Depois de dois dias comendo apenas arroz, Dora Chávez, 50 anos, pôde finalmente sorrir ontem, ao receber das mãos de um militar do exército peruano um pacote com produtos como açúcar, atum, bolacha e leite em pó.
Sentada próximo a um tonel no que seria o centro do campo de futebol do precário estádio municipal de Pisco, ela festejava:
– Vamos poder variar o cardápio – apontava para o marido, deitado em uma barraca cedida pela defesa civil.
Propagada aos quatro ventos pelo governo do presidente Alan García, a ajuda aos sobreviventes do terremoto que devastou o sul do Peru na quarta-feira, matando aproximadamente 500 pessoas, finalmente chegou às mãos de pessoas como Dora. Lentamente, mas chegou. A demora é explicada pelas autoridades com desculpas.
– Isso deve-se à dificuldade no acesso por terra a Pisco pela rodovia Pan-Americana – tenta explicar uma das organizadoras do campo.
Na verdade, a maior parte da comida e dos remédios enviados à região chega por ar e mar. Na Pan-Americana, raros são os caminhões com transporte de ajuda humanitária.
O estádio municipal é um dos sete campos de desabrigados de Pisco. Abriga 2,2 mil pessoas que deixaram para trás suas residências com medo de novas réplicas do grande tremor de quarta-feira. Abandonar o que sobrou das casas é uma decisão difícil. A maioria dos moradores permanece de guarda em frente aos destroços dos prédios, dormindo em sofás nas calçadas, aquecida por fogueiras feitas com as madeiras de portas e janelas que não existem mais. Quem veio para o abrigo é porque perdeu tudo.
– Não há sequer o que roubar lá na minha casa. Não sobrou nada – lamenta Dora.
Basta iniciar a conversa com um dos desabrigados que outros moradores se aproximam. Querem informações:
– A que horas será a entrega da comida?
– Quando chegarão mais barracas?
– Por que demora tanto?
Repórter e entrevistado parecem inverter os papéis. Dora cansou de perguntar – e esperar. Pela manhã, deixara o campo para comprar verduras. Encontrou mercados fechados por temor de saques. Quem abriu jogou os preços na estratosfera: o açúcar triplicou de preço, por exemplo.
Luísa Fuentes, 37 anos, está com o grupo que decidiu esperar. Junto a 12 familiares divididos entre duas barracas e um colchão de casal no centro do estádio, ela lamenta:
– Não temos roupas para trocar. No sábado, nos deram arroz. Mas só chegou às 17h.
A família vivia em casas conjugadas em um só terreno. Só deu tempo de pegar os dois bebês de colo e fugir para a rua. Depois que a casa veio abaixo, voltaram para pegar o colchão.
– Tudo foi enterrado – diz Luísa.
Chanceler brasileiro fez visita ontem a Pisco
Aproxima-se o meio-dia. Os 27 militares peruanos que guardam o abrigo parecem desorientados próximo a uma das traves do campo. Quem faz o trabalho de juntar sacos de comida e água são os próprios moradores. O material reunido na frente de uma das goleiras (pequenos montes de atum, açúcar, massa, leite em pó e garrafas de água) é visivelmente insuficiente. Lá fora, a fila se agiganta. No portão principal do estádio, um grupo de pelo menos 200 pessoas se reúne. Também quer entrar no campo. Ou pelo menos receber a comida prometida pelo governo. Este é apenas o quarto dia no campo. A previsão é de que as famílias fiquem no local entre 15 e 20 dias.
O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, chegou na manhã de ontem a Lima e, horas depois, fez uma inesperada visita relâmpago a Pisco. Três aviões Hércules C-130, carregados com 46 toneladas de alimentos enviados pelo Brasil, aterrissaram sábado na base aérea da cidade. Também esteve ontem em Pisco o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe.