O Grupo Cerradinho, dono de duas usinas de açúcar e álcool em São Paulo e uma em Goiás, procura um sócio. Precisa de um parceiro disposto a injetar dinheiro na empresa para diminuir sua dívida. Para se tornar um dos grandes do setor, o grupo se endividou justamente em um momento de preços baixos, entre 2007 e 2009, agravado pela crise de crédito que varreu o mundo. Foi preciso recorrer ao Santander, ao Citi e a outros nove bancos para renegociar um passivo de curto prazo de R$ 450 milhões, de um total de R$ 1,1 bilhão.
Como contrapartida, as duas instituições financeiras que lideraram a reestruturação ficaram com a tarefa de vender parte do grupo a um sócio estratégico. Com isso, a empresa, fundada nos anos 70 pelo empresário José Fernandes, em Catanduva (SP), tornou-se um dos alvos mais recentes da onda de fusões e aquisições do setor.
Nos últimos três anos, houve uma média de 1,52 operação desse tipo por mês no País. Foram 58 operações envolvendo mais de 100 das cerca de 400 usinas de açúcar, álcool e bioeletricidade brasileiras. Famílias como Biagi, Junqueira e Rezende Barbosa, até então sinônimos de usineiros, fizeram apostas erradas na crise, enfrentaram dificuldades e viraram acionistas minoritários de grandes companhias.
Mas a intenção dos Fernandes, do Grupo Cerradinho, é trilhar um caminho diferente do dos outros clãs. “Sempre fomos uma empresa familiar que cresceu com alavancagem. Agora, buscamos um parceiro minoritário para participar do processo de consolidação e crescimento do grupo”, disse Luciano Sanches Fernandes, presidente da companhia. Depois da reestruturação financeira e da negociação de parte da companhia, vender ações na Bolsa deverá ser o próximo passo do grupo.
O caso dos Fernandes é um exemplo da mudança no movimento de consolidação do setor. Na primeira onda, valeu a lógica da aquisição oportunista: usinas vendidas a preços baixos porque estavam com a corda no pescoço, atoladas em problemas financeiros, amplificados pela crise de liquidez. Agora, a consolidação passa a ser amparada não mais nas oportunidades criadas pela crise, mas nas parcerias estratégicas.
Os preços baixos ficaram para trás. Se no pior momento da crise econômica o valor pago pelas usinas chegou a US$ 40 por tonelada de capacidade de moagem de cana-de-açúcar, hoje já supera os US$ 100. A alta do açúcar nos últimos meses aumentou a receita das empresas e, com mais dinheiro no caixa, elas ganharam fôlego. E não precisam ser vendidas com tanta urgência. O menor número de usinas disponíveis para serem compradas também ajudou a aumentar o valor das empresas.
Para o presidente do Grupo São Martinho, Fábio Venturelli, a fusão entre a Cosan, maior companhia sucroalcooleira do País, e a Shell, uma das maiores petroleiras do mundo, dá sinais do que há por vir. “Essa associação foi a primeira operação de consolidação genuinamente estratégica do setor”, afirma Venturelli.
Para o executivo, o negócio, com valor estimado em US$ 12 bilhões, foi a primeira em que “um mais um somou cinco”. “Os ganhos estratégicos são claros e apontam para o futuro onde o etanol ganhará importância mundial como combustível renovável”, explica.
A própria São Martinho não ficou de fora e se associou à empresa de biotecnologia Amyris para a fabricação de produtos químicos com uso de cana-de-açúcar. Na operação, a Amyris adquiriu 40% da Usina Boa Vista, em Goiás, por R$ 140 milhões.
Foi também uma sinergia maior que levou a Usina Vertente a vender metade dos seus ativos para a Açúcar Guarani e rejeitar a proposta de compra da Bunge, no mês passado. As empresas estão separadas por apenas 40 quilômetros. “Até nossos fornecedores de cana são os mesmos. A associação só foi realizada porque os ganhos são expressivos”, explica o presidente da Guarani, Jacyr Costa Filho.
As operações mostram que o mercado agora começa a realizar negociações de unidades isoladas, e não mais aquisições em grandes blocos. “Teremos incorporações menores, realizadas por multinacionais e grupos nacionais”, diz Luiz Carlos Corrêa Carvalho, diretor da Canaplan Consultoria.
Um dos alvos é a Usina Mandu, em Guaíra (SP), comandada pela família Diniz Junqueira. Entre os interessados estariam a Bunge, considerada favorita por ser a que pagaria mais e em dinheiro, o Grupo Alto Alegre, que não teria o cacife da multinacional, mas também tem capital para investir, além dos grupos Cosan e Guarani, que tentam a aquisição por meio da troca de ações.
Já o Grupo Virgolino de Oliveira, dono de quatro usinas em São Paulo, livrou-se de ser alvo para ajudar na consolidação. A companhia saiu do sufoco graças a uma reprogramação de dívida e à entrada em operação de novas usinas. Responsável por 10% da produção da Copersucar, maior trading do setor no País, e com uma moagem de 11,6 milhões de toneladas de cana, o Virgolino de Oliveira deve expandir a sua produção para 14 milhões de toneladas.
GLOBAL
O interesse de grupos internacionais no Brasil – maior produtor e processador mundial de cana – é crescente. Em dois anos, o porcentual do mercado nas mãos de capital estrangeiro passou de 15% para 25%. As tradings já marcaram posição: a Bunge adquiriu a Moema e a Louis Dreyfus comprou a Santelisa Vale. Nos últimos meses, Cargill, ADM e Nobel também fizeram investidas – sem sucesso – nesse mercado.
“Hoje, as tradings ganham apenas com a comercialização do açúcar, mas elas têm noção de que, se estiverem na produção, terão informações importantes sobre custo de produção que vão ampliar os ganhos na fixação de preços”, afirma Eduardo Pereira de Carvalho, sócio da Expressão Gestão Empresarial.
Além das tradings, Carvalho aposta nas companhias de petróleo, cada vez mais presentes no setor, para puxar a consolidação. Para ele, é evidente que a Petrobrás deverá entrar no setor sucroalcooleiro por meio da ETH, que pertence à Odebrecht. “As relações entre Odebrecht e Petrobrás são antigas e a Petrobrás já está presente em outras empresas do grupo. A ETH será apenas uma extensão dessa relação”, disse. A British Petroleum, primeira petrolífera a entrar no setor, com usinas de etanol em Goiás, também deve investir ainda mais em combustíveis renováveis.
Para o sócio de agribusiness da PriceWaterhouseCoopers, José Rezende, a consolidação no cenário mundial mal começou. E, se as empresas brasileiras quiserem entrar na briga, terão de aumentar a profissionalização no setor. “Elas ainda estão focadas apenas no resultado econômico, enquanto as globalizadas já incorporaram a preocupação com a sustentabilidade ambiental e social, fundamental neste mercado.”
ESTRATÉGIA
Fábio Venturelli
Presidente do Grupo São Martinho
“A associação Cosan-Shell foi a primeira operação de consolidação genuinamente estratégica do setor. Os ganhos estratégicos são claros e apontam para o futuro onde o etanol ganhará importância mundial como combustível renovável”