Mercado

Agronegócios: 2002 termina dividido

O ano de 2002 termina surpreendendo o agronegócios nacional e a economia em geral. Por um lado, o setor agrícola esteve muito bem, puxando o PIB do setor para cima, batendo recordes de receita e superávits mensais. Muito destes resultados, porém, não devem nos enganar: os mesmos foram alavancados por uma taxa cambial especulativa, portanto, fora da realidade. É o caso da soja, por exemplo. Por outro lado, o setor da pecuária se viu traído pelo forte aumento dos custos de produção, especialmente nas áreas da suinocultura, avicultura e pecuária leiteira. Aumentos de custos motivados pela frustração na produção de algumas matérias-primas, especialmente o milho, e pelo forte aumento cambial, fato que inviabilizou as importações de trigo e estimulou as exportações de milho num momento de escassez do produto.

No Rio Grande do Sul, esta realidade ficou muito bem cristalizada e foi aonde mais se sentiu o problema. Afinal, nossa safra de verão 2001/02 foi frustrada climaticamente diante das expectativas iniciais. Além disso, erros de avaliação políticos, ligados ao setor, entravaram em muito o caminhar do processo em alguns casos. Mas, o ano de 2002 está terminando com uma tendência mais positiva.

Em primeiro lugar, o clima está mais propício, apesar da frustração do trigo em boa parte do país e do Estado. No entanto, a safra de verão tende a ser melhor do que a passada, especialmente na área do milho, tão escasso neste momento. Em segundo lugar, o câmbio se mantém elevado e, embora deva recuar no primeiro semestre, não se espera uma baixa significativa, devendo ficar entre R$ 3,00 e R$ 3,50 em não havendo erros da nova equipe econômica federal. Em terceiro lugar, esta situação deverá permitir a manutenção de preços mais firmes para a soja do que o inicialmente esperado pois a tendência é de um natural recuo na safra. Em quarto lugar, a tendência das cotações da soja em Chicago é de preços nos atuais níveis (um dólar acima do registrado em igual período de 2001) com possibilidades de aumento devido a expectativa de redução na área a ser plantada com a oleaginosa, em 2003, nos EUA. Isto devido a Lei Agrícola (Farm Bill) lançada ainda neste ano e que tende a privilegiar o milho em detrimento da soja. E, em quinto lugar, os novos governos eleitos parecem estar mais conscientes da importância da biotecnologia e, neste contexto, da soja transgênica, assim como deverão apoiar a agricultura familiar, igualmente de suma importância.

A respeito da soja transgênica, o assunto merece um destaque maior. Esta soja, que reduz custos na produção, ocupa um largo espaço na produção do sul do Brasil e particularmente no Rio Grande do Sul, assim como no mundo inteiro. A tal ponto que estudos realizados pelo governo brasileiro, sob o comando do professor Luciano Coutinho (cotado pelo futuro governo Lula a assumir a presidência do BNDES), demonstram que o Brasil deve sim se preparar para produzir transgênicos e especialmente a soja. Finalmente, parece estarmos alcançando uma visão política mais arejada sobre o assunto. Isto deve ser feito ao lado de culturas tradicionais, deixando ao produtor, em função da tecnologia disponível, dos custos de produção existentes e dos preços de mercado, a opção da escolha por este ou aquele produto. Isto irá exigir, com o tempo, a prática da rastreabilidade da produção agropecuária em geral e não impede, em hipótese nenhuma, as práticas positivas de empresas e cooperativas gaúchas no sentido de desenvolverem produções específicas, que considero como nichos de mercado promissores, como a soja orgânica e mesmo a convencional. Aliás, é nesta lógica que devemos olhar a posição de um grupo de pensadores da Alemanha (notem que a França praticamente se tornou ausente deste debate nos últimos tempos), quando da realização do seminário de Loccum (cf. Jornal O Interior, novembro/2002, p. 18). Mesmo porque, a União Européia deverá importar no total, em 2002/03, cerca de 19,3 milhões de toneladas de farelo de soja e 17,9 milhões de toneladas de grãos de soja. Ora, deste total, mais de 80% dos dois produtos é de origem transgênica e o consumo ocorre normalmente.

Na prática, enquanto os europeus não pagarem um prêmio conveniente sobre o preço mundial da soja transgênica, dificilmente a oleaginosa convencional terá grandes espaços na produção, como tenho alertado há anos. Sobretudo agora que a ciência, inclusive européia, tem informado que não existem inconvenientes ao consumo do produto transgênico.

Por outro lado, o discurso de que o Brasil deveria agregar mais valor produzindo carnes e derivados ao invés de exportar a soja e farelo tem lógica. Porém, no contexto do debate europeu, ele entra na mesma linha do que algumas ONGs européias desenvolviam no início dos anos de 1980, sob o slogan “a vaca dos ricos come o pão dos pobres” (que acabou sendo ultrapassado pelos fatos já no início dos anos de 1990). É verdade que se torna muito importante realizarmos esta transição e o setor primário brasileiro e o agronegócios nacional em geral o vem executando no passar dos anos. No entanto, também é verdade que ao fazermos mais carne e derivados nos chocaríamos com os bloqueados mercados europeu, japonês e estadunidense, os quais impedem nossos produtos de entrarem normalmente pois este tipo de produção sofre um protecionismo e um subsídio “bárbaro” junto a estes países. Enquanto o livre mercado no setor primário mundial não se impuser (o que os europeus justamente são contra) dificilmente teremos grandes vantagens, em termos de exportação, em substituir as exportações de soja e derivados (aceitos e liberados praticamente no mundo inteiro) pelas exportações de carnes e derivados. Este sim deveria ser um ponto de debate por parte dos alemães e europeus em geral, caso de fato desejem um maior desenvolvimento do agronegócios dos países emergentes, e particularmente do Brasil. Mas, infelizmente isto tem interessado pouco aos europeus pois, caso ocorra, lhes retira competitividade e mercado. Enquanto isto, torna-se mais cômodo discutir e encaminhar ações que possam a vir tirar espaço e competitividade dos produtos de exportação brasileiros, a começar pela soja e seus derivados, cujo “complexo” representa hoje 10% das exportações nacionais, sem falar na continuidade das barreiras às nossas carnes de frango, suíno e bovina.

Neste sentido, está muito coerente o conteúdo do estudo brasileiro citado acima, que nos informa que “…os riscos, para o Brasil, de não estimular os transgênicos, está justamente no fato de ficar, o país, restrito aos baixos preços e ao pouco valor agregado do segmento de produtos padronizados e de menor elaboração” (cf. jornal Valor Econômico, 09/12/2002, p.A3). Ou seja, a análise é exatamente inversa àquela que vem sendo pregada por algumas instituições mundiais, e particularmente européias, em torno dos produtos oriundos da biotecnologia e particularmente a soja transgênica.

Argemiro Luís Brum é professor – [email protected]>

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