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À espera de uma nova onda verde

Assim como é certo que o agronegócio de grãos passa por maus bocados, principalmente no Sul e no Centro-Oeste, poucos duvidam que existe uma oportunidade histórica no horizonte agroindustrial do país. Os sinais são de que vem aí uma rápida expansão na produção de etanol de cana-de-açúcar, o combustível alternativo que o mundo agora deseja. Por razões de tecnologia e logística de transporte, o principal estado beneficiado será, num primeiro momento,São Paulo, já hoje líder absoluto em produção. Justamente aquele que, por vários fatores, como a forte presença da cana e da laranja em sua economia agrícola, a diversificação de suas culturas e pelo fato de os preços internacionais do álcool, açúcar e suco de laranja terem sido favoráveis, menos sofreu com a derrocada dos negócios agrícolas em 2005.

Em tempo de atividade morna, a boa notícia é que em 2005 a rentabilidade das maiores do Sudeste se manteve nos níveis de 2004, um ano bem mais aquecido Mas não apenas São Paulo e estados adjacentes serão os favorecidos por essa nova onda verde que vem vindo. Segundo especialistas da área, também o Nordeste, o Centro-Oeste e até o Sul, em menor escala, poderão ser aquinhoados. Basta para isso que se melhore a infra-estrutura para escoamento da produção nos próximos anos. No caso do Centro- Oeste, já teve início uma certa diversificação de culturas. Ou seja, a região deixou de se concentrar apenas na produção de soja e na pecuária. “O Centro-Oeste está caminhando para a produção de cana-de-açúcar e há agricultores de Goiás cuja perspectiva é aproveitar a onda dos combustíveis alternativos”, informa Marcel Pereira, economista chefe da RC Consultores.

A reorganização econômica brasileira dos últimos 25 anos tem provocado uma paulatina descentralização, algo facilmente verificável nas séries históricas da evolução dos PIBs regionais calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). À medida que os estados mais ricos vêm reduzindo, ano a ano, sua superioridade em relação ao resto do país, surgiram e foram se expandindo economias estaduais emergentes no Centro-Oeste e no Norte.

Os especialistas acham que a tendência deve se manter e haverá apenas uma reacomodação natural no traçado do mapa nacional da riqueza a partir da ascensão da cana. “As culturas que forem dando lugar à cana migrarão para outras regiões. Isso já vem ocorrendo desde que São Paulo, por exemplo, decidiu se especializar em cana e laranja e o Rio Grande do Sul viu esgotado seu estoque de terras cultiváveis”, diz o economista Fábio Ribas Chaddad, do Ibmec-SP.

Obs.: dados de 2000 extraídos do ranking das 1000 maiores publicado na edição 2001 do anuário. Os estados do Amapá e Roraima não apresentaram empresas entre as 1000 maiores

De fato, um exame do comportamento das maiores corporações dos blocos regionais brasileiros confirma que situações já consolidadas não mudam de forma abrupta. Pelo levantamento de Valor 1000, a receita líquida das maiores do Sudeste cresceu de R$ 795,9 bilhões em 2004 para R$ 878,9 bilhões em 2005. Ainda que historicamente a região detenha a supremacia absoluta no concentrado panorama da economia brasileira, o seu percentual de participação no total das empresas do ranking nacional vinha caindo paulatinamente, como comprovam os dados das edições dos últimos cinco anos. Esta situação, contudo, se inverteu em 2005, quando o faturamento das empresas do Sudeste representou 74,2% do total, superando os 72,6% de 2004.

As indústrias da Zona Franca de Manaus crescem a taxas maiores que a chinesa, beneficiadas pela demanda reprimida por duráveis desde meados de 2003 Num ano ruim para a economia nacional, a nota positiva foi que em 2005 a rentabilidade das maiores corporações do Sudeste se manteve nos mesmos níveis do ano anterior, considerado bom para a economia em geral. Em 2004, o lucro sobre o patrimônio da região havia sido de 18,9%. Com os 19% de rentabilidade de 2005, o Sudeste bateu de longe todas as outras regiões. A que mais se aproximou foi o Norte (13,8%). O Sul e o Nordeste empataram (11,9%) e o Centro-Oeste teve um desempenho negativo (-5,5%). Ainda que o crescimento do faturamento das 50 maiores do Sudeste tivesse sido de 18,5% entre 2003 e 2004, em comparação com apenas 13,2% em 2005 (marca que se aproxima do aumento de 13,6% de 2002, ano conturbado pelas eleições gerais), essa taxa superou as registradas pelas demais regiões.

Em termos de capacidade de geração de recursos próprios (Ebitda), as maiores empresas do Sudeste ficam em segundo lugar, alcançando a margem de 20,1%, só perdendo para o Nordeste (com índice de 21,7%). A geração de valor das maiores empresas das demais regiões foi a seguinte: Norte (16,9%), Centro-Oeste (13,6%) e Sul (10%). No quesito liquidez corrente, o índice mediano do Sudeste chegou a 1,38 ponto, só superado, novamente, pelo Nordeste (com 1,42 ponto). A liquidez de curto prazo das demais regiões registrou as seguintes médias: Norte (1,37 ponto), Sul (1,31 ponto) e Centro-Oeste (1,25 ponto).

Ao desagregar o PIB de 2005 por regiões, o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, verifica que o Nordeste e o Norte tiveram um ano muito bom (pelo impacto do reajuste do salário mínimo em 8% no ano), o Sul e o Centro-Oeste amargaram um crescimento perto de zero, em razão do fracasso do agronegócio, e a situação no Sudeste foi razoável. “O Sudeste se manteve por força das indústrias de veículos automotores, petróleo e etanol.”

Segundo Borges, os dados do comércio varejista do IBGE para o Norte e Nordeste apontam para crescimento maior que 10% em 2005, praticamente o dobro do observado no Brasil como um todo, ainda que se parta de uma base muito fraca nessas regiões. “O aumento real de 8% no salário mínimo teve efeito também sobre as indústrias locais, mais voltadas para os bens de consumo”, diz.

Com base no PIB, Norte e Nordeste tiveram um 2005 muito bom, Sul e Centro-Oeste amargaram um crescimento próximo a zero, e a situação do Sudeste não comprometeu Em relação ao Nordeste, o economista Pereira, da RC Consultores, destaca a importância do pólo de desenvolvimento tecnológico pernambucano, no Recife, e os investimentos da Petrobras na costa marítima, além da perspectiva de construção de uma refinaria de petróleo no estado, em associação com os venezuelanos. No primeiro trimestre de 2006, o comércio da região metropolitana do Recife, a segunda maior do Nordeste, teve o extraordinário avanço de 16%. Ou seja, o movimento que ganhou força em 2005 tornou-se ainda mais robusto em 2006.

No Norte, em território amazonense, foi onde se observaram os maiores ganhos da produção industrial, graças à pujança da Zona Franca de Manaus. O aumento do consumo de eletroeletrônicos e outros bens duráveis acelerou a produção da Zona Franca, cujos empresários aproveitam o benefício fiscal oferecido. Pelos dados do IBGE, em 2005 a indústria amazonense – puxada pelas boas vendas de televisores, celulares, produtos da linha branca, computadores e motocicletas – registrou uma produção 12,1% superior à de2004, cerca de quatro vezes a mais que a média nacional, de 3,1%.

No caso da indústria de material eletrônico e de equipamentos de comunicações, o crescimento foi ainda maior: incríveis 23,9%. Na visão de Borges, a Zona Franca cresce a taxas altíssimas porque se beneficia com a demanda reprimida por duráveis desde o segundo semestre de 2003. Para Pereira, outra grande referência do Norte é a região de Carajás, no sul do Pará, com seu minério de ferro voltado para o setor exportador. A demanda chinesa pela commodity não dá trégua à sua extração por parte, novamente, da Vale do Rio Doce.

A ASCENSÃO DO ETANOL

As implicações geopolíticas da impressionante escalada no preço do petróleo, o combustível número 1 na matriz energética do planeta, empurram quase todos os países adiantados à busca de alternativas. É emblemático, por exemplo, que um homem com o descortino de Bill Gates, fundador da Microsoft, tenha comprado 25% de uma grande companhia americana de etanol para produzir álcool de milho nos Estados Unidos. Mas a principal aposta parece recair sobre o álcooletílico de cana. Tanto que os olhos de grandes corporações internacionais se voltam para o Brasil (mais especialmente para São Paulo), detentor há 30 anos da melhor tecnologia em usinas de álcool do mundo e que já mistura 20% de álcool na gasolina, em média, há muito tempo.

As corporações internacionais voltam sua atenção para o Brasil, detentor há mais de 30 anos da melhor tecnologia em usinas de álcool do mundo Ao contrário do Proálcool (programa oficial de etanol), que foi impelido pelo setor público, desta feita o impulsionador é a iniciativa privada. Alguns gigantes multinacionais já se instalaram de mala e cuia no interior paulista em 2006. É o caso da trading americana Cargill, maior comercializadora global de alimentos, que diversifica atividades e assume o controle de uma grande e tradicional usina de álcool e açúcar brasileira. Sem falar em megainvestidores, como o húngaro George Soros, que perambulam pelo Sudeste brasileiro, fechando negócios com usineiros. Também não deixa de ser simbólico que jovens e bem-sucedidos empreendedores como Larry Page e Sergey Brin, do Google, tenham visitado regiões canavieiras de São Paulo, em 2006, à caça de oportunidades.

Só para se ter idéia da magnitude dos negócios que apontam por aí, basta dizer que se os Estados Unidos, que hoje misturam, em média, 3% de etanol na gasolina, passarem a misturar 4%, isso equivaleria à produção total de etanol do Brasil. “Ou seja, o consumo anual de 1% a mais de etanol pelos americanos representaria o que nossas usinas produzem num ano”, diz Chaddad, do Ibmec-SP.

Segundo ele, há entre 90 e 100 projetos para construir novas usinas de álcool em São Paulo e estados adjacentes, como Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. “O etanol é a bola da vez, e a expansão da área plantada de cana em São Paulo e estados próximos será uma transição que vai demorar dez anos”, calcula. O período de transição está mais relacionado com a questão social do que com qualquer outra coisa. Sabe-se que, por causa de pressões ambientais, a tendência é de acabar com a queima de cana e passar para a colheita mecânica. Isso vai tirar emprego de muita gente que depende da colheita manual para viver. “A resolução dessa equação levará uma década.”