A operação brasileira da HP, uma das maiores fabricantes de impressoras do mundo, consome mensalmente 1 tonelada de papel. Esse volume gigantesco, usado principalmente para realizar testes nas cerca de 10 000 impressoras fabricadas no Brasil todos os meses, durante alguns anos teve como destino a reciclagem. “Já dávamos um fim adequado ao resíduo, mas achávamos que era possível ir além”, diz o iraniano Kami Saidi, diretor de operações da HP para o Mercosul. Em 2006, depois de dois anos de estudos que envolveram quase uma dezena de profissionais — entre engenheiros da empresa, fornecedores e pesquisadores de universidades e centros de pesquisa –, a HP colocou em prática uma nova solução para toda aquela montanha de papel usado. A saída encontrada foi utilizar a papelada para fabricar protetores internos para as embalagens das impressoras. Com isso, a HP não só reduziu drasticamente o uso do isopor, material derivado do petróleo e de difícil reciclagem, como obteve economia de 10% no custo de embalagem, transporte e armazenamento do produto. “Como os calços de isopor não podiam ser encaixados uns nos outros, acabavam ocupando um espaço valioso nos caminhões e na linha de produção de nossas montadoras”, diz Saidi. Todo o trabalho de desenvolvimento do novo uso do papel foi acompanhado por funcionários dos dois centros de design que a multinacional mantém nos Estados Unidos, e hoje a solução brasileira começa a ser replicada em outros países. O maior desafio agora é conseguir utilizar os protetores de papel nas embalagens de impressoras de grande porte, que armazenam equipamentos que podem pesar mais de 80 quilos. “Só encerraremos os testes quando pudermos usar esses protetores em toda a nossa linha”, diz Saidi.
O avanço promovido pela HP não é exatamente uma revolução — e também é verdade que ele tem pouquíssimo charme. Mas, para alguns especialistas, esse tipo de iniciativa será fundamental para a sobrevivência e a imagem das grandes empresas. Conseguir crescer, lucrar e, ao mesmo tempo, fechar ciclos produtivos de maneira virtuosa dependerá, em grande medida, de seguir à risca os princípios da ecoeficiência — um conceito que foi popularizado no início da década de 90 por Stephan Schmidheiny, bilionário suíço criador do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). Em sua definição mais abrangente e ambiciosa, uma empresa ecoeficiente seria capaz de prosperar garantindo o menor impacto ambiental possível em todas as etapas de seu processo: da concepção do produto à sua fabricação, chegando até ao modo como ele será descartado pelo consumidor.
Por isso, a HP está envolvendo também seus fornecedores nas iniciativas relacionadas a ecoeficiência. Uma das parcerias mais bem-sucedidas até agora é com a paulista Jaguaré Embalagens. Desde o ano 2000, as empresas fazem um esforço conjunto para convencer os fornecedores das maiores peças das impressoras a utilizar a mesma caixa de papelão até seis vezes. Na prática, a parceria funciona assim: a Jaguaré aluga a caixa para que o fornecedor entregue a peça para a HP. Depois que a peça é retirada, a embalagem é cuidadosamente dobrada por um funcionário da própria Jaguaré e colocada no caminhão vazio que retornará ao fornecedor. “Parece óbvio, mas durante muito tempo não percebemos o impacto econômico de usar a caixa apenas uma única vez e logo encaminhá-la para a reciclagem”, diz Saidi. Além do ganho financeiro, obtido com a multiplicação do uso das caixas, houve ganho ambiental. Segundo a HP, a prática evitou o corte de cerca de 40 000 árvores — o equivalente a 35 estádios do Maracanã — e o uso de cerca de 126 000 litros de combustível, o que implicaria na emissão de 2 308 toneladas de gás carbônico. Assim como as folhas de papel usadas para testar as impressoras, as caixas das peças também são recicladas quando estão danificadas e se transformam, de novo, em caixas que voltam a ser úteis à empresa. “Nesses dois processos, os ciclos se fecham”, diz Saidi. “Nossa meta é ter impacto zero sobre o meio ambiente.”
Conciliar desempenho financeiro, social e ambiental quase nunca é uma tarefa fácil para as empresas. “Somente pela criatividade, pela imaginação e pelo desenvolvimento persistente de determinadas habilidades e aptidões elas conseguem fazer isso”, diz o americano Stuart L. Hart, professor da Universidade Cornell e umas das maiores autoridades mundiais em sustentabilidade e seus reflexos sobre as estratégias das empresas. Na fábrica de alimentos da Unilever em Goiânia — a maior que a multinacional tem no mundo –, essa corrida por melhorias aparentemente simples, mas contínuas, começa a dar resultados. Ali, são produzidas diariamente 4 000 toneladas de alimentos, entre atomatados, catchup e maionese. Desde 2000, a Unilever vem substituindo o óleo combustível de suas caldeiras por biomassa. Atualmente, 95% do vapor gerado e usado nas máquinas é fruto da queima de resíduos, como bagaço de cana e lascas de madeira. “A substituição do óleo combustível por fontes não poluidoras e renováveis gera à fábrica de Goiânia uma economia anual de 17 milhões de reais”, diz Rogério Rangel, diretor agrícola da Unilever Brasil. A cifra deve aumentar. Até o final deste ano, a unidade começará a usar também como biomassa as sementes e as cascas de 6 000 toneladas de tomate que processa por safra. “Nenhuma das outras fábricas da empresa no mundo tem desempenho semelhante.”
ALÉM DESSE PROJETO, a fábrica de Goiânia tem outras metas a cumprir. Para este ano, por exemplo, o índice de perda de resíduos sólidos — e aqui entra até o tomate que foi amassado durante o transporte da lavoura até a fábrica — não poderá exceder 3,1 quilos por tonelada de alimento produzido. Alcançar esse objetivo vai exigir esforço extra: no último monitoramento, relativo ao mês de maio, as perdas foram de 3,4 quilos. “No início da década, achávamos aceitável que 5,5 quilos fossem desperdiçados”, afirma Fernando Urbano, diretor de segurança, saúde e meio ambiente da Unilever Américas.
Por melhor que a ecoeficiência e seu lema de melhoria contínua possam parecer, o conceito sempre foi alvo de críticas. Entre os mais conhecidos combatentes destacam-se o arquiteto William McDonough e o químico Michael Braungart, que ganharam notoriedade ao lançar em 2002 o livro Cradle to Cradle. Na obra, os autores questionavam o processo de avanço gradual inerente à ecoeficiência e alegavam que só mudanças mais bruscas seriam capazes de poupar o meio ambiente. Mais recentemente, especialistas como Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e uma referência no tema, passaram a defender a mesma posição. “Esses esforços ajudam as empresas a tornar-se mais competitivas, mas não são suficientes”, afirma Almeida. Para esses críticos, as corporações bem-sucedidas serão aquelas que definirem estratégias, digamos, mais radicais. Uma das que estariam nesse caminho é a americana DuPont. Referência mundial em ecoeficiência, a empresa gasta 10% de todo seu investimento em pesquisa com tentativas de substituir as matérias-primas de origem fóssil que deram origem a muitos de seus produtos bilionários, como o nylon, por insumos de origem vegetal. Uma dessas matérias-primas é o Bio-PDO, ingrediente obtido do açúcar do milho e que teve sua primeira fábrica inaugurada no final do ano passado, nos Estados Unidos. Ele é o principal componente do Sorona, um polímero que, segundo Charles O. Holliday, presidente mundial da empresa, se transformará no nylon verde da DuPont — e mudará radicalmente os negócios da secular companhia.