Até pouco tempo atrás os paulistas Marco Antonio Bologna e Fernando Terni tinham pouco em comum. Apesar da mesma formação – ambos se graduaram em engenharia -, os executivos trilharam carreiras distintas. Bologna seguiu mais de duas décadas em bancos até se tornar executivo da companhia aérea TAM, onde permaneceu oito anos – os três últimos como presidente, até 2007. Terni construiu boa parte da sua vida profissional nas multinacionais ABB e Nokia. As semelhanças começaram quando ambos aceitaram a proposta de se tornar o primeiro presidente profissional à frente de duas empresas familiares – a construtora WTorre e a cervejaria Schincariol. Em fevereiro de 2008, Bologna assumiu a diretoria-geral da WTorre, fundada pelo engenheiro Walter Torre. Um ano antes, Terni se tornara presidente da fabricante de bebidas Schincariol, em substituição a Adriano Schincariol, filho do fundador da empresa. O caminho deles se cruzou definitivamente na primeira quinzena de dezembro último. Com uma diferença de apenas um dia, ambos deixaram suas cadeiras. Bologna permaneceu somente dez meses na WTorre. Oficialmente, a construtora informou que o executivo saiu porque aceitou uma proposta ainda sigilosa de outra companhia – e fechou a vaga por tempo indeterminado. Terni, que planejava permanecer três anos no cargo, ficou apenas um ano e dez meses. Adriano Schincariol anunciou a decisão de voltar ao comando do negócio, também sem data para contratar outro profissional para o posto. (Procurados por EXAME, Bologna e Terni preferiram não se manifestar.)
Os dois casos, guardadas as devidas diferenças, representam a típica (e, em geral, breve) trajetória do primeiro executivo não-acionista a comandar empresas familiares. Os especialistas são unânimes ao descrever a saída do dono do comando como uma transição complexa – já que muda de maneira profunda a ordem e os papéis que prevaleceram anos a fio. Trata-se de algo ainda mais complicado na primeira experiência, quando ninguém conhece as arestas do novo jogo de poder dentro da companhia (veja quadro ao lado). “Em geral, o primeiro presidente não-acionista dura pouco mais de um ano no cargo”, diz o headhunter Luiz Carlos Cabrera, sócio da PMC Associados. Segundo levantamento da Cabrera com 38 empresas brasileiras, esses pioneiros duram, em média, 14 meses na posição. A estatística mostra que os representantes da segunda geração de executivos profissionais tende a permanecer mais tempo no cargo: três anos.
Uma das razões que levam os pioneiros a ter vida curta nas empresas familiares é que muitas vezes eles são contratados pelos motivos errados – um deles é a missão dada ao forasteiro de lustrar a imagem da empresa perante o mercado. “Querer parecer profissional não basta para uma transição bem-sucedida”, diz John Davis, professor de Harvard e um dos maiores especialistas do mundo em negócios familiares. Trata-se de um equívoco freqüente em empresas à caça de investidores ou sócios. Segundo executivos e consultores próximos à WTorre, esse foi o caso da construtora. Nunca houve a disposição real dos sócios de deixar a operação. Nos dez meses em que permaneceu no cargo, Bologna dividiu espaço numa estrutura atípica em que Walter Torre e Paulo Remy permaneceram no dia-a-dia, ocupando a posição de presidente executivo e de vice-presidente, respectivamente. A principal missão de Bologna como diretor-geral era transmitir credibilidade a bancos e potenciais investidores numa esperada abertura de capital. O histórico da companhia nessa seara não era dos melhores. Em 2007, teve de interromper uma tentativa de estréia pela falta de interesse de investidores. Parte da proposta de Bologna deu certo. Em junho, ele amarrou a conversão de 770 milhões de reais em dívidas com os bancos Santander e Votorantim em participação acionária. (Hoje, os dois detêm 14,5% da WTorre.) Com a crise financeira mundial e o adiamento dos planos de abrir o capital, porém, o cargo se esvaziou. “Espremido nessa estrutura e sem perspectiva de abrir o capital no curto prazo, Bologna optou pela saída”, diz um executivo próximo à empresa.
O que dá errado
No caso da Schincariol, a mudança no comando partiu de um projeto elaborado pela consultoria McKinsey. Com o apoio da companhia de recrutamento Egon Zehnder, os herdeiros também decidiram contratar um presidente. O momento era delicado. Adriano assumira o comando da empresa em 2003, após o misterioso assassinato de seu pai, José Nelson Schincariol. Mais tarde, foi preso pela Polícia Federal, suspeito de sonegação de impostos. O escolhido para assumir o cargo de Adriano foi Fernando Terni, até então presidente da subsidiária brasileira da fabricante de celulares Nokia. Assim que chegou à cervejaria, Terni estabeleceu um projeto de três anos com a proposta de renovar a diretoria, redesenhar processos e fazer a Schincariol crescer. Contratou dez diretores, concluiu a instalação de um software de gestão na companhia e fez três aquisições – as das cervejarias Baden-Baden, Devassa e Nobel. Em 2007, as vendas cresceram 24% e chegaram a 4,5 bilhões de reais. Ironicamente, esses resultados ajudaram a afastá-lo do cargo. “É a situação clássica em que os donos vêem a empresa mais arrumada e querem colocar a mão na massa novamente”, afirma um executivo próximo à Schincariol. “A economia e o mercado enfrentam um momento de grande volatilidade”, afirma Adriano Schincariol num comunicado. “Por isso resolvemos estar mais próximos do dia-a-dia do negócio.”
Eles duram pouco
Uma das maneiras de tentar escapar da sina do primeiro presidente é criar etapas de transição, de modo que o forasteiro vá ganhando, aos poucos, poder e conhecimento dentro da companhia. “Assim o escolhido tem tempo para perceber os potenciais pontos de conflito”, diz Darcio Crespi, sócio da empresa de headhunting Heidrick & Struggles. Esse foi o caminho seguido na Usina São Martinho, controlada pelo paulista João Guilherme Ometto, de 68 anos. Ometto, que abriu o capital de sua empresa em fevereiro de 2007, decidiu contratar um executivo – e o escolhido foi o engenheiro paulista Fábio Venturelli, de 44 anos. Venturelli era vice-presidente global de desenvolvimento estratégico da Dow e trabalhava na sede da companhia, em Michigan, nos Estados Unidos. Nos primeiros meses de São Martinho, ele ocupou o cargo de vice-presidente. Durante quase um ano, Venturelli acompanhou Ometto em seus compromissos profissionais – enquanto elaborava a estratégia da companhia para as próximas duas décadas. Em agosto de 2008, Ometto passou à presidência do conselho e Venturelli assumiu a presidência executiva. “O período de transição foi fundamental para eu conhecer melhor a empresa”, diz Venturelli. Logo ficará claro se o “estágio” vai garantir que ele escape da maldição.