Tudo bem que a fronteira seca entre Brasil e Venezuela é longa e porosa e o preço da gasolina venezuelana é irresistível, ainda mais com o real valorizado. Mas, será que o contrabando de gasolina é assim tão intratável? Entre 29 de setembro e 4 de novembro, a Receita Federal provou que não.
Operação envolvendo fiscais da Receita, agentes das polícias federal e rodoviária federal, apoiados por policiais civis e militares de Roraima, cortou o cordão umbilical do contrabando no Entroncamento Surumum, que liga Pacaraima a Manaus. Por ali passam inevitavelmente os automóveis e caminhões que transportam gasolina e diesel venezuelanos para Boa Vista.
Durante aquele mês, as filas nos dois postos de Santa Elena se tornaram razoáveis, e as bombas que abastecem os carros dos venezuelanos nunca secavam. Mas o comércio de Pacaraima e de Santa Elena, irrigado pelo dinheiro do contrabando, ficou às moscas. A pedido dos líderes da comunidade Surumum, que atuam na intermediação do combustível, e de políticos locais, as polícias civil e militar se retiraram. Sem a cobertura delas, os federais julgaram não ter proteção suficiente e levantaram a barreira.
“Os políticos estão tentando liquidar essa facilidade que temos aqui”, diz o tuxaua (cacique) Miracélio Floriano Peixoto, da etnia macuxi, com sua Pampa, na fila da gasolina. “Estão deixando de ver as nossas necessidades.” Para o tuxaua, a barreira violava o “direito de ir e vir, previsto na Constituição”. Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) defende a “regularização da exportação” para Roraima de gasolina venezuelana, que, mesmo com impostos, ainda ficaria “muito mais barata” que a brasileira. “O governo estadual não pode ajudar o governo federal a fazer mal ao Estado.”
Santa Elena está dividida. O setor turístico e os comerciantes maiores querem o combate ao contrabando. As visitas à região, que tem belas cachoeiras e serras do complexo do Monte Roraima, declinaram por causa da impossibilidade de abastecer o carro nos postos da cidade. As câmaras de comércio e de turismo de Santa Elena (zona franca) apostam que o fim da renda vinda do contrabando seria compensado pela “reativação” dos dois setores. Comerciantes menores já não pensam assim. “Prefiro que não haja operações da Receita, mas que haja integração”, diz José Waldemar, 55 anos, dono de uma loja de roupas, calçados, cosméticos e bebidas, cujo movimento caiu 40% durante a barreira. “A integração favorece aos brasileiros e a nós.”
Quem é contra o contrabando vê a operação da Receita como um marco. “O que é triste para nós venezuelanos é reconhecer que as nossas autoridades não conseguem resolver um problema e precisamos das autoridades brasileiras”, diz Eduardo Cortez, presidente da Câmara e Turismo.
O coronel Pedro Brice‡o, comandante do Exército na região, rejeita as pressões para ser mais enérgico. “Esse é um problema eminentemente social, vinculado ao desemprego”, disse. “Não posso cravar aqui a Espada de Dâmocles, sem sensibilidade humana.”
“Os brasileiros devem buscar o direito deles lá no Brasil”, disse o prefeito Manuel Vallés, em reunião com taxistas na Câmara Municipal, quarta-feira, depois que a gasolina dos venezuelanos acabou. “Aqui, o direito é dos venezuelanos.”