A sucessão como uma ferramenta estratégica: um estudo em Usinas de cana-de-açúcar familiares do Estado de São Paulo.
Resumo
O objetivo básico deste trabalho é a investigação das dificuldades da realização da sucessão. As principais dificuldades na gestão empresarial deste tipo de organização referem-se à perpetuação de sua existência, envolvendo problemas com a realização da transferência de poder de uma geração para outra. Foi efetuado um levantamento por meio de uma pesquisa qualitativa, com entrevistas pessoais.Os respondentes foram participantes de usinas familiares na qualidade de sucessores e fundadores. Concluiu-se o artigo com a apresentação das dificuldades encontradas em relação à sucessão, destacando-se a falta de planejamento do processo, a incompatibilidade da visão dos sucessores e dos fundadores em relação à estratégia da empresa, conflitos familiares e a centralização do poder pelo fundador.
Palavras Chave: Sucessão, Governança e empresas familiares
Introdução
A empresa familiar é provavelmente uma das mais antigas formas de negócio ocorridas ao longo da evolução da humanidade (Lea, 1991). Porém, somente a partir da década de 60, é que se começou a ter um número expressivo de estudos científicos sobre as empresas familiares. Ultimamente, o tema tem se tornado muito discutido tanto na esfera acadêmica quanto no meio empresarial (Kanitz & Kanitz, 1978; Silva, 1984; Gutierrez, 1987; Leone, 1992; Procianoy, 1994; Scheffer, 1995; e Leone, 1996).
O objetivo principal deste artigo é investigar o processo de sucessão em usinas familiares, permitindo-se assim a ampliação do conhecimento desse assunto para o caso de usinas brasileiras, que nos dias atuais exigem mais estrutura, maior produtividade e competitividade.
Saber quais as dificuldades que as usinas familiares enfrentam no processo é o problema específico a ser tratado.
O foco dos estudos foi dado para as usinas de cana-de-açúcar por se perceber a escassez de pesquisas específicas nesse segmento.
Como objetivo latente pretende-se também denotar quais as principais características empresariais encontradas nessas organizações.
A realização destes estudos tem sua importância, uma vez que as empresas familiares ocupam uma larga parcela na economia do país e apresentam carência de orientações para resolução das dificuldades enfrentadas. Pensando-se no segmento das usinas, nota-se que ele é quase todo composto por empresas familiares. Atualmente o parque sucroalcooleiro nacional possui 302 indústrias em atividade, sendo a maior parte Centro-Sul. O agronegócio sucroalcooleiro movimenta cerca de R$ 36 bilhões por ano, respondendo por 3,0% do PIB nacional. Para se ter uma idéia do potencial deste mercado, basta citar que mais de 50
mil empresas brasileiras são beneficiadas pelo alto volume destinado a
investimentos, compras de equipamentos/insumos e contratação de serviços por
parte das usinas de açúcar e álcool, volume este que ultrapassa R$ 3,5
bilhões em 2003 (Procana, 2003).
Na literatura pertinente as organizações familiares, pode-se verificar a existência de problemas relacionados a sua gestão e a sua sobrevivência, destacando-se principalmente as dificuldades ligadas às seguintes áreas: processo sucessório, profissionalização e conflitos entre os seus participantes. Deve-se ressaltar que, normalmente, dentre os problemas apontados na literatura não se encontram categorizados aqueles ligados ao do tamanho da empresa, mas sim, aqueles ligados ao tipo da organização: familiar. Além disso, não podemos deixar de considerar que o ciclo do açúcar desde do descobrimento do Brasil, de seus engenhos, vem evoluindo e sofrendo diversos tipos de influências.
Empresas familiares
Conforme Lodi (apud Leone, 1992: 85), o conceito da firma familiar: é o “daquela [empresa] em que a consideração da sucessão da diretoria está ligada ao fator hereditário e onde os valores institucionais da firma identificam-se com um sobrenome de família ou com a figura de um fundador.”
Complementando a compreensão dessas organizações por meio de experiências externas à empresa brasileira, traz-se à tona o trabalho de Donnelley (1967: 161-162), que em seu clássico estudo, considerou familiar a empresa “que tenha estado ligada a uma família pelo menos durante duas gerações e com ligações familiares que exerçam influência sobre as diretrizes empresariais, os interesses e objetivos da família.”
Leone (1992), no sentido de caracterizar a empresa familiar, comenta que ela deve possuir determinados indicadores, a fim de ser chamada como tal: o seu início deve ter tido um ponto de partida em um membro da família; os familiares devem estar presentes na direção e possuírem um vínculo com a propriedade; os valores do fundador ou da família devem estar identificados com os da firma e a sucessão deve estar ligada ao fator hereditário.
Lea (1991: 05) procura responder à questão do que vem a ser a empresa familiar, delineando-a como aquela que é “totalmente ou na sua maior parte controlada por uma pessoa ou pelos membros de uma família.” A característica desta organização focaliza o fato de ela pertencer e ser gerida por uma família que a comanda, ou sofrer um outro tipo de controle pela família detentora da firma. A empresa familiar pode ser dirigida pelo fundador, por seus filhos, netos ou outros membros da família.
Para este trabalho, tomou-se como base o conceito de Lourenzo (1999): “ empresa familiar é a organização em que tanto a gestão administrativa quanto a propriedade são controladas, na sua maior parte, por uma ou mais famílias, e dois ou mais membros da família participam da força de trabalho, principalmente os integrantes da diretoria.”
A empresa familiar apresenta algumas características, como se segue. As empresas familiares não devem ser vistas necessariamente como se estivessem em uma situação em que as possibilidades de sucesso são inexistentes. Deve-se notar porém, que estas firmas possuem “características próprias que constituem verdadeiros desafios, e as soluções nem sempre ocorrem com facilidade.” Lerner (1996: 153).
Segundo este autor, as dificuldades presentes e comuns a estas empresas, são apontadas a seguir: recursos humanos com qualificação inadequada, quadro de pessoal com tamanho incompatível face às necessidades, falta de objetivos quantificáveis, ausência de planos e regras, e presença marcante da intenção, do empirismo e da improvisação.
Bernhoeft (1989) apresenta as seguintes características para as empresas familiares:
“Forte valorização da confiança mútua, independente de vínculos familiares (exemplos são os ‘velhos de casa’ ou ‘ainda os que começaram com o velho’).
Laços afetivos extremamente fortes influenciando os comportamentos, relacionamentos e decisões da organização.
Valorização da antiguidade como um atributo que supera a exigência de eficácia ou competência.
Exigência de dedicação (‘vestir a camisa’), caracterizada por atitudes tais como não ter horário para sair, levar trabalho para casa, dispor dos fins-de-semana para convivência com pessoas do trabalho etc.
Postura de austeridade, seja na forma de vestir, seja na administração dos gastos.
Expectativa de alta fidelidade, manifestada através de comportamentos como não ter outras atividades profissionais não relacionadas com a vida da empresa.
Dificuldades na separação entre o que é emocional e racional, tendendo mais para o emocional.
Jogos de poder, onde muitas vezes mais vale a habilidade política do que a capacidade administrativa.”
Outro aspecto a ser observado, além dos relacionados às dificuldades na gestão, refere-se ao surpreendente número de empresas familiares no mundo. De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Administrativo (IMD), de Lausane, (apud The Economist, 1994: 73) “Cerca de 99% das companhias da Itália são empresas familiares….” Esse Instituto apresenta outras estimativas para a participação das empresas familiares na Europa: Portugal 70%, Inglaterra 75%, Espanha 80%, Suíça 85-90%, e Suécia 90%.
Para o Small Business Administration (SBA, 1996), aproximadamente um terço das quinhentas maiores empresas norte-americanas é controlado por pelo menos uma família e, dentro das quinze milhões de empresas existentes, treze milhões e meio (90% do total) são controladas ou geridas por famílias (Lea,1991; Ribeiro,1993).
No Brasil, tal cenário não é diferente. De acordo com Kanitz & Kanitz (1978), Netz (1992) e Neto Sorima (1997), 99% das empresas brasileiras são familiares Bernhoeft (1996) mostra que, dos 300 maiores grupos privados do Brasil, a maior parte é controlada por famílias. Concordando com este dado, Trevisani (1997) apresenta a informação de que 90% dos grupos privados “são administrados por membros da família controladora.” Estes números mostram a importância do tema na economia nacional e ratificam a preocupação tanto dos dirigentes quanto dos especialistas (aqui entendidos como acadêmicos e consultores) em estudá-lo.
A Sucessão Empresarial
Uma das principais dificuldades encontradas pela empresa familiar, no que tange a sua sobrevivência no longo prazo, é a transferência do poder do fundador para seus possíveis sucessores. Esta transferência não pode ser encarada por meio de critérios totalmente objetivos, pois o processo sucessório é permeado por problemas comportamentais enraizados nos conflitos entre os membros da família (Barnes & Hershon, 1976; Bernhoeft, 1989; Lodi, 1987; Lodi, 1989; Marins Filho, 1987; e Srebrow, 1996).
A vida da empresa familiar, mesmo sendo carregado de problemas, pode transformar-se em uma alavanca direcionadora, a ser trabalhada para a criação da possibilidade da continuidade da firma, pois como Barnes & Hershon (1976: 42) citam: “… uma transição familiar bem sucedida pode significar um novo começo para a empresa.” . Na mesma direção, Lansberg (1997), menciona que mesmo empresas bem posicionadas estrategicamente podem desaparecer tendo como motivo a ausência de um planejamento sucessório adequado às necessidades.
A sucessão, vista como um processo, apresenta uma grande duração no tempo, porque não se restringe à fase em que ocorre a transição do poder de fato e de direito do fundador para o sucessor. Esse processo tem o seu início na juventude dos herdeiros que recebem informações e tratamentos tais que, no futuro, terão implicações para a troca do poder (Bernhoeft, 1989 e Lodi, 1987).Para Leone (1992: 85), a sucessão pode ser definida como “o rito de transferência do poder e do capital entre a atual geração dirigente e a que virá a dirigir.”
Também com o objetivo da discussão do conceito da sucessão, volta-se para o Small Business Administration (SBA, 1996), que considera a sucessão como a passagem da liderança para a geração posterior, destacando-se que esta é um processo e não apenas um único evento.
Com relação à dificuldade da realização da sucessão, uma lista de motivos para a ausência de uma solução pode ser indicada:
“divergências entre sócios; número excessivo de sucessores; falta de uma liderança natural ou bem aceita entre os possíveis sucessores; desinteresse dos sucessores pelo negócio; diferenças muito marcantes na participação acionária entre os sócios e, portanto, entre os sucessores; o fundador encarar a empresa apenas como uma forma de gerar segurança para os filhos; divergências familiares muito marcantes; insegurança dos funcionários da empresa quanto ao seu futuro, por falta de uma orientação estratégica e operacional e insatisfação ou desinteresse pessoal do fundador com relação ao seu futuro, da empresa e dos familiares” (Bernhoeft, 1989).
Dentre as dificuldades observadas pelo SBA (1996) para a não-existência de uma sucessão bem-sucedida para a próxima geração, pode-se citar: “falta de planejamento e falta de viabilidade do negócio.”
Também deve ser observada a pesquisa realizada por Scheffer (1995), na qual são feitas avaliações no que tange aos obstáculos do processo sucessório e às principais ações preventivas. Foram identificados fatores que dificultam a sucessão e os três principais são: “visão diferenciada do negócio entre o sucedido e sucessor, rivalidade entre familiares pela posse do controle familiar e despreparo da família para o entendimento do processo sucessório.”
Além disso, não se pode deixar de considerar a centralização do poder do fundador. O consultor suíço Alden Lank (2002) cita 5 estilos de partidas do dirigente em empresas familiares: O “Monarca” recusa-se a partir e tipicamente morre no cargo. O “Empreendedor Renascido” mantém contato com a empresa familiar porém sai para fundar uma nova empresa. O “Embaixador” abre mão do cargo de CEO, porém aparece como construtor de redes externas da empresa. O “General” concorda em sair, ou é afastado, porém começa a conspirar para voltar. O último, o “hedonista” sai voluntariamente para cuidar de atividades culturais ou hobbies que nunca teve tempo suficiente para praticar anteriormente.
A sucessão na empresa familiar como transferência possui dois aspectos importantes e que se relacionam com o seu resultado: “a importância do aspecto preventivo e a atitude do empresário frente à sucessão.” Com relação à atitude do empresário, este fica de frente com vários pontos “existenciais: o sucesso empresarial; a razão profissional de viver; a mudança no estilo de vida ou aposentadoria”. Somada a estes pontos existenciais, deve ser destacada a importância da influência do dirigente (líder) no sentido de este estabelecer as diretrizes estratégicas de funcionamento da firma e as suas prioridades. A “habilidade administrativa pessoal do líder (visão de futuro, solução de problemas, novos negócios), seu estilo de liderança e suas motivações, seu comportamento e preparo para transições e mudanças são essenciais para que o processo de sucessão seja bem conduzido” (Mello, 1995: 68-70).
Na mesma linha de discussão, tratar-se-á da variável planejamento preventivo, que é conceituado como “um processo através do qual a família e a empresa como um todo, podem pensar o seu futuro.” De acordo com Mello (1995: 69), este plano inclui etapas sobre:
“a participação da família na empresa, planejamento estratégico para a família e a empresa, para o desenvolvimento de liderança dos sucessores, para o futuro do patrimônio em relação ao proprietário (promovendo sua segurança vitalícia), e os sucessores (divisão da propriedade da empresa, administração dos negócios, controle do processo decisório), e um programa planejado de desligamento gradual do líder de seu desenvolvimento ativo nas operações da empresa.”
Com relação aos comentários, percebe-se nitidamente a importância do planejamento sucessório para que se obtenha um resultado favorável em relação à sucessão. Deve-se notar, no entanto, que o planejamento não pode ser considerado como uma ferramenta à prova de todos os problemas, pois os de ordem comportamental são muitas vezes imprevisíveis.
Outra reflexão em relação ao resultado do planejamento da sucessão é que, se por um lado, ele não pode garantir um final bem-sucedido, por outro, ele cria um clima mais propício ao bom encaminhamento do processo em razão de se conseguir antever possíveis problemas e, com isso, as alternativas de solução. Neste trabalho, foi utilizado como conceito de sucessão: a transferência (redistribuição) do poder ligado à geração presente (dirigente e controladora da empresa) para a futura geração constituída dos herdeiros (parentes legalmente reconhecidos como herdeiros) Lourenzo (1999).
Metodologia da pesquisa
A quantidade de pesquisas neste campo ainda é escassa, resultando em um baixo número de informações provenientes de trabalhos científicos. Este fato mostra um enorme espaço para novos projetos de pesquisa, como também indica um posicionamento para a abordagem desta pesquisa como de caráter exploratório.
A amostra avaliada foi retirada da população de usinas familiares. O setor sucroalcooleiro nacional conta com 302 industrias em atividade, são 84 na região Norte- Nordeste e 218 na região centro-sul, sendo que 120 estão situadas no Estado de São Paulo, Procana (2003). Dentro deste segmento focalizamos 18 usinas ou grupos, responsáveis por 34 usinas do Estado de São Paulo.
O tipo de estudo empreendido teve como base uma amostra não-probabilística. Percebe-se que esta opção criou uma limitação na medida em que não se pode fazer generalizações para a população trabalhada em razão de o conjunto dos respondentes não representar quantitativamente o universo das usinas familiares do Estado de São Paulo.
A amostra foi constituída por 34 usinas familiares do Estado de São Paulo, que estivessem fazendo a troca do comando do fundador para a primeira geração, ou ainda, da primeira para a segunda geração, e representada por 28 respondentes (8 fundadores, 18 sucessores e 2 profissionais)
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas pessoais, acompanhadas de um questionário estruturado por questões abertas e fechadas.
Uma limitação quanto aos respondentes relaciona-se ao fato de não se ter contatado importantes agentes externos e internos ligados à organização, como: funcionários, clientes, fornecedores e familiares não-participantes diretamente da gestão.
O instrumento de coleta de dados foi constituído de questões focalizadas para: as dificuldades enfrentadas pelas empresas familiares; o treinamento e preparo dos sucessores; interferências no processo sucessório por parte dos funcionários, clientes, fornecedores e familiares não-participantes da gestão; a existência e causas de conflitos na relação empresa-família etc.
Para a análise dos resultados, duas observações importantes são apresentadas:
A pesquisa teve como posicionamento de abordagem o caráter exploratório. Justifica-se, portanto, o fato de não se ter utilizado técnicas mais avançadas para o tratamento estatístico dos dados.
Como foram ouvidas 28 pessoas, representando 34 usinas do Estado de São Paulo, tem-se o que é convencionado chamar de pequena amostra.
Apresentação e Análise dos dados coletados
Descrição geral das empresas
As usinas em questão têm em seus comandos fundadores e sucessores da primeira ou da segunda geração da família. A amostra selecionada é composta por 8 fundadores e 18 sucessores, sendo 10 respondentes da primeira geração e 8 da segunda geração e 2 profissionais.
A menor parte das empresas entrevistadas, 4 casos, tem a sua propriedade centralizada em apenas uma família, enquanto em 11, tem a sua propriedade vinculada a até 5 famílias, e 3 em mais de 6 famílias.
Perfil dos respondentes
A faixa etária predominante entre fundadores é de 62 a 75 anos (5 respondentes) e 3 entre 44 55 anos. Em relação aos 16 sucessores e 2 profissionais, estão na faixa compreendida entre 35 e 55 anos e os dois restantes estão abaixo de 30 anos. Esta relação mostra que os fundadores já estão em fase de “passar” ou já “passaram o bastão” do poder para a geração seguinte. Os sucessores também estão na fase ou faixa etária compatível para recepção da direção, apresentando idades entre 35 e 55 anos (16 respondentes).
Em relação à escolaridade, todos os entrevistados possuem nível superior.
Características de empresa familiar
Conforme discutido no referencial teórico, as organizações chamadas de familiares não podem ser definidas com um único conceito, mas com um conjunto de características que as indiquem como tal. Estas características obtidas qualitativamente na amostra sob estudo, são apresentadas na tabela abaixo:
Tabela 1 – Presença das características mais comuns em empresas familiares (na amostra estudada)
Características Fundadores Sucessores
n n
a= Confiança mútua entre os participantes da empresa 8 15
b= Fatores emocionais interferindo no comportamento e nas decisões da empresa 1 5
c= Exigência de dedicação por parte dos funcionários (‘vestir a camisa’). 8 10
d= Dificuldade em separar a família da empresa 3 5
e= O sucessor provavelmente pertencer à família 6 13
f= Os valores da empresa identificam-se com os da família 6 13
g= A posição de um membro da família na empresa, refletir a sua situação familiar 2 4
h= Dedicação e lealdade do funcionário, como critérios para a sua permanência, remuneração ou promoção na empresa 7 9
i= Dificuldade na descentralização do poder 2 6
j= A seleção dos empregados e a escolha do sucessor usarem os mesmos critérios: perfil parecido com o do dirigente (fundador). 7 5
k= Existência de conflitos entre os familiares 4 3
A característica que teve maior concordância entre as respostas dos fundadores e dos sucessores, foi a confiança mútua entre os participantes da empresa. Esta característica, embora não seja exclusiva deste tipo de organização, evidencia aspecto específico da empresa familiar, pois a confiança mútua entre os participantes, talvez seja uma das principais razões para que se mantenham relacionamentos profissionais com familiares, pois, em princípio, as pessoas para trabalharem na empresa devem passar confiança para que não advenham problemas afeitos a perda dessa característica.
Além deste elemento, os fundadores destacaram também a exigência de dedicação por parte dos funcionários (“vestir a camisa”) e a dedicação e lealdade do funcionário, como critérios para a sua permanência, remuneração ou promoção na empresa, confirmando o que já foi citado no referencial teórico. Além disso, estas características refletem valores culturais da história dos usineiros, considerados como “coronéis” do açúcar desde os tempos dos antigos engenhos, valores estes que estão internalizados tanto nos fundadores, como nos sucessores, cobrando assim, postura firme de seus colaboradores, exigindo dedicação e lealdade, como condição necessária para permanecer na empresa.
Na visão da maioria dos sucessores, as características mais apresentadas foram o sucessor provavelmente pertence à família e os valores da empresa identificam-se com os da família, demonstrando que a preocupação dos sucessores é manterem o negócio na família, com seus devidos valores adquiridos, perpetuando sua história e valores de família.
Nota-se ainda que, quase todos os respondentes afirmam que o fundador ou atual dirigente se preocupa com a sucessão. Apenas 1 fundador não se preocupa, provavelmente porque já passou por um processo de planejamento de sucessão, não tendo mais a preocupação de tomar uma atitude mais objetiva com relação à sucessão, argumentando e justificando ainda sua resposta, que não há com o que se preocupar, que o processo será natural e sem maiores problemas.
Neste artigo, embora não se represente toda a população das empresas investigadas, mostra-se a grande relação das características levantadas com a literatura, pois como aponta Bernhoeft (1989) entre as características deste tipo de empresa, estão presentes a valorização da confiança mútua e a exigência de dedicação – “vestir a camisa”. Estas características aliadas às outras destacadas anteriormente podem melhorar o entendimento sobre a empresa familiar.
Dificuldades para a realização da sucessão
As dificuldades encontradas para a realização da sucessão, segundo a perspectiva dos fundadores e sucessores, são apresentadas na tabela a seguir:
Tabela 2 – Dificuldades para a realização da sucessão (segundo fundadores e sucessores)
Dificuldades Fundadores Sucessores
n n
Incompatibilidade na visão estratégica entre sucessores e fundador 3 6
Conflitos familiares 3 7
Resistência do fundador em se afastar do comando 2 6
Falta de um planejamento da sucessão 3 8
Interferência dos clientes, fornecedores ou empregados antigos – 1
Falta de apoio do sucedido na troca do comando 2 4
Centralização do poder pelo fundador 1 10
Sucessores sem vocação ou com falta de interesse pelo negócio 2 4
Outras: falta de preparo dos sucessores e idade. 4 5
As principais dificuldades podem ser sintetizadas da seguinte forma:
fundadores: falta de um planejamento para a sucessão (3); conflitos familiares (3); e incompatibilidade na visão estratégica entre sucessores e fundador (3)
sucessores: centralização do poder pelo fundador (10); falta de um planejamento da sucessão (8); conflitos familiares (7); incompatibilidade na visão estratégica entre sucessores e fundador (6); e resistência do fundador em se afastar do comando (6).
A falta de planejamento da sucessão aparece com alta incidência tanto para os fundadores quanto para os sucessores. Esta é a maior dificuldade para a realização da sucessão segundo o conjunto das visões dos respondentes.
Nota-se que a falta de conhecimentos (conforme relatado) para a elaboração de um planejamento e a resistência dos fundadores são grandes inibidores para que esta dificuldade seja resolvida. A falta de conhecimentos foi mais reforçada pelos fundadores, enquanto a resistência em elaborar um planejamento foi muito comentada pelos sucessores. Os sucessores reclamaram a falta de uma atuação significativa dos fundadores a favor da realização da sucessão ainda em sua gestão.
Com relação à perspectiva de ambos, fundadores e sucessores, uma outra dificuldade presente de maneira marcante é a incompatibilidade na visão estratégica entre sucessores e fundador. Esta dificuldade provavelmente relaciona-se às diferentes formas de gestão e formulação de estratégias que as duas gerações adotam para o comando da empresa: os fundadores mais ligados à manutenção da situação, enquanto, por outro lado, os sucessores tentam inovar as práticas administrativas de gerenciamento. Esta divergência de pensamento pode ser boa para a empresa, quando existe uma cumplicidade de ambos, fundadores e sucessores, quanto ao desejo da continuidade da empresa, pois o pensamento ‘novo’ do sucessor, por exemplo, pode dar uma vida nova à empresa, especialmente se ela se encontra em um estágio avançado de seu ciclo de vida.
Pelo lado dos sucessores (10), a maior dificuldade indicada é a centralização do poder por parte do fundador, aliada a resistência deste em se afastar do comando (6), fatos que estão em harmonia quando da análise das características da empresa familiar, principalmente se considerarmos o histórico, cultura e valores dos usineiros desde sua época mais remota. Estes valores são intrínsecos e deve ser observado que os fundadores não têm conhecimento desta centralização e resistência. Esta dificuldade também pode estar ligada à relação de criador e criatura, em que o sucedido tem resistência em deixar a empresa para ser dirigida por outro, mesmo que este seja seu filho. Todos estes aspectos ficam a desejar quanto à conclusão da sucessão da melhor maneira possível, mesmo porque em função destas dificuldades acarretam, como conseqüência, a falta de um planejamento para a sucessão (8), podendo gerar conflitos familiares (7).
Nota-se a presença, de maneira significativa, destas ocorrências nos resultados apontados no referencial bibliográfico, fazendo com que se possa apontar para as dificuldades ligadas à falta de planejamento, incompatibilidade na visão estratégica e conflitos familiares como problemas comuns neste tipo de empresa (Scheffer, 1995; SBA, 1996 e Bernhoeft, 1989).
Conclusões finais
A sucessão na empresa familiar é uma das mais difíceis tarefas do ciclo de desenvolvimento destas empresas. Vários são os agentes que, de certa forma, interferem nesse processo, tais como: clientes, família, fornecedores, empregados, sucessores e fundadores. Essa diversidade cria um grande número de situações e alternativas para a sua concretização.
Na fase de realização da sucessão, que é difícil de ser superada, existe uma variedade de dificuldades. De acordo com o levantamento amostral apresentado neste artigo (18 usinas ou grupos que representam 34 usinas do Estado de São Paulo), pode-se concluir como principais dificuldades:
falta de um planejamento da sucessão (3 fundadores e 8 sucessores),
incompatibilidade na visão estratégica, segundo (6) sucessores e (3) fundadores,
conflitos familiares (3 fundadores e 7 sucessores) e
centralização do poder pelo fundador (segundo 10 sucessores).
De uma maneira geral, a pesquisa apresentou um quadro muito próximo da literatura consultada, percebendo-se que algumas das dificuldades enfrentadas pelas empresas em geral também são encontradas na vida das usinas de cana-de-açúcar, principalmente porque quase todas são familiares, e desde de o descobrimento do Brasil com seus engenhos.
Finalizando a abordagem deste tema, os autores deste artigo indicam algumas recomendações para as usinas executarem visando a superação das dificuldades presentes no processo de sucessão:
elaboração de um plano para o desenvolvimento dos sucessores;
participação em eventos específicos para a conscientização dos fundadores em relação aos problemas referentes a este tipo de negócio;
desenvolvimento formal de um plano sucessório (troca de comando entre gerações);
criação de um acordo societário para a redução de conflitos e;
elaboração, de maneira participativa, de um plano estratégico para a empresa.
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