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50 Anos do Proálcool: uma revolução energética ainda atual 

Neste artigo, exclusivo para o JornalCana, o empresário Maurílio Biagi Filho avalia o Proálcool, revolução energética de 50 anos que segue atual

50 Anos do Proálcool: uma revolução energética ainda atual 

Em 2025, o Brasil celebra os 50 anos do Proálcool, o maior e mais duradouro programa de energia renovável do mundo, que deu protagonismo ao etanol, produto ainda essencial e promissor.

Mas para entender melhor a sua importância é fundamental conhecer o contexto em que foi criado e porque energia, diferentemente do que traz o dicionário, é sinônimo de poder

Ao contrário do que se pensa, o programa teve origem não no setor sucroalcooleiro, mas sim no segmento de petróleo.

Em 1973, a Associgás (Associação das Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo), liderada pelo engenheiro Lamartine Navarro, realizou estudos sobre fontes alternativas de energia a pedido do governo da época já que os preços do petróleo haviam estourado e o combustível faltava no mercado mundial, em uma das maiores crises petrolíferas já existentes, conhecida como primeiro oil Shock (choque do petróleo). 

Essa crise teve início quando os membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP), que compreende os membros árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além de Egito e Síria, proclamaram um embargo petrolífero a vários países do mundo, ocasionando racionamento de combustível.  

Depois de diversas altas menores no início da década, o preço do petróleo subiu de 3 dólares por barril para até 12 dólares no mercado mundial em 1973.

Esse fato contribuiu de forma significativa para o fortalecimento da OPEP e o enriquecimento dos árabes, que fizeram a grande virada deles contra o domínio das chamadas sete irmãs (maiores petroleiras do mundo) e a exploração do setor, fazendo com que o eixo econômico do mundo se deslocasse para o Oriente Médio.  

Foi nesse cenário que o trabalho da Associgás foi concluído e resultou no relatório “Fotossíntese como Fonte de Energia”, entregue ao presidente Geisel em 1974, que serviu de base para o lançamento oficial do Proálcool em 1975, uma solução brasileira para a crise mundial. 

O Contexto da Criação do Proálcool

Acompanhei de perto esse processo todo porque meu pai, Maurílio Biagi, era um dos integrantes de um grupo de usineiros e fabricantes de equipamentos, responsável por contribuir com esses estudos e por entregá-lo ao Governo.  

Posso dizer, de cátedra, que o sucesso inicial do programa teve diversos fatores impulsionadores, mas dois foram fundamentais e merecem destaque. Uma iniciativa que garantiu a paridade do valor econômico dos preços do açúcar e do álcool (de forma que produzir um litro de álcool ou de um quilo de açúcar dava na mesma), viabilizando a questão econômica do Proálcool e fazendo com que o biocombustível deixasse de ser subproduto. 

Outro, em 1978, o lançamento, pela Fiat, do primeiro carro movido exclusivamente a álcool, fortalecendo ainda mais a iniciativa.  

Lembrando que, nessa época, a CBT de São Carlos também passou a montar tratores com motores movidos a álcool produzidos pela Chrysler, que, por coincidência, já fabricava os mesmos motores que equipavam caminhões movidos a este mesmo combustível.  

No início do Proálcool, o Brasil produzia 555,6 milhões de litros de álcool e até final da década de 1970, a produção já alcançava quase 4 bilhões de litros, ajudando o Brasil a mitigar os impactos da crise do petróleo. 

Desde o início, me voluntariei com muitos outros no fortalecimento desse programa. Fizemos uma verdadeira cruzada pelo Brasil para mostrar suas vantagens. Pela primeira vez presenciei neste país uma união em torno de um propósito, com um sentimento de patriotismo e brasilidade surpreendentes.  

Os agricultores foram aderindo ao programa, montando destilarias e investindo na produção. Até 1989, mesmo com a precariedade dos motores movidos à álcool, eles representavam 98,6% dos veículos vendidos no Brasil, tamanho sentimento de pertencimento e envolvimento a essa causa criado entre os brasileiros. 

A Crise e o Declínio do Proálcool

Alguns anos antes, a Petrobrás, incomodada com esse domínio do álcool – que gerava um excedente de gasolina, fazendo com que o Brasil se tornasse o maior exportador deste produto no mundo – convidou os dois principais líderes do setor para uma reunião no Rio de Janeiro sugerindo irem juntos à Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) para propor que 50% dos carros fossem fabricados à gasolina e 50% à álcool, mas a ideia não foi para frente e nenhum acordo aconteceu.  

De repente, o combustível começou a faltar nos postos. As faltas eram pontuais, cada hora faltava em uma localidade, depois voltava por lá e faltava em outra. A situação começou a ficar complicada e os brasileiros se sentiram afrontados, ou mesmo traídos, por esse programa que trouxe tanta esperança e orgulho à Pátria

Oficialmente, criou-se uma narrativa atribuindo a escassez a dificuldades de produção, mas a realidade foi diferente.  

O que aconteceu, de fato, é que a Petrobras, que inicialmente viu o Proálcool como uma solução para a crise dos anos 1970, passou a enxergá-lo como concorrente. E não estava errada, pois da forma como estava o perfil de consumo de combustíveis havia uma sobra muito grande de gasolina. Estudos enviados ao governo por empresa especializada demonstraram que as refinarias poderiam ajustar o craqueamento do óleo pronto para produzir mais diesel e menos gasolina, pelo menos nas refinarias de Paulínia e Duque de Caxias, minimizando essa situação, mas a estatal resistiu à mudança.  

Com isso, o apoio ao álcool foi minado, e os carros movidos exclusivamente pelo biocombustível tiveram uma queda bruta nas vendas passando de 98,6% para 60% no primeiro ano e em três anos praticamente desapareceram do mercado. 

O que aconteceu de verdade é que o Departamento Nacional de Combustível (DNC) reduziu deliberadamente as entregas às distribuidoras, apesar da existência de grandes estoques nas usinas.  

Em Ribeirão Preto, fui pessoalmente conferir e vi o documento com a assinatura do DNC. Foi uma falta provocada, oficial, assinada e com papel timbrado. E tínhamos só na região de Ribeirão Preto/Sertãozinho quase 300 milhões de litros estocados. Eu denunciei isso à época, a imprensa publicou, mas não virou nada. Posteriormente, o próprio DNC confirmou essa informação relativa aos estoques. 

Esse, para mim, é o melhor exemplo de um fato que não ocorreu, mas acabou se tornando verdade absoluta por uma narrativa repetida por anos e anos. Até quem era do setor acreditou e ecoou essa versão dos fatos. Assim, o setor sucroenergético sofreu um grande impacto e não conseguiu se reorganizar diante do excesso de etanol.  

Foi uma época de muita dificuldade para os usineiros. Muitos ficaram pelo caminho, quebraram. Todos os outros, sem exceção, tiveram que se adequar rapidamente, transformando suas destilarias autônomas em usinas para produzir açúcar e, literalmente, salvar a lavoura, sobreviver. Desta forma, o “pessoal do petróleo”, quase matou o Proálcool. 

A Retomada e o Futuro do Etanol

Eu disse quase, já que o cenário começou a mudar com o “milagre” da Volkswagen ao lançar os carros flex em 2003. Desde então, o etanol voltou a ganhar espaço e, hoje, mais de 22 milhões de veículos da frota brasileira são flex.  

O Proálcool pode ter enfrentado desafios ao longo dos anos, mas seu legado permanece vivo, e seu futuro segue promissor. Entre altos e baixos, ele se ressignificou ao longo dessas cinco décadas. 

Tenho insistido nessa questão por ter certeza de sua relevância histórica.  Em março, também usei a palavra no evento Abertura de Safra Cana, Açúcar e Etanol, promovido pela Datagro, em Ribeirão Preto, para expor esse episódio, que foi ainda detalhadamente explicado em uma entrevista que concedi para a repórter Camila Souza Ramos, do jornal Valor Econômico/Globo Rural.

Espero, assim, ter acendido um sinal de alerta para que isso não ocorra novamente. Afinal, o passado nos ajuda a entender como chegamos no presente, e permite que aprendamos com os erros e acertos para construirmos um futuro melhor. 

Este artigo exclusivo está na edição 356 do JornalCana.

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