Mercado

19 novos milionários por dia

EXAME No fim de junho, o executivo de um grande banco brasileiro que atende clientes de altíssima renda decidiu passar o fim de semana em Ribeirão Preto, um pólo de riqueza a 310 quilômetros da capital paulista. Além de visitar os atuais clientes do banco, ele pretendia cortejar os novos milionários da região, forjados nos lucros do aquecido setor sucroalcooleiro. Ao circular pela cidade, ficou surpreso com a quantidade de concorrentes que encontrou. “Parecia que estava numa convenção de profissionais de private bank”, diz ele, referindo-se à área dos bancos responsável pela gestão de grandes fortunas. Nunca houve tantos milionários no Brasil. Pode-se ler isso de diversos ângulos, mas para os bancos a notícia é música. Além da riqueza que brota no interior na esteira do sucesso do agronegócio brasileiro, nas grandes cidades o número de pessoas com patrimônio líquido acima de 1 milhão de dólares cresce em ritmo acelerado, puxado por aberturas de capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e fusões e aquisições de empresas. Uma pesquisa feita pelo banco de investimentos Merrill Lynch e pela consultoria Capgemini revela que 120 000 brasileiros têm mais de 1 milhão de dólares em aplicações financeiras — ou seja, sem contar bens como residência pessoal, carros e obras de arte. Mais do que o número absoluto, o que impressiona é a velocidade com que esse grupo ganha novos membros. Nos últimos quatro anos surgiram, em média, 19 novos milionários a cada dia. Estima-se que esses investidores, juntos, movimentem cerca de 400 bilhões de reais, total que vem crescendo cerca de 20% ao ano desde 2004. “Tudo isso é reflexo de um novo patamar de desenvolvimento da nossa economia”, diz Fábio Fonseca, professor de mercado de capitais do Ibmec do Rio de Janeiro.

Fortunas do Brasil

O número de brasileiros com mais de 1 milhão de dólares aumentou 30% em quatro anos

2003 92 000

2004 98 000

2005 109 000

2006 120 000

Fontes: Capgemini e Merrill Lynch

A explicação para essa onda de formação de fortunas no país é, por um lado, a sofisticação do mercado de capitais e, por outro, o crescimento econômico. Nos últimos três anos, centenas de empresários venderam parte (ou a totalidade) de seus negócios a uma ampla gama de investidores — fundos de hedge, private equities ou na bolsa de valores. Confiantes nas perspectivas de expansão da economia, investidores nacionais e estrangeiros têm demonstrado apetite pelo setor privado brasileiro. Desde 2004, apenas os lançamentos de ações movimentaram quase 80 bilhões de reais — um recorde para o país. As operações de fusões e aquisições somaram outros 160 bilhões de reais. Boa parte desse montante entrou no caixa das empresas, mas uma parcela considerável foi parar nas contas bancárias dos fundadores, de suas famílias e de executivos com participação acionária. “Eles transformaram em dinheiro um patrimônio que estava imobilizado nas empresas”, diz Lywall Salles, diretor sênior do private bank do Itaú, líder do segmento no Brasil.

A lista de bilionários publicada pela revista americana Forbes é um bom termômetro do que está acontecendo por aqui. No ranking mais recente, constaram 18 brasileiros — eram apenas oito em 2005. Dos dez novos bilionários do país, oito são donos de empresas que fizeram IPO, sigla em inglês de initial public offerings, ou oferta inicial de ações. São nomes como Constantino Júnior, da Gol, Elie Horn, da Cyrela, e Rubens Ometto, da Cosan. Quando se olha para o extrato de brasileiros ricos imediatamente abaixo — ou seja, quem tem muitos milhões de reais –, os exemplos de quem faturou alto com a venda de empresas são, obviamente, mais numerosos. Para citar apenas alguns casos recentes, destacam-se os negócios envolvendo a empresa mineira de software RM Sistemas, dos irmãos Henrique e Rodrigo Mascarenhas, comprada pela Totvs por 206 milhões de reais, e a Universidade Anhembi Morumbi, de Gabriel Rodrigues, adquirida pelo grupo americano Laureate por 165 milhões de reais.

No atual cenário, é cada vez mais rara a figura do herdeiro (ou herdeira) que passa as tardes entre leilões de arte e chás beneficentes. Há exceções, é claro, mas a maioria dos novos milionários continua a trabalhar e quer garantir um bom retorno financeiro para seus investimentos. “O cliente agora acompanha de perto todas as suas aplicações”, diz o assessor financeiro de um empresário do ramo de construção. A mudança de perfil dos investidores está transformando a política de contratação do segmento especializado em gerir grandes patrimônios — a área de private dos grandes bancos, as butiques de investimentos e os family offices. Há pouco mais de uma década, esses profissionais eram vistos pela maioria dos clientes como secretários de luxo, que podiam cuidar de pequenas necessidades do dia-a-dia, como a reserva de passagens aéreas e a compra de ingressos para espetáculos, aqui e no exterior. Eram conhecidos pelo apelido pejorativo de poodle walkers, funcionários encarregados de passear com o cãozinho de estimação dos milionários. “A relação com os clientes estava tão centrada no contato pessoal que falar sobre finanças era quase secundário”, diz Celso Scaramuzza, vice-presidente de private do Unibanco. “A grande preocupação dos clientes era com a segurança do dinheiro. A maioria preferia ativos de baixíssimo risco”, diz Fabio Vidigal, diretor do private do Itaú.

Os ativistas em ação

Os fundos e os minoritários aumentam sua influência nas empresas

Vodafone

Com 0,0004% das ações da número 1 em telefonia celular no mundo, o fundo Efficient Capital Structures (ECS) quer que sua proposta de aumento do endividamento seja levada a votação no encontro anual de julho

Home Depot

Lucian Bebchuk, professor de Harvard, é dono de apenas 90 ações da líder mundial na venda de material de construção. Ainda assim, conseguiu mudar as regras de remuneração de executivos da empresa

ABN AMRO

O fundo inglês The Childrens Investment Fund (TCI), com menos de 2% do capital, exigiu em fevereiro que o banco fosse vendido.Desde então, tem influenciado a negociação com os interessados

Teliasonera

O Cevia, um fundo sueco, foi um dos principais responsáveis pela demissão, em meados de junho, de Anders Igel, presidente da maior empresa de telecomunicações da Escandinávia

HOJE, O NOME DO JOGO é performance. As reuniões entre funcionários dos bancos e seus clientes — que, no passado, costumavam ser marcadas na casa do milionário e podiam durar uma tarde inteira — são feitas no escritório da empresa em menos de 1 hora. As butiques de investimentos, consultorias independentes que vêm se multiplicando no país, podem ser ainda mais espartanas. “Fazemos muitas reuniões por videoconferência, porque ninguém tem tempo a perder”, diz Fabiano Calil, dono de uma butique em São Paulo. Até os eventos que são organizados pelos private banks seguem essa linha. As vernissages e os coquetéis literários vêm perdendo espaço para palestras sobre planejamento sucessório, educação financeira dos filhos e investimentos. “O interesse principal dos clientes hoje é aprender”, diz Sylvia Coutinho, diretora executiva do private bank do HSBC.

Num ambiente aquecido no qual não faltam clientes, o problema é a mão-de-obra. Private banks, family offices e butiques brigam entre si para aumentar o quadro de funcionários. “Vivemos o momento do rouba-banker”, diz um executivo do mercado, referindo-se à intensa rotatividade dos profissionais da área. Os salários dispararam — 30% de aumento em relação a 2004. Hoje, um banker recebe, em média, 600 000 reais por ano entre salário e bônus. Profissionais de nível mais sênior chegam a ganhar mais de 1 milhão de reais por ano, e os executivos top de linha, o do bro desse valor. “Os bancos têm coberto a maioria das ofertas que seus funcionários recebem”, diz o diretor de private bank de um dos grandes bancos brasileiros.

O crescimento das fortunas é um movimento observado, em maior ou menor escala, na maioria dos países. A pesquisa do Merrill Lynch e da Capgemini aponta que o número de milionários aumentou 16% no mundo nos últimos dois anos e chegou a 9,5 milhões de pessoas. “Os ventos que sopram lá fora sopram aqui”, diz Fábio Fonseca, do Ibmec. Por isso mesmo, os bancos brasileiros apostam que a festa está apenas começando. Muitos confiam que se reproduza no país a notável expansão do setor de private equity e venture capital vista nos Estados Unidos, fenômeno que gerou um tipo de milionário batizado pelo jornalista americano Robert Frank de instapreneur — algo como “empreendedor instantâneo”. Em seu recente livro Richistan (“O Ricoquistão”, numa tradução livre), Frank trata das origens do atual boom de fortunas americanas. No passado, as empresas eram construídas por toda uma vida, loja por loja, caminhão por caminhão, empréstimo por empréstimo. Agora, um instapreneur pode criar uma empresa com recursos de uma firma de venture capital e, em poucos anos, fazer um IPO ou vender o negócio. Trata-se de um ciclo que gera milhões para os donos das empresas — e de onde devem partir, acreditam os bancos, as futuras fortunas brasileiras.