O Brasil tem a chance de pautar o debate sobre padrões para biocombustíveis. Não resta dúvida de que a agroenergia é um assunto do momento. Trata da preocupação com a redução das emissões dos gases do efeito estufa, permite a diversificação das matrizes energéticas, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis, e incentiva a produção, o que gera renda aos produtores.
O Brasil é líder na produção de cana-de-açúcar, produto que tem o maior balanço energético na produção de etanol (são mais de oito unidades de energia renovável para cada unidade de energia fóssil usada na sua produção) e a maior produtividade por hectare (aproximadamente 7.000 litros/ha, duas vezes mais do que a americana). Além disso, o Brasil pode expandir suas lavouras na cifra de milhões de hectares sem derrubar uma árvore sequer (são 200 milhões de hectares de pastagens), incentivar a rotação de culturas e gerar divisas sem prejudicar a produção de alimentos.
Apesar de ser o maior exportador mundial de etanol, o acesso a mercados é um grande gargalo para o Brasil na corrida dos biocombustíveis. Nesse sentido, apesar de os Estados Unidos e a União Européia (UE) terem estabelecido metas ambiciosas para a utilização de etanol (10% do uso de gasolina na UE até 2020 e 136 bilhões de litros nos EUA até 2022), aplicam barreiras tarifárias restritivas.
Outro ponto que merece muita atenção, quando se trata da exportação de biocombustíveis, é a sustentabilidade da produção. A UE já deixou claro seu interesse em comprar o etanol brasileiro, mas enfatizou que irá exigir padrões que comprovem que a produção é sustentável. Países como Reino Unido, Alemanha e Holanda discutem os padrões que deverão exigir dos exportadores, independentemente das regras que a UE deverá cobrar muito em breve.
Vale lembrar que a proliferação de padrões que visam garantir a produção sustentável ou responsável é uma realidade. Exigidos por países e até mesmo por importadores, esses padrões buscam assegurar uma produção responsável em relação ao meio ambiente, a questões sociais e laborais, à segurança dos alimentos, etc. A própria Organização Mundial do Comércio (OMC) começa a debater esse assunto, pois preocupa a criação de tantas regras, que podem representar custos e fomentar barreiras ao comércio.
As questões a serem postas são: quais fatores devem ser incluídos na discussão sobre sustentabilidade da produção de biocombustíveis? Qual o melhor foro para debater essas questões? Em meio a essa preocupação, uma iniciativa dentro da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU busca iniciar uma discussão para o estabelecimento de padrões para a produção sustentável de biocombustíveis líquidos. A iniciativa ocorre dentro do órgão de assessoramento da CDB e preocupa pelo teor das discussões, pautadas pelo princípio da precaução, o que é chamado de “ecosystems approach”, e por vários estudos e dados estrangeiros, sem que apareçam fontes oficiais do governo brasileiro.
Felizmente, o Brasil conseguiu minimizar o teor do documento que está sendo discutido nesta semana, em Paris. No entanto, é importante lembrar que a CDB foi criada para tratar de biodiversidade, mas o texto trata também de temas como conflitos de terra e preço dos produtos alimentares.
Alguns argumentos ajudam a refletir sobre essa idéia, que corre silenciosamente pelos bastidores da CDB: (a) se a Convenção visa cuidar da proteção da biodiversidade, deve então discutir padrões para qualquer tipo de produção agrícola e industrial; (b) quem irá certificar a produção de um país exportador?, (c) caso o país exportador cumpra os requisitos, terá garantia de acesso a mercados?, (d) caso um país não cumpra os padrões, será penalizado pela CDB?
Finalmente, e talvez mais importante, se há uma discussão de padrões, ela deve considerar todo o espectro da sustentabilidade. É impensável discutir a sustentabilidade dos biocombustíveis no mundo sem entrar na questão da eficiência, o que impõe considerar a produtividade por hectare, a baixa dependência de combustíveis fósseis para sua produção e a menor emissão de gases de efeito estufa oriunda de sua utilização. Nesses pontos, a produção brasileira é exemplo para o mundo.
Da mesma forma que o País tem know-how para produzir e expandir sua produção de cana-de-açúcar, tem como fazê-lo seguindo critérios responsáveis. O Brasil tem a chance de pautar a criação dessas regras e mostrar ao mundo que a preocupação com os impactos da produção ao meio ambiente é um tema que faz parte do dia-a-dia do produtor brasileiro.