O Brasil produziu, em 2004,146 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (Mtep), enquanto o consumo foi de 185 Mtep. Assim, tivemos que importar 39 Mtep, ou seja, 21% do consumo total. Essa dependência se estende também à eletricidade cuja importação se situou, naquele ano, em 8% do consumo. Os exportadores foram Paraguai, Argentina, Uruguai e Venezuela.
Todo país dependente da importação de energia deve priorizar o uso das fontes energéticas de que dispõe. Em nosso caso, por exemplo, uma alternativa é o urânio – energia limpa e competitiva em custo – em vez de gás importado, energia poluente. Devemos tratar de reduzir a dependência e não de aumentá-la.
O Brasil tem o terceiro potencial hidrelétrico do mundo, depois do Canadá e dos Estados Unidos, a sexta reserva mundial de urânio, importante potencial de bioenergia – etanol e biodiesel – eólica e solar. Além disso, estamos atingindo a auto-suficiência em petróleo. Quanto ao gás natural, atendemos a 66% do consumo. É muito promissora a bacia de Santos cuja exploração é estimada para 2010.
Nosso potencial hidrelétrico é de 260 gigawatts (GW), do qual estamos usando apenas 25% na geração de eletricidade. Há, portanto, muita água para acionar turbinas e gerar energia. Nosso parque industrial já produziu turbinas de 700 megawatts (MW) de potência, as maiores do mundo, para a Usina de Itaipu. Estamos capacitados a desenvolver os inúmeros aproveitamentos hidrelétricos de que dispomos cuja economicidade os justifique e as salvaguardas ambientais atendidas. E claro que o potencial hidrelétrico não pode ser convertido em sua totalidade na geração de eletricidade.Esta a nossa prioridade. As características do desenvolvimento de recursos hídricos, por seu elevado investimento e dada sua economicidade, fazem com que sejam explorados na ordem dos que gerem o kWh mais barato, inclusive custos de transmissão, em comparação com as alternativas de gás, nuclear e carvão. Os aproveitamentos das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, estão sendo retardados por dúvidas do Ibama e das autoridades bolivianas. A demora no início das obras aumenta o risco de outro apagão.
Doravante, com a necessidade de desenvolvermos megaprojetos na Amazônia os problemas ambientais se avolumam devido a dispositivos constitucionais e legais de proteção à herança indígena constituídas por cemitérios, locais de antigas tabas e outros.
A utilização ótima dos recursos energéticos requer equilíbrio entre as diversas fontes. Durante um período de hidrologia deficiente as fontes de energia térmica (inclusive nuclear) devem ter suficiente capacidade de reserva para suprir as necessidades do consumo sem restrições. No recente apagão sofremos as conseqüências da inexistência dessa reserva o que obrigou os consumidores a aceitarem fortes restrições ao uso de eletricidade.
O acordo com a Bolívia para importação de gás e a construção do gasoduto deram início a nova era no Brasil – a do gás natural – e a crescente dependência energética. Importamos turbinas, construímos usinas, adaptamos caldeiras e automóveis para queimar gás, desenvolvemos a tecnologia do flexfuel para usar etanol ou gás. Não havia outra opção dado o tempo requerido para construir hidrelétricas em comparação com a importação e instalação de turbinas a gás. Como a geração a gás emite dió-xido de carbono estamos aumentando nossa contribuição ao efeito estufa, diminuindo a limpeza de nossa matriz de energia elétrica e elevando nossa dependência energética.A solução foi importar gás natural da Bolívia. Plenamente justificada, relevada a imprevidência, dada a maior rapidez no aumento da capacidade instalada através da importação de turbinas e sua instalação. Implicou, no entanto, no aumento da dependência energética, na deterioração da matriz de energia elétrica e na vulnerabilidade a que ficamos expostos. Não reativamos a construção de Angra 3, paralisada há dois decênios, que nos daria energia limpa e nacional. A Argentina, exportadora de mais de 40% da energia que produz, estava em situação idêntica à nossa no que se refere a energia nuclear, com duas usinas em operação (Atucha 1 e Embalse) e uma paralisada (Atucha 2), cujas obras foram reativadas em 2005.
Os quatro países do BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – ditos emergentes e candidatos ao primeiro mundo, estão entre os dez com maior potencial hidrelétrico. Todos, menos o Brasil, exploram seus vastos recursos hidráulicos, de carvão, petróleo e gás ao mesmo tempo em que executam robustos programas nucleares. A China tem dois reatores em operação, cinco em construção, 13 planejados e 50 propostos. A Rússia tem 31 reatores em operação, três em construção, oito planejados e 18 propostos. A Índia tem 16 reatores em operação, sete em construção, quatro planejados e 20 propostos.
Infelizmente, o programa nuclear a que funcionários do governo têm feito referência é modesto. Além da reativação das obras de Angra 3, pequenas usinas no Nordeste. Parece não levar em consideração a crescente dependência de gás natural, seus efeitos sobre o meio ambiente e o dispêndio em divisas. Alem do gás boliviano, há conversações sobre a importação de gás de Camisea, no Peru, e o gasoduto bolivariano, com o custo estimado em US$ 20 bilhões, com contratos de importação de longo prazo perenizando e aumentando nossa dependência energética.
Países europeus importam gás natural da Rússia, mas têm sofrido com o uso político que o fornecedor lhes vem impondo. A França acaba de assinar contrato com a Rússia para a importação de grande volume de gás e teve que permitir sua entrada no mercado distribuidor. Em janeiro de 2006, a Ucrânia enfrentou acirrada disputa com a Rússia sobre o aumento arbitrário do preço do gás. Esta simplesmente suspendeu o fornecimento. Em conseqüência as residências em Kiev ficaram sem calefação durante o frio inverno do norte europeu. A Ucrânia se rendeu. Mas aprendeu a lição. País onde ocorreu a catástrofe de Chernobyl, conta com 15 reatores nucleares que fornecem 50% da eletricidade consumida. Iniciou um programa para a construção de mais 11 a fim de elevar a 66% do consumo a geração de núcleo eletricidade. Preferiu arrostar o risco atômico à realidade do monopólio da Gazprom.
Parece que os estadistas brasileiros preferem a dependência do gás importado – do qual não necessitaremos depois de 2010 se a promessa da bacia de Santos se tornar realidade. Evo Morales nos impôs amarga lição e devemos ter presente que a dependência do gás bolivariano – as reservas da Venezuela – oito vezes maiores que as da Bolívia – se enquadra em outra equação. Basta pensarmos no efeito que uma greve de operários no estado de Sucre resultando na paralisação do bombeamento do gás para o sul, o que aconteceria no Brasil e como reagiríamos. Vale a pena lembrar que energia tem profundas ligações com riqueza, poder e soberania.