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Álcool antecipa auto-suficiência em petróleo

O programa de álcool combustível teve contribuição importante no processo que tornou o País independente em petróleo. A conquista da Petrobras ocorre no momento em que o álcool registra surpreendente recuperação no mercado interno – impulsionada principalmente pelo avanço da tecnologia flex fuel (bicombustível).

Para os analistas, a explosão do álcool combustível e a auto-suficiência em petróleo não são mera coincidência. “Possivelmente, se não fosse o aumento da participação do álcool no mercado de combustíveis, a Petrobras teria de esperar mais um pouco para festejar a auto-suficiência”, diz o professor Saul Suslick, do Instituto de Geociências e coordenador do Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

No entanto, segundo Suslick, apesar da importância do etanol na atual matriz energética brasileira, seria injustiça não reconhecer o esforço da Petrobras para colocar o Brasil em pé de igualdade com o seleto grupo dos países independentes do petróleo externo. “O mérito da conquista da auto-suficiência será quase todo da estatal, que há mais de 50 anos trabalha nesse projeto, principalmente nas últimas duas décadas, a partir da descoberta da Bacia de Campos”, ressalta.

Nas contas do pesquisador Isaias Macedo, também da Unicamp e consultor da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), o consumo atual de álcool hidratado (negociado diretamente nas bombas) e anidro (misturado à gasolina, na proporção de 25% para cada litro do combustível fóssil) eqüivale à produção diária de 160 mil barris de petróleo, ou quase 10% da atual demanda brasileira pelo combustível, de 1,7 milhão de barris/dia (resultado em 2005).

Caso fosse excluído o álcool – o substituto natural da gasolina – da matriz energética, a demanda pelo óleo saltaria para cerca de 2 milhões de barris/dia (a soma da previsão de consumo 1,9 milhão de barris de óleo com o volume de 160 mil barris atualmente garantidos pelos usineiros), o que retardaria o alcance da auto-suficiência, já que a produção média esperada para 2006 com a ativação da P-50 ficará ao redor 1,9 milhão de barris.

Além da produção de etanol, segundo Macedo, é preciso incluir na conta a oferta de energia elétrica gerada a partir do bagaço da cana, que é utilizada na própria fabricação do açúcar e do álcool, em substituição ao combustível derivado do petróleo. “Com o bagaço, a participação do setor sucroalcooleiro na matriz energética brasileira sobe para 13,5%”, afirma o consultor da Unica.

Plínio Nastari, presidente da Datagro, empresa de consultoria, destaca ainda a importância do álcool para a economia das reservas de petróleo existentes no País. Segundo ele, entre 1976 – ano seguinte ao lançamento do Proálcool, o programa de incentivo ao combustível – e 2005, o etanol substituiu 1,51 bilhão de barris de gasolina equivalente, o que significa 11,6% das reservas comprovadas de petróleo do Brasil. No mesmo intervalo de tempo, foram consumidos 275 bilhões de litros de álcool para fins combustíveis, o equivalente a 240,8 bilhões de litros de gasolina.

Para Saul Suslick, entretanto, mais importante que discutir o papel do álcool na conquista da auto-suficiência, é preciso ressaltar os investimentos que o País tem feito para diversificar sua matriz energética. “O importante é sabermos que o Brasil passa a ser auto-suficiente em petróleo ao mesmo tempo em que investe em outras fontes de energia, com o próprio álcool, o biodiesel e gás natural”, diz. “Isso faz do País uma referência energética no mundo e o coloca numa posição estratégica invejável em relação aos outros países”, completa o professor.

Segundo Suslick, as condições adversas do mercado de petróleo, ocasionadas pelas disparadas nos preços da commodity, além das pressões ambientais (intensificadas com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, em 2005), têm obrigado as empresas petrolíferas a buscarem fontes alternativas de energia, sobretudo as limpas e renováveis. “A mudança paulatina para outras fontes energéticas é uma tendência mundial”, diz o professor.

Embora com relativo atraso, a própria Petrobras vem desviando parte de seus recursos para outros projetos além do petróleo, como o próprio etanol, um mercado dominado pelas grandes usinas. Por intermédio das subsidiárias Transpetro e Petrobras Bistribuidora (BR), a estatal anunciou investimentos para a construção de alcooldutos para escoamento da matéria-prima aos mercados externo e interno.

A Petrobras também investe pesado na exploração de gás natural, principalmente após a descoberta da Bacia de Santos, em 2003, que receberá, até 2010, investimento de US$ 18 bilhões. O biodiesel também está na pauta da estatal, que tem efetuado a compra do combustível por meio de leilões eletrônicos, para estimular o mercado consumidor, praticamente inexistente no País.

Para o professor da Unicamp, as ações da Petrobras, porém, precisam continuar calcadas em programas de longo prazo, a começar pelo projeto que resultou na auto-suficiência. “Mais difícil do que alcançar a independência em petróleo, é conseguir manter essa condição por um período de tempo satisfatório”, afirma Suslick. Na sua visão, a Petrobras precisa estar preparada para uma eventual recuperação da economia, que, por enquanto, cresce a taxas bastante tímidas. “Para não corrermos o risco do País ter uma auto-suficiência em petróleo temporária, é preciso manter os investimentos”.