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A contenção de Chávez

Durante a reunião dos chefes de governo do Brasil, Colômbia, Venezuela e Espanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais uma vez, manifestou integral apoio ao coronel Hugo Chávez. Quero dizer ao Chávez que não tenho nenhuma dúvida em afirmar, em qualquer lugar do mundo, que não aceitamos difamação contra nossos companheiros (…) A Venezuela tem o direito de ser um país soberano, de tomar suas decisões. Hugo Chávez, por sua vez, comoveu-se com as palavras de Lula, e explicitou as acusações de que tem sido objeto: Nos acusam de desestabilizar a região, de estar fazendo uma corrida armamentista e de apoiar movimentos subversivos. Mas não negou a veracidade das acusações.

O presidente Lula, após ter reiterado a sua solidariedade a Chávez – dando a suas palavras um tom que motivou visível perplexidade no presidente Alvaro Uribe, da Colômbia, e no primeiro-ministro José Luiz Rodriguez Zapatero, da Espanha -, não deu à sua intervenção a seqüência que seria de esperar de um líder regional verdadeiramente preocupado com a estabilidade dos países vizinhos. Não explicitou o direito que a Colômbia, a Bolívia, o Peru e a mais longínqua Nicarágua também têm à soberania, não sendo tolerável que o governo da Venezuela ou os agentes do bolivarianismo apóiem, insuflem ou financiem movimentos insurrecionais naqueles países.

O fato é que o chavismo tem dado alento e abrigo a membros das Farc, o que já provocou uma crise que quase chegou ao rompimento de relações entre Colômbia e Venezuela. Também tem estimulado as atividades irregulares dos sandinistas, na América Central. Há dois meses, o governo peruano descobriu que um major rebelado, que tomou uma pequena cidade no sul do país, matando cinco policiais, fora financiado do exterior por um dos famigerados Círculos Bolivarianos. E o líder cocaleiro Evo Morales, que vem sistematicamente convulsionando a Bolívia, conta com o apoio de Chávez.

Além disso, a Venezuela se arma, a pretexto de enfrentar uma imaginária invasão por forças norte-americanas. Está comprando caças-bombardeiros e helicópteros de transporte e ataque na Rússia, bem como 100 mil fuzis de assalto – não por coincidência, o mesmo número de soldados que comporão as forças de reserva e de mobilização nacional que Chávez está criando, com comandos separados dos do Exército. Como as ameaças externas enunciadas por Chávez são ridiculamente implausíveis, esse esforço de militarização só se explica pela necessidade que o caudilho tem de ampliar o seu controle sobre a sociedade venezuelana e de exportar a sua revolução bolivariana.

Washington relegou a América do Sul à mais baixa prioridade de sua política externa. Não pode, no entanto, ignorar o potencial desestabilizador da Venezuela de Chávez na região. Cometeu, como de praxe nos assuntos hemisféricos, erros palmares no tratamento inicial da questão venezuelana. Agora, no entanto, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, moderou o tom, afirmando que os laços que unem a Venezuela e os EUA são muito fortes e as relações muito sólidas e que o governo americano não quer ser inimigo de Caracas. Deixou claro que não tentará conter Hugo Chávez por meio de pressões diretas.

Deixará a tarefa para a Espanha – que já atuou eficazmente na contenção das crises do Haiti e da Bolívia – e, principalmente, do Brasil. Ou seja, dará um crédito de confiança à tática do envolvimento amigável, do chamamento à razão, que foi empregada inicialmente pelo presidente Fernando Henrique e prosseguiu de maneira mais emocional com Lula.

Mas, para que isso dê certo, é preciso que o Brasil exerça, na plenitude, a sua liderança regional e a sua influência sobre o presidente Hugo Chávez, que se identifica com Lula a ponto de permitir-se brincadeiras, como chamá-lo de rei da mamona, numa referência ao programa do biodiesel, que Lula na véspera do encontro de cúpula dissera que resolverá todas as guerras do petróleo.

E exercer a liderança não se resume apenas a afagar Hugo Chávez. Implica a tarefa, decerto desagradável para Lula, de fazer o seu colega ver que as leis da mordaça que acabam de entrar em vigor conduzem a Venezuela inexoravelmente para uma ditadura declarada que a comunidade sul-americana de nações não poderá aceitar; e que a exportação da revolução bolivariana terá um custo que Chávez não conseguirá suportar.