem deste tipo de biocombustível é que ele pode ser extraído de matérias-primas mais baratas que o milho. Restos de madeira, palha de milho, sorgo doce, poplar (uma árvore que cresce rápido) e capim serão transformados em etanol.

A corrida das universidades, laboratórios e iniciativa privada para encontrar o álcool de celulose foi impulsionada por uma decisão do presidente George W. Bush, que lançou, este ano, uma meta para diminuir em 20% a dependência do petróleo até 2017. Desta redução, 15% deverão vir dos biocombustíveis e 5% da eficiência energética. Para cumprir a meta do governo americano, serão necessários 35 bilhões de galões de biocombustíveis.

Os americanos têm uma frota de carros que corresponde a mais de 33% de todos os veículos do planeta e gastam 25% de todo o petróleo vendido no mundo. Eles consomem 140 bilhões de galões de gasolina por ano e 45 bilhões de galões de diesel anualmente. O Brasil consome 10 bilhões de galões de gasolina anuais.

Para o tamanho deste mercado, o álcool de milho apresenta limites na sua expansão. A Associação dos Produtores de Energia Renovável dos Estados Unidos estima que poderiam ser produzidos, no máximo, 15 bilhões de galões de álcool de milho sem pressionar o preço do grão, usado na alimentação humana e animal.

O milho consome muita água na sua produção e vários Estados norte-americanos têm problemas com escassez do líquido. Nos Estados que têm clima desértico – como o Colorado –, a cultura tem que ser irrigada, o que aumenta o consumo de água. O álcool de celulose, considerado o etanol da segunda geração, vai gastar menos água no seu processo de produção.

O álcool a partir de celulose, na realidade, já existe. O problema é o preço, 2,5 vezes mais alto do que o álcool de milho. A corrida americana é para tornar o produto economicamente viável. Os pesquisadores do NREL trabalham para que o litro do álcool celulósico no futuro fique próximo ao custo do álcool de milho, que hoje é de US$ 0,31 por litro. “As coisas aqui andam rápido. Eles estão construindo institutos, contratando pesquisadores e vão encontrar caminhos para produzir etanol de forma mais eficiente do que a gente faz há 30 anos”, resume o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hélcio Blum, pesquisador visitante do Laboratório Nacional Lawrence Berkely, na Califórnia.

Colorado incentiva empresa e usuário – O estímulo à produção e ao consumo dos biocombustíveis também passa pelas administrações estaduais. O Estado do Colorado vai aportar US$ 7 milhões, este ano, no Fundo de Energia Limpa para estimular pesquisas nas universidades e laboratórios que atuam na área de biocombustíveis. O Estado sedia quatro instituições envolvidas com pesquisas nesta área que também têm o apoio da iniciativa privada.

Lá, o governo dá incentivos às empresas interessadas em produzir biocombustíveis e o consumidor que compra um veículo flex paga menos impostos. “Temos a base para a expansão dos biocombustíveis. Queremos preparar os consumidores com os conhecimentos necessários para usar e aceitar novos produtos”, disse a gerente do programa de biocombustíveis do Colorado, Stacey Simms.

Capital do Colorado, a cidade de Denver e os seus arredores já têm 300 mil veículos flex e todo o Estado conta com 600 mil veículos do tipo, o que dá uma média 4,3 vezes maior do que a do resto do país. Nos Estados Unidos, existem 5 milhões de veículos bicombustíveis e isso corresponde a cerca de 3% do total da frota de automóveis.

A forma mais comum dos norte-americanos consumirem o álcool é um composto chamado E85, uma mistura de álcool com gasolina, no qual o etanol pode chegar a ter um percentual de até 85% no verão (ver arte). Já no Brasil, os veículos flex podem colocar o álcool hidratado puro e o anidro, que é misturado numa proporção de até 25% da gasolina.

O governo do Colorado fez um mapeamento para identificar onde estão os donos dos veículos flexíveis e vai estimular a abertura de postos de gasolina perto das residências. “A nossa intenção é quadruplicar o número de postos de gasolina que vendem o E85 e duplicar os galões de E85 vendidos nos próximos 12 a 18 meses”, afirmou Stacey. Hoje, a região metropolitana de Denver tem 43 postos de gasolina que vendem o E85 e eles devem chegar a 50 até o final de 2007. “Está tudo interligado, a comida, o combustível e o viver de uma maneira mais sustentável”, comentou a conselheira do Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL), Helena Chum. O NREL fica nos arredores de Denver.

Centro de pesquisa já tem tecnologias só vistas no cinema – As cenas dos filmes De Volta Para o Futuro 1 e 2, nas quais vários resíduos orgânicos são transformados em combustível, já são uma realidade nos centros de pesquisa da Universidade do Colorado e no Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL), localizados respectivamente nas cidades americanas de Boulder e Golden. Lá, já existem técnicas ainda mais futuristas, como o uso de espelhos para queimar biomassa (insumo de biocombustíveis) e a busca por um gás de síntese (a partir da celulose) para substituir a gasolina num futuro remoto.

Embora pareça algo novo, o gás de síntese é composto por dióxido de carbono e hidrogênio e foi usado por Hitler para movimentar os tanques durante a segunda guerra mundial. Na época, o gás era produzido a partir do carvão. O que está sendo pesquisado agora é um catalisador para ativar ou estimular uma reação química e tornar mais barata a produção – para atingir escala comercial. Hoje, já é possível fazer o gás, mas o custo é elevado.

Já o uso de espelhos elimina um dos fatores que tornam o álcool de milho caro nos Estados Unidos: o uso da energia tradicional para queimar a biomassa. Um dos motivos para o álcool brasileiro ser mais barato é que as usinas geram toda a energia que consomem.

Os laboratórios estão buscando uma matéria-prima – para o álcool de celulose – que não precise de muita área para ser cultivada, nem de muito sol. Na área industrial, os cientistas dos centros de pesquisa instalados no Colorado querem encontrar novas soluções nos processos bioquímicos (que usa enzimas para fazer a fermentação do álcool) e termoquímicos (que utilizam a gaseificação da biomassa para depois transformar o gás em etanol).

O setor privado também está presente nos centros de pesquisa. Na Universidade do Colorado, 27 empresas (incluindo Shell, Chevron, Toyota, DuPont, Dow Chemical, Abengoa e Copernican Energy) entram com algum tipo de apoio financeiro a pesquisa, que varia de US$ 10 mil a US$ 50 mil por ano, dependendo do porte do grupo. Depois, as empresas dividem as patentes que resultarem da iniciativa.

As instituições também fazem pesquisas patrocinadas por companhias que vão deter, com exclusividade, a licença das descobertas. Existem pelo menos duas pesquisas deste tipo sendo bancadas, respectivamente, pela Shell e a Range Fuels. A última instalou uma fábrica de álcool de celulose no Colorado. E o governo do Colorado vai aportar R$ 2,2 milhões nas pesquisas.

“As grandes companhias petrolíferas não fazem muitas pesquisas na área de bioenergia e estão participando para ganhar conhecimento. Elas não gostam do álcool e queriam que a tecnologia do biocombustível fosse desenvolvida para fazer algum tipo de gasolina”, disse o diretor executivo de biorefino e biocombustíveis da Universidade do Colorado, Alan Weimer, que lidera uma equipe de sete doutores (dois chineses e cinco americanos). Existem pelo menos 15 cientistas brasileiros trabalhando em laboratórios dos EUA que pesquisam biocombustíveis. “Queremos aumentar o intercâmbio com professores universitários brasileiros para a colaboração científica”, disse o subsecretário de Pesquisa, Educação e Economia do Departamento de Agricultura dos EUA, Gale Buchanan.