Mercado

A soja não pode boicotar a cana

A cana-de-açúcar como o eucalipto remuneram melhor e criam mais empregos e renda. O meu pai, Antônio Alves Guimarães, e Deolizano Rodrigues de Sousa (Dozinho) partiram de Joaima, no Vale do Jequitinhonha (MG), em 1931, com tão somente 25 anos, para começarem a vida de empreendedores no distrito de Água Fria, hoje a cidade de Medeiros Neto, naquela então remota região do Extremo-Sul da Bahia (por coincidência, tornaram-se concunhados).

Os desafios eram enormes, dinheiro curto, sem financiamentos e sem estradas; tudo era feito no lombo do cavalo. Mas conseguiram ir adiante, criando gado leiteiro e de corte. O leite virava manteiga, que era vendida na cidade e, como não havia frigorífico na região, o gado de corte tinha que ser levado por tropeiros até a cidade de Governador Valadares (MG); viagem essa que levava 30 dias. O tempo foi passando, e com a abertura da BR-101, a região tornou-se 100% área de pecuária da melhor qualidade. O tio Dozinho tornou-se um dos maiores e melhores criadores de nelore e tabapuã do Brasil.

No fim da década de 80, apareceram as primeiras grandes indústrias: o setor sucroalcooleiro com várias usinas; a Nestlé, laticínios; e a Bahia Sul, Aracruz e Veracel, celulose. Aos poucos, o perfil da ocupação das áreas de há muito degradadas foi mudando. Acredito que, atualmente, a pecuária represente não mais de 30%, o eucalipto 35%, e a cana-de-açúcar, 35%.

Alguém pode perguntar a razão dessa mudança. A resposta é simples, pois tanto a cana-de-açúcar como o eucalipto remuneram melhor e criam infinitamente mais empregos – e renda – do que a pecuária. Um fato é irrefutável: a região do extremo-sul da Bahia, o nordeste de Minas e o norte do Espírito Santo só deram um enorme sal to na economia, saúde e educação, após a chegada da cana-de-açúcar e do eucalipto.

E o que é muito important e: todas essas transformações ocorreram de forma pacífica, sem boicotes a quem quer que seja e sem a interferência de políticos demagogos e leis inconstitucionais.

Os diversos setores sempre conviveram de forma respeitosa, na mais perfeita paz, pois havia (e continua havendo) espaço para todos. Uma bela lição de respeito à livre iniciativa e ao direito de propriedade, pois é o dono da terra que tem o livre arbítrio para decidir a sua utilização.

Assim sendo, causou-me espécie quando li a matéria Produtores de soja boicotam cana em GO , publicada pelo jornal O Estado de S.

Paulo (09/01/11). Segundo a matéria, em dezembro de 2010 a Câ mara de Vereadores de Jataí (GO) aprovou um projeto de lei que criou o Plano Diretor Rural, que por sua vez criou o Conselho Socioeconômico de Desenvolvimento Rural (Coderj), com o objetivo de dificultar a entrada de outros empreendimentos sucroalcooleiros no município.

A alegação para o boicote à cana-de-açúcar no município é que, “para arrendar um hectare, o produtor de soja pagava em média o valor de 12 sacos do grão (cerca de R$ 560). Já a Cosan chega a oferecer 18 sacos (em torno de R$ 840) pela área”.

Ora, bolas! Por que então os produtores de soja também não pagam os mesmos 18 sacos por hectare, em vez de quererem cercear o setor sucroalcooleiro com leis inconstitucionais? Os legisladores, em todos os níveis, deveriam ater-se ao que lhes é afeito cumprir, ou seja, dar à população uma boa educação, saúde, segurança e desenvolvimento, em vez de criar leis que vão de encontro ao direito de propriedade e que só servem para trazer insegurança jurídica, prejudicando os estados, municípios e sua população.

Tem razão o senhor Sérgio Oliveira de Toledo Ribas: “O objetivo da diversificação é mitigar o risco. Um ano a cotação da soja pode estar boa, no outro pode ser a vez da cana” . E sabiamente finalizou: “O que vai prevalecer é a remuneração, não adianta querer espernear”.

O secretário de Produção e Agroenergia, Vicente Bertone, deu o balizamento para a boa convivência dos diversos setores: “Não é nosso objetivo colocar em risco a indústria de alimentos. Mas não dá para entender por que um município quer limitar a cana se está gerando receita. Só seria uma medida cabível se a cana colocasse em risco uma cadeia já estabelecida (no caso, da soja). Mas há terra para todos, mesmo porque uma usina não ocupa tanta terra assim”.