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Mercado estratégico

O crescente interesse dos consumidores por carros flexíveis e a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do álcool hidratado em São Paulo – de 25% para 12% – dão novo fôlego aos negócios dos produtores de cana-de-açúcar, distribuidores e revendedores do combustível. As perspectivas favoráveis se somam aos ótimos resultados obtidos com a colheita de 350,3 milhões de toneladas de cana, a produção de 24,2 milhões de toneladas de açúcar e de 14,4 bilhões de litros de álcool na safra 2003/04.

O futuro do setor, estratégico para a diversificação da matriz energética do país, será debatido hoje, em São Paulo, no seminário “Os desafios do álcool combustível”, promovido pelo Valor, com apoio da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica).

Com mercado garantido para o álcool anidro, que é misturado em até 25% em toda a gasolina consumida no Brasil, o setor que vinha se ressentindo com o baixo consumo do produto hidratado – menos de 5 bilhões de litros por ano -, ganhou um alento com a entrada no mercado do carro flexível, em março do 2003. Rodando à gasolina ou a álcool, de acordo com a preferência do usuário, as vendas dos veículos flex fuel atingiram 48.178 unidades no ano passado, 57% do total de veículos a álcool comercializados, segundo os dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Essas vendas garantiram uma participação do carro a álcool no mercado de veículos leves de 6,9% em 2003 em comparação a 4,3% em 2002 e 1,4% em 2001.

A redução do ICMS do álcool hidratado de 25% para 12% em São Paulo, Estado responsável por mais de 60% da produção de álcool do país, também animou a cadeia produtiva. A decisão, aprovada no início de dezembro de 2003, trouxe resultados imediatos: a arrecadação do imposto naquele mês cresceu 7%. A expectativa é que outros Estados – a maioria cobra 25% – sigam o exemplo paulista. “A redução do ICMS do álcool hidratado mostra a prioridade de São Paulo por esse combustível limpo e renovável. O Estado se esforça para ampliar o consumo do álcool. Isso vai acontecer com a versão moderna do motor flex fuel, que dá ao consumidor a decisão de usar álcool ou gasolina”, diz João Carlos Meirelles, secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Paulo.

A decisão de diminuir o ICMS do álcool hidratado, tomada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), deverá ainda reduzir as distorções na comercialização do produto. Estudos realizados pelo Centro de Pesquisas da Administração Municipal (Cepam), órgão do governo estadual, apontam perdas de R$ 1 bilhão por ano com a sonegação do ICMS, Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Os sonegadores fazem vendas fictícias para outros Estados, porque as alíquotas interestaduais são menores (7% para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste e de 12% nos Estados do Sul e Sudeste), e misturam água ao álcool anidro, porque não há incidência deste imposto ao produtor.

Se essas novidades animam a cadeia produtiva, há uma crescente preocupação do setor sucro-alcooleiro com a política adotada para o gás natural veicular (GNV) que tem “preços artificiais e tratamento tributário privilegiado”, de acordo com a Unica, entidade que aglutina, entre outras, as maiores usinas de açúcar e álcool do Brasil. Estimativas indicam uma perda de mercado de 1 bilhão de litros equivalente de álcool/gasolina para o GNV em 2003.

“A questão tributária dos combustíveis terá de ser equalizada. A reforma tributária precisa estabelecer alíquotas de impostos mais uniformes”, diz Rafael Schechtman, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), consultoria em economia da indústria de energia, e professor da UFRJ. Ele lembra que em um mercado livre, como é hoje o de combustíveis, os impostos são decisivos na formação de preços, ao contrário do que ocorria no passado, quando por meio dos preços o governo induzia o consumo de um produto.

Pelos estudos do CBIE, o preço da gasolina ao produtor é de R$ 1,1519 por litro de álcool hidratado equivalente, o do álcool hidratado R$ 0,7035 e o do GNV R$ 0,2267. Um dos motivos para o álcool custar mais caro é que na produção há incidência de R$ 0,0037 da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), enquanto o GNV é isento dessa taxação. Tendo como base o ICMS no Rio de Janeiro, que é de 30% para a gasolina e o álcool, o trabalho aponta os seguintes preços ao consumidor em janeiro: gasolina a R$ 1,3559 por litro de álcool hidratado equivalente, R$ 1,0080 o álcool hidratado e R$ 0,5531 o GNV. A diferença no preço final do gás pode ser explicada, entre outras, pela cobrança de 12% ICMS no Rio, mesma alíquota de São Paulo.

“A política de gás natural preocupa porque a vocação deste combustível é substituir o óleo combustível e o diesel na indústria e no transporte pesado, mas vem sendo desviado para a utilização em veículos leves, com preços artificiais e tratamento tributário privilegiado, injustificável para um combustível fóssil”, ressalta Eduardo Carvalho, presidente da Unica.

Ajustes são necessários, mas a competição com o álcool não é desigual, diz Zevi Kann, comissário geral da Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), agência reguladora dos serviços de energia elétrica e gás canalizado de São Paulo. “A competição é saudável e quem ganha é o consumidor”, afirma. O álcool, diz, chegou a custar R$ 1,60 o litro para o consumidor e, agora, está se mantendo mais estável em torno de R$ 1.

Kann reconhece que sobre o GNV não há incidência da Cide e o ICMS é de 12%, mas lembra que o recolhimento do imposto é cobrado antes de o gás chegar ao consumidor, ou seja, sem evasão fiscal, o que não acontece com o álcool. “A redução de 1 bilhão de litros de álcool/gasolina não pode ser atribuída só ao GNV, porque houve redução do consumo de combustíveis em 2003 em conseqüência do desaquecimento da economia”, afirma o comissário geral da CSPE.

A revisão de tarifas para o gás natural em São Paulo começa hoje. A CSPE realiza a primeira etapa de audiência pública para revisão tarifária da Comgás, que ocorre a cada cinco anos. Elas entrarão em vigor em 31 de maio e serão reajustadas anualmente na parcela referente à margem (operação, manutenção e lucratividade da companhia). A segunda etapa da audiência pública será em 23 de março.

“Há necessidade de se reduzir o subsídio cruzado do gás natural existente entre os diversos tipos de consumidores – residenciais, industriais e comerciais – e o GNV, que é vendido abaixo do das demais classes”, diz Rafael Schechtman. O GNV, afirma, “tem servido como âncora para a política de gás natural”. As concessionárias inicialmente esperavam um boom de termelétricas, que não saíram do papel ou não estão gerando energia. Com a frustração, conta ele, fixaram preços altos para os consumidores residenciais, industriais, comerciais e jogaram lá embaixo o do gás veicular.

Para o secretário João Carlos Meirelles, o uso de GNV em veículos leves é um problema de competitividade. “Não há reserva de mercado”, afirma. O motor flex fuel vai induzir à “rápida evolução do bicombustível pelo mundo afora, com o Brasil tendo a oportunidade de se transformar também em exportador de álcool”.

O governo de São Paulo, diz Meirelles, trabalha para que o gás natural substitua o óleo diesel em transportes urbanos, interurbanos e caminhões leves. Esses esforços se conjugam com a decisão da Petrobras, no final de janeiro, de ter uma estrutura de preços exclusiva para o segmento de transporte coletivo urbano nas regiões Sul, Sudeste e Centro- Oeste. A empresa garante o fornecimento de gás natural para as frotas de ônibus, por dez anos, a um preço de 55% do valor do litro de óleo diesel praticado pelas distribuidoras de combustível.

Schechtman também avalia que a possibilidade de exportar álcool poderá dar mais estabilidade aos preços. “O futuro do álcool vai depender da indústria, que não deve correr para vender açúcar lá fora e deixar faltar o álcool aqui. Para isso, é preciso criar um mercado de opções como existe para outras commodities”, afirma.

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