Mercado

A realidade do campo

Nas duas últimas décadas, notadamente a partir de meados dos anos 90, os setores produtivos nacionais foram obrigados a conviver com obstáculos inimagináveis em qualquer economia considerada razoavelmente moderna e civilizada. Entre outras adversidades, primeiro enfrentou uma inflação draconiana e depois drástica redução do crédito e juros estratosféricos. Estes dois últimos obstáculos persistem até hoje.

Resultado desta política econômica incoerente e ineficaz: queda significativa da atividade industrial, estagnação do consumo no mercado interno, desequilíbrio da balança comercial e brutal aumento da dependência do País em relação ao capital internacional. O reflexo foi o pífio crescimento do Produto Interno Bruto-PIB neste período, com conseqüências trágicas no perfil do tecido social brasileiro.

O desemprego aumentou vertiginosamente e a criminalidade também. São duas das muitas chagas sociais que, ao lado da obsessiva preocupação monetarista e fiscal do Poder Público, têm mantido a sociedade brasileira à beira de um ataque de nervos nos últimos tempos.

Mas, a despeito dos obstáculos já apontados, existem coisas boas acontecendo neste País. E o maior exemplo vem do campo. Sim, do campo, onde os líderes do MST-Movimento dos Sem Terra consideram que deve haver uma revolução.

As lideranças do MST sugerem em suas declarações que no campo brasileiro ainda vigora a mesma situação do período colonial e, por isso, defendem e incentivam invasões de terra à margem da Lei. Isto ficou claro há dias, quando o destemperado e alucinado chefe maior do MST, João Pedro Stedile insuflou os milhões de militantes do Movimento a acabarem literalmente com fazendeiros. Ou não é esta a conclusão das seguintes frases do referido discurso de Stedile?: “A luta camponesa abriga hoje 23 milhões de pessoas. Do outro lado há 27 mil fazendeiros. Essa é a disputa. Será que 1.000 perdem para 1? O que nos falta é nos unirmos. Para cada 1.000 pegaremos 1. Não vamos dormir até acabar com eles”.

O líder do MST atentou contra o estado de direito e a democracia. E fez isto mentindo. É completamente falsa a idéia que ele procura passar aos seus companheiros e à própria opinião pública, segundo a qual o produtor rural brasileiro é incompetente e explorador.

Claro que a reforma tributária já tarda e que no campo, assim como na cidade, há maus empresários. Todavia, é preciso lembrar que os nossos agricultores, aqueles que no ano passado produziram um superávit de US$ 23 bilhões nas exportações, travam uma guerra antiga contra a improdutividade.

Números incontestáveis da economia nacional mostram que nos últimos 20 anos a safra agrícola do País mais que dobrou. Saiu de 41 milhões de toneladas de grãos para 106 milhões. E promete fechar 2003 com mais de 120 milhões de toneladas de grãos, caminhando para ser, num futuro breve, o maior exportador neste segmento, superando até os Estados Unidos.

Além disso, a pecuária nacional, hoje dona do maior rebanho do Planeta, com cerca de 170 milhões de cabeças de gado, triplicou a exportação e o abastecimento interno. Neste mesmo período, a taxa de ociosidade das terras brasileiras, o indicador maior da improdutividade, caiu de 11% para 5%. Isto tudo, é oportuno observar, sem subsídios públicos. Enfim, o Brasil só não quebrou de vez graças à agricultura nacional, a verdadeira âncora que manteve a estabilidade do Real e o setor que mais gerou empregos, renda e divisas externas nas últimas décadas.

É evidente que a Reforma Agrária é urgente, principalmente porque pode ser um eficaz instrumento em favor da justiça social e um avanço no esforço de tornar a ocupação do campo mais justa, racional e produtiva. Mas o modelo de distribuição de terra defendido pelo MST atenta contra todos estes objetivos. Pior, atemoriza os agricultores e inibe novos investimentos na área, indispensáveis para o grande projeto que visa tornar o Brasil o maior celeiro de alimentos do Mundo.

O Governo deve e precisa assumir sua responsabilidade neste caso: agilizar a Reforma Agrária e enquadrar nos limites da Lei os devaneios de aventureiros, que manobram ideologicamente a boa fé de milhões de brasileiros que alimentam o legítimo sonho de tirar da terra o sustento de suas famílias.

Paulo Saquy é vereador em Ribeirão Preto e professor dos cursos de Odontologia da USP-RP e da Unaerp. (Artigo publicado no Jornal Tribuna de Ribeirão Preto no dia 31 de julho de 2003).

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