Mercado

A China e a diplomacia brasileira

A China conseguiu, em novembro de 2004, arrancar do Brasil o que até então nenhum país com peso econômico semelhante lhe concedera: ser reconhecida como “economia de mercado”.

Para os chineses, este reconhecimento é relevante. A China foi aceita na Organização Mundial do Comércio – DMC, em 2001, como “economia em transição”, por 15 anos, porque o determinante peso do Estado na economia e no sistema financeiro, reforçado por um sistema político ditatorial, torna os subsídios uma prática cotidiana, influindo forte e decisivamente na formação dos preços.

Ao reconhecer a China como “economia de mercado”, o Brasil abriu mão do direito à única exceção provisória antidumping contida no acordo que permitiu a entrada daquele país na OMC: poder, para determinar o valor normal do produto chinês, usar a formação de preços de um terceiro país, porque, na China, eles são distorcidos pela intervenção estatal. Trata–se de uma salvaguarda, pela qual, enquanto a “caixa-preta” da formação dos preços na Economia chinesa não for aberta, processos para defesa dos países prejudicados ficam muito mais rápidos e menos sujeitos a contestações.

Agora, tendo-a reconhecido como “economia de mercado”, abre-se mão dessa salvaguarda. Portanto, daqui para a frente, ao fazer investigações antidumping para abrir um painel contra a China na OMC, o Brasil vai precisar levar em conta os preços e as informações coletadas na própria China. Na prática, vai ficar impossível comprovar que produtos chineses exportados para cá estejam com os preços artificialmente baixos, o que deixa a indústria brasileira em posição muito vulnerável.

A China, usualmente, pratica dumping em 17 setores, entre os quais máquinas e equipamentos, autopeças, material elétrico, laminados de aço, tecidos, confecções, calçados e brinquedos. Não se trata, portanto, de prejuízo futuro, um prejuízo potencial para a economia. É algo concreto, que hoje já ocorre. Aliás, não é uma competição desleal somente no preço. Produtos de qualidade inferior entram em nosso País sem se submeter às normas de certificação a que estão sujeitos os similares aqui fabricados. É, pois, uma dupla covardia, que arrasa setores da indústria nacional.

Se a China é o país contra o qual existe o maior número de medidas de defesa comercial aplicadas pelo governo brasileiro, por que o Brasil reconheceu a China como “economia de mercado”? Por motivação puramente política: para receber em troca o compromisso, assumido pelo governo chinês, de apoio à reivindicação brasileira de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Compromisso que acaba de ser descumprido: a China manifestou-se, recentemente, contra o aumento de cadeiras no referido Conselho. Isso significa que a deplorável, a insipiente declaração do Governo brasileiro, no final do ano passado, que considerou a China como “economia de mercado”, causando prejuízos concretos à economia nacional, não conseguiu, como contrapartida, nem mesmo o discutível ganho político de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

O Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse, pateticamente, que está decepcionado com a China, por não terem honrado o compromisso, mas que, mesmo assim, não devemos voltar atrás no reconhecimento daquele país como “economia de mercado”, porque corríamos o risco de represálias comerciais!

É mais uma derrota no rosário das trapalhadas da diplomacia brasileira, a qual, com a posse do Presidente Lula, proclamou uma ruptura em relação à política externa do governo FHC. A nova idéia força do nosso Itamarati, a partir de 2003, tem sido a de mudar a geografia econômica-comercial do mundo, criando uma ordem internacional alternativa, onde ficasse ostensivamente clara a liderança do Brasil.

Os resultados têm sido nulos: o Mercosul e o projeto sul-americano não avançam, ao contrário, cresceram os problemas e as divergências; as negociações Mercosul-União Européia patinam; nenhum acordo de comércio bilateral relevante foi firmado pelo Brasil nestes 37 meses; as relações Sul-Sul não correspondem aos interesses de nossas exportações. Perto de toda essa nulidade, fica até previsível que o Brasil perdesse, como perdeu, as eleições na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A diplomacia brasileira precisa tomar consciência de que liderança não se impõe nem se apregoa. Liderança se conquista e se exerce. O exemplo do acordo com a China é didático: o Brasil fez, na verdade, um negócio da China para os chineses, às custas da produção e do nível de emprego no Brasil.

*Antonio Carlos de Mendes Thame, deputado federal (PSDB/SP), é professor (licenciado) do Departamento de Economia da ESALQ/USP. (e_mail: [email protected])