Mercado

A Alemanha e os créditos de carbono

Não são poucos os que acreditam que a preservação do meio ambiente é preocupação de ricos ou intelectuais desocupados e, de modo geral, um obstáculo ao desenvolvimento. Exigências em que as leis ambientais brasileiras são pródigas tornam a obtenção de autorização para obras complicada e uma fonte de irritação.

Por outro lado, quando ocorrem acidentes ambientais como derramamento de óleo nas praias ou nas estradas, emissão de substâncias tóxicas pelas indústrias — como ocorreu em Cubatão no passado — descoberta de áreas contaminadas recentemente na Vila Carioca ou na Favela Paraguai, todos, ricos ou pobres, manifestam-se indignados e culpam as autoridades ambientais por não tomarem medidas preventivas para evitar esses desastres.

O mesmo ocorreu no passado recente nos países mais desenvolvidos, onde desastres ambientais de grande monta provocaram ações de governo e a introdução de leis ambientais rigorosas. Por exemplo, em 1952, o tradicional nevoeiro de Londres (fog) — devido à poluição do Rio Tâmisa — foi tão grave que em poucas semanas 4 mil pessoas morreram de doenças respiratórias e mais de 20 mil casos foram registrados. O desastre de Bhopal, na Índia, ou o vazamento de óleo do Exxon-Valdez, no Alasca, agitaram os Estados Unidos, e a péssima qualidade do ar de Los Angeles é até hoje o principal problema ambiental não resolvido daquele país.

É para evitar novas ocorrências deste tipo que a legislação ambiental é cada vez mais rigorosa e órgãos públicos como a Cetesb fiscalizam sua aplicação. E poucos se deram conta de que estão surgindo cada vez mais oportunidades para que produtos ambientalmente seguros gerem mais empregos e se tornem fonte não de problemas mas de soluções, promovendo o crescimento econômico e o progresso. Um dos melhores exemplos desses “produtos ambientais” é o álcool produzido a partir da cana-de-açúcar, excelente substituto da gasolina. O Brasil foi pioneiro desta tecnologia que, aos poucos, está conquistando mercados no Japão, nos Estados Unidos e na Europa e será sem dúvida um dos nossos produtos de exportação muito significativo, ao lado de soja, açúcar e café. As características positivas do álcool, comparado com a gasolina, são a ausência de impurezas e ser um combustível renovável e que não lança na atmosfera gases que provocam o aquecimento da Terra (o “efeito estufa”).

Por ser um combustível limpo, o álcool é responsável pela melhoria da qualidade do ar em São Paulo nos últimos 10 anos, e por não contribuir para o efeito estufa tem um grande interesse comercial, porque cada tonelada de carbono que não é lançada na atmosfera vale cerca de US$ 20 na Alemanha e mais do que isso no Japão. É por esta razão que a Alemanha propôs aumentar em 100 mil o número de automóveis que usam álcool puro no Brasil, estando disposta a transferir R$ 100 milhões (quase US$ 40 milhões) para viabilizar este projeto.

Qual o interesse da Alemanha em fazer tal doação ao Brasil? A resposta é a seguinte: ao rodarem 10 anos, estes 100 mil carros estariam evitando lançar na atmosfera cerca de 2 milhões de toneladas de carbono; como cada tonelada vale US$ 20, a Alemanha ficaria com estes “créditos de carbono”, que usaria para cumprir suas obrigações com o Protocolo de Kioto — ou, mesmo sem ele, com suas obrigações com a União Européia.

Qual o interesse do Brasil nesta operação? Em primeiro lugar, a expansão das plantações de cana em 67 mil hectares, com a criação de 20 mil empregos diretos e 60 mil indiretos para a produção de 430 milhões de litros de álcool adicionais por ano. Em segundo lugar, ganhariam os compradores dos carros a álcool: cada um receberia um desconto de mil reais. Em terceiro lugar, os produtores de carros seriam compensados pelo desconto dado com a redução do IPI. O programa nada custaria ao Tesouro, pois a redução no IPI seria compensada pelos R$ 100 milhões da Alemanha.

Este programa já foi aprovado pelo Congresso, por lei, em 2002. Foram também alocados no Orçamento da União deste ano R$ 25 milhões para dar início a ele. Não há, portanto, razões para adiar sua implementação, cabendo ao Ministério de Indústria e Comércio editar normas detalhadas para a execução, com o apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Vender mais automóveis nos dias de hoje, sobretudo “automóveis verdes”, ajudaria a ativar a economia e expandir o uso do álcool, através de um exemplo concreto que caracterizaria o Brasil como grande parceiro para a redução das emissões de carbono.

Banner Evento Mobile