Mercado

Álcool, commodity ou produto estratégico?

Usineiros cobram do governo definição de uma política para poderem planejar a produção. É improvável que as condições do mercado de álcool combustível, na próxima entressafra, a partir de dezembro de 2006, sejam menos tumultuadas que na atual, segundo acreditam os analistas e lamentam alguns usineiros. As tentativas do governo federal de intervir nesse mercado não alcançaram o objetivo e sequer deram a indicação sobre qual alvo esperam atingir. Para os usineiros, o governo sequer decidiu se trata o setor como estratégico ou agrícola.

Também os usineiros não concluíram se querem receber tratamento especial, por ser estratégico, ou como agricultores comuns. De uma coisa estão certos: qualquer política a ser adotada pelo governo deve ter como ponto de partida a definição do papel do álcool na matriz energética brasileira. Sem isso, fica difícil para as usinas planejarem a produção e se orientarem diante do mercado. “Até hoje, este governo, e os anteriores, ficaram devendo um estudo mostrando qual a participação dessa fonte de energia na matriz energética”, declarou o usineiro Maurilio Biaggi, da Usina Moema.

Os desencontros ocorridos na entressafra que termina agora não deverão produzir sequer experiência para evitar a repetição dos erros no próximo período. Isso vale para o governo e para os empresários. Nem mesmo a redução da mistura de álcool na gasolina de 25% para 20% deve produzir impacto positivo no mercado. “Só deve servir para elevar os índices de emissão de poluentes na atmosfera dos grandes centros urbanos”, afirmou o analista da Safras & Mercados, Gil Barabach.

A demanda pelo combustível e por açúcar deverá sustentar a pressão altista neste início de safra. “O preço do produto deverá demorar a cair”, disse. O analista acredita, porém, que os preços domésticos do álcool combustível deverão contar a médio prazo com a ajuda do mercado internacional de açúcar. Embora as cotações estejam em alta, a tendência da commodity é de se inverter, com o início das safras brasileira e nos países asiáticos.

Frustração

A alta do preço do álcool no período de entressafra frustrou o consumidor e colocou a opinião pública contra os usineiros. Para o vice-presidente da União das Destilarias do Oeste Paulista (Udop), Fernando Perri, o dano sofrido pelas usinas será de difícil reparação. Foi a reedição do que ocorreu no início dos anos 90, quando muitos carros tiveram de ficar na garagem por falta de álcool e isso foi considerado como uma “pá de cal” no antigo Proálcool. O analista da Safras & Mercados acha que a relação do consumidor com o álcool é um pouco emocional. “Quando compram um carro flex, no íntimo estão comprando um carro a álcool e só vão optar pela gasolina em último caso”.

Por essa razão que Fernando Perri defende um amplo e sincero diálogo com o governo e com representantes da sociedade. Como representante de classe, o vice-presidente da Udop tem muitas preocupações e acha que elas têm de ser debatidas com o governo e os demais integrantes da cadeia produtiva do álcool. A questão da estocagem, por exemplo, merece uma discussão mais ampla.

“Não é possível para os integrantes do setor decidirem isoladamente que formarão seus estoques para poderem atender ao mercado durante a entressafra”, disse. Segundo Perri, todos estarão correndo risco de serem acusados, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão do Ministério da Justiça, de formação de cartel, que é crime.

Se é preciso formar estoques, o governo terá de definir de quem é essa atribuição e quem terá de arcar com os seus custos. Para Perri, o ideal seria que a Petrobras cumprisse esse papel, desde que o produto seja classificado como estratégico. Outras regras teriam de ser definidas para garantir o bom funcionamento do mercado, como a participação do capital estrangeiro. Se o produto é estratégico, como permitir que uma companhia do exterior se instale no País para plantar as lavouras, produzir álcool para depois levar todo o produto para seu país de origem?

A questão é considerada sensível, uma vez que a excessiva regulamentação do setor poderia restabelecer as velhas práticas intervencionistas aplicadas até a extinção do antigo IAA, que se encarregava até de fixar os preços do açúcar e do álcool.

É por essa razão que Biaggi prefere ser tratado como um mero agricultor, para poder negociar seu produto de acordo com seus interesses.