A Agência Internacional de Energia (AIE) já admite a necessidade de racionamento de energia caso a produção do petróleo diminua 1 milhão a 2 milhões de barris por dia, algo equiparável à produção brasileira. A escassez decorre basicamente de uma demanda crescente (particularmente por parte dos EUA e da China), que empurrou o preço do petróleo para mais de US$ 55 o barril, sem suscitar um aumento expressivo da produção. O mercado continua dominado pela volatilidade dos preços e, sobretudo, pela incerteza quanto à possibilidade de aumento da oferta. A curto prazo, subsistem riscos de desestabilização política de alguns dos grandes fornecedores. A médio, predomina a dúvida sobre a capacidade da Rússia de investir no aumento da produção e do Iraque em retomar o volume de suas exportações.
Não se trata mais de uma oportunidade circunstancial, criada pelo aumento temporário dos preços do petróleo
Em face das perspectivas sombrias no mercado do petróleo, as atenções se voltam para alternativas. Com referência à geração de eletricidade, a opção volta a ser a energia nuclear. Na França, a nuclear já representa mais de 60% da produção de eletricidade. Na Alemanha, onde o programa nuclear foi paralisado pela pressão do Partido Verde, já se cogita rever a questão.
No setor de transportes, em que o petróleo ainda representa 98% do consumo na Europa, a alternativa mais atraente é a bioenergia. A OCDE publicou no ano passado, sob o título “Biocombustíveis para o Transporte”, estudo abrangente sobre os projetos em curso em diferentes países para desenvolver a bioenergia, em que avalia os custos de produção e os benefícios em termos de substituição de energia, proteção do meio ambiente, emprego, comércio e desenvolvimento.
As considerações de ordem ambiental são outro fator para a retomada do interesse pelo álcool. A aprovação do Protocolo de Kyoto pôs em vigor as obrigações assumidas por seus signatários para reduzir em 5,2% as emissões de gás com efeito estufa até 2012. A União Européia já havia autorizado a mistura de até 5% de etanol à gasolina; agora aprovou a recomendação de elevar o consumo de biocombustíveis a 5,75% do consumo total de energia no setor de transportes até 2010. A parte do etanol poderá representar mais de 1,5 bilhão l.
Por fim, as preocupações com a geração de empregos, com a redução da pobreza e o desenvolvimento da agricultura em economias de baixa renda oferecem argumentos adicionais para a adoção do etanol em países em desenvolvimento, inclusive para tirar proveito do mecanismo do desenvolvimento limpo.
O cenário dificilmente poderia ser mais propício para o álcool. Não se trata mais de uma oportunidade circunstancial e episódica, criada pelo aumento temporário dos preços do petróleo ou pela alteração dos preços relativos entre o açúcar e o álcool. Trata-se de um processo relativamente estável de demanda crescente por um combustível que já fez a demonstração de sua viabilidade técnica e econômica no Brasil, em mais de três décadas de experiência, recentemente enriquecida com a introdução do “flex fuel”. Os produtores brasileiros serão, assim, beneficiários naturais da expansão do mercado de biocombustíveis. Mas deverão estar atentos ao fato de que a produção de etanol nos EUA já está próxima da brasileira e algumas modalidades alternativas já parecem razoavelmente avançadas, como a conversão de celulose em etanol (o Canadá deve inaugurar uma usina com certa escala em 2006).
O Brasil tem a oportunidade e o interesse de desenvolver uma estratégia abrangente e continuada para promover o mercado do álcool e a sua posição privilegiada nele. Algumas ações mereceriam ser consideradas:
a) uma campanha de informação para dissipar dúvidas que ainda subsistem nos meios especializados no que diz respeito ao balanço ambiental do programa e ao efeito do combustível sobre os motores. A embaixada está examinando com a AIE o interesse de organizar um seminário técnico sobre a experiência brasileira;
b) concentrar esforços para remover as barreiras que já existem à exportação do álcool (especialmente nos EUA) e, sobretudo, impedir que a adoção de um programa do álcool em novos mercados venha junto de mais subsídios agrícolas ou novas barreiras tarifárias;
c) realizar um verdadeiro trabalho de marketing junto a potenciais países consumidores, para sensibilizar os meios interessados e a própria opinião pública sobre os benefícios econômicos, ambientais e sociais do etanol;
d) por fim, buscar superar desconfianças e resistências de setores econômicos, como a indústria petroleira, que teme perder o refino do petróleo, mas pode se tornar parceira na distribuição do álcool.
Chegou a vez do álcool. O seu potencial, em que sempre acreditamos, já é uma realidade. Mas seria preciso aproveitar o momento para promover a experiência brasileira e os seus benefícios. Os investimentos em combustíveis alternativos são elevados e, em alguns anos, os concorrentes serão muitos.
Sérgio Silva do Amaral, 60, diplomata, é o embaixador do Brasil em Paris. Foi porta-voz da Presidência da República e ministro do Desenvolvimento (governo Fernando Henrique).