Similar ao que ocorre na economia, em que os empreendimentos somente terão sustentabilidade econômica se os ganhos forem substancialmente superiores aos investimentos, na agroenergia a situação não poderia ser diferente: deve-se sempre otimizar o ganho de energia em relação a quantidade investida para fazer agricultura. A Embrapa Agrobiologia, consciente dessa situação, vem realizando estudos de balanço energético em diferentes sistemas agrícolas, especialmente naqueles voltados para a produção de energia, ou bioenergia. A hipótese proposta é que qualquer programa bioenergético somente terá sustentabilidade técnica e ambiental se o balanço energético for expressivamente positivo. Isto, na prática, significa que a quantidade de energia em produtos como álcool da cana-de-açúcar, diesel de soja, carvão de capins ou de eucalipto, entre outros, deve ser significativamente maior que toda a energia fóssil investida para obtenção destes produtos, incluindo-se aí a fase agrícola e a industrial, buscando-se sempre não causar danos ao meio ambiente.
Com base no que foi estabelecido acima, balanços energéticos realizados pela Embrapa Agrobiologia indicam que, para as condições atuais da agricultura brasileira, somente as culturas de cana de açúcar, com um balanço energético de 9 para 1 na produção de etanol (produção de 9 unidades de energia para cada 1 unidade de energia fóssil investida); de dendê, com 2,3 para 1, na produção do biodiesel; e de capim elefante, com 25 para 1, na queima direta da biomassa seca em fornos, se enquadrariam em um programa sustentável de produção de energia renovável. Soja e girassol foram avaliados para produção de biodiesel, mas apresentaram um balanço energético próximo da unidade, ou seja ganha-se quase a mesma quantidade de energia em relação a investida.
Deve-se considerar também a produtividade das culturas. Por exemplo, um hectare de dendê produz cerca de 18 toneladas de frutos (cachos), mais de seis vezes a produtividade média de grãos de soja. Como o dendê e a soja apresentam os mesmos teores de óleo (média de 18 a 20% de óleo), um hectare de dendê pode produzir seis vezes mais biodiesel que um de soja. Assim, espera-se que nos programas agroenergéticos seja necessário levar em conta também o parâmetro produtividade na seleção de espécies/variedades bioenergéticas.
Estudos recentes desenvolvidos pela Embrapa Agrobiologia demonstram que o capim elefante é a espécie com maior potencial bioenergético, quando em uso direto como fonte de energia, produzindo mais de 490 GJ/ha (unidade de medida utilizada para energia) com balanço energético próximo de 25 para 1, muito superior a qualquer outra cultura bioenergética atualmente disponível no País. A redução na dependência das culturas por insumos agrícolas, assim como melhoria dos processos industriais, são caminhos para otimizar o balanço energético das culturas e ampliar as opções para se conseguir energia renovável de forma sustentável. Dentre os insumos agrícolas, o fertilizante nitrogenado, essencial para garantir bons rendimentos na maioria das culturas com potencial energético, é o que demanda mais energia fóssil na sua síntese, e influi significativamente para aumentar o custo energético das culturas. Por isso, a racionalização de seu uso será cada vez mais importante. Frente a isso, a fixação biológica de nitrogênio (FBN), um processo bioquímico pelo qual bactérias associadas à planta conseguem transformar o N2 do ar em adubo, também é cada vez mais importante na agroenergia.
A Fixação biológica de nitrogênio (FBN) e a agroenergia
A síntese dos fertilizantes nitrogenados depende do uso de energia fóssil na razão de 78,1 MJ/kg N, e esta energia é transferida para o custo energético das fontes renováveis de energia, quando se adubam a cana, o dendezeiro, o capim etc. De modo contrário, na FBN, bactérias diazotróficas utilizam parte da energia derivada da fotossíntese das plantas para transformar o N2 do ar em amônia, que fica disponível para utilização pelas plantas. Ou seja, espécies vegetais capazes de se associarem de forma eficiente com bactérias diazotróficas são adubadas naturalmente com nitrogênio, contribuindo para uma enorme economia de energia fóssil por não usarem fertilizante nitrogenado.
Várias culturas agroenergéticas do Brasil estão associadas com bactérias diazotróficas, ou fixadoras de N2 do ar. No caso da cana-de-açúcar, atualmente a FBN vem contribuindo, em média, com 35% da demanda total de N da cultura. Em condições mais favoráveis, ou seja, adequada umidade, boa disponibilidade de molibdênio (micronutriente essencial para a FBN) etc, a FBN pode fornecer até 60% do nitrogênio que algumas variedades de cana-de-açúcar precisam para se desenvolverem. Dessa forma, a FBN associada a esta cultura contribui de forma concreta para alta produtividade da cultura e para um balanço energético altamente positivo, um diferencial na produção de álcool combustível no mundo.
Nos casos de culturas de grande rendimento energético e que demandam altos níveis de nitrogênio, a FBN pode contribuir também de forma indireta através do uso da adubação verde com leguminosas. Os adubos verdes acumulam significativas quantidades de nitrogênioderivado do ar via FBN, e quando estes são cultivados de forma consorciada (dendê e kudzu, por exemplo) ou em rotação de culturas (cultivo de crotalária na renovação do canavial, por exemplo), contribuem de forma significativa para diminuir a demanda de fertilizante nitrogenado, e consequentemente contribuirão também para um balanço energético mais positivo na produção de biocombustíveis
* São pesquisadores da Embrapa Agrobiologia.