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Mercado de soja: preços despencam

O ano de 2004 foi ingrato com os produtores brasileiros de soja. Num primeiro momento, a produção local, projetada em 60 milhões de toneladas, atingida pelas intempéries, recua para 49,9 milhões de toneladas. Uma perda de 17% em relação ao esperado e de 2,9% em relação as 51,4 milhões de toneladas colhidas no ano anterior. Este quadro foi ainda mais grave no Rio Grande do Sul, onde a seca atingiu de forma particularmente forte as lavouras no verão passado. Neste Estado, a produção projetada era de até 10,5 milhões de toneladas, porém, o resultado final ficou em apenas 5,6 milhões de toneladas. Em outras palavras, o recuo foi de 46,7% em relação ao esperado e de 41% às 9,5 milhões de toneladas colhidas em 2003.

Este quadro de relativa penúria na oferta nacional se somou a um recuo igualmente importante na safra da Argentina, a qual ficou ao redor de 33 milhões de toneladas, segundo fontes locais, quando a expectativa apontava para 38 a 39 milhões de toneladas da oleaginosa. Ao mesmo tempo, o mercado já estava sob o impacto de uma forte frustração na safra dos EUA, que tinha sido colhida em novembro de 2003. O maior produtor individual de soja no mundo registrou apenas 66,8 milhões de toneladas após 75 milhões na safra anterior e uma projeção de quase 80 milhões.

Diante deste forte recuo na oferta e um certo aquecimento na demanda, puxado especialmente pela China (suas importações para 2004 foram superestimadas a 27 milhões de toneladas de grãos de soja no início do ano), os preços em Chicago dispararam, com picos alcançando até US$ 10,50/bushel entre janeiro e maio deste ano. As médias neste período foram tão elevadas quanto às vistas em apenas outras três oportunidades nos últimos 33 anos em Chicago.

A estes preços, a demanda passou a reagir negativamente enquanto os produtores mundiais passaram a corrigir naturalmente o problema, indicando uma área maior para o plantio. Este processo começou com os EUA, onde a primeira intenção de plantio, anunciada no dia 31/03/2004, deu o primeiro sinal de alerta. Posteriormente, a área da nova safra se confirmou em 30,4 milhões de hectares, ou seja, 2,36% acima do semeado no ano anterior. Em clima normal teríamos uma recuperação significativa na produção estadunidense, com reflexos diretos sobre os preços em Chicago. Paralelamente, no início de maio a China começou a bloquear suas importações, alegando problemas de contaminação com fungicida nos grãos comprados pelo mundo afora e particularmente do Brasil. Este quadro bloqueou o mercado em maio e junho.

Até então, os preços internos no Brasil tinham chegado a R$ 52,00/saco no balcão, com os lotes se aproximando de R$ 60,00/saco em muitas localidades do sul do país. Mesmo com a frustração física da safra, tais preços criaram um clima de euforia quase incontida. A tal ponto que muitos produtores não venderam seu produto até maio, esperando preços que, no imaginário, poderiam chegar a R$ 70,00/saco no balcão. Certos agentes econômicos, e mesmo pessoas mais simples, chegaram a comprar soja a R$ 52,00/saco visando especular preços mais elevados para o final do ano.

Ora, como os alertas indicavam e a realidade do mercado sempre ensinou, os altíssimos preços em Chicago eram uma exceção que não poderia durar muito tempo. E quanto mais haviam subido mais forte tenderiam a cair! Bastava o clima ser favorável nos EUA, pois o plantio já havia sido maior, também estimulado pelo quadro altista de Chicago, além dos subsídios internos que o produtor estadunidense recebe.

E o clima voltou a corresponder nos EUA! Na medida em que os meses avançavam, as cotações em Chicago sofriam correções irreversíveis, puxadas por vendas especulativas dos Fundos. Assim, chegamos em meados de novembro de 2004 com preços a US$ 5,02/bushel no pior momento de mercado até então para estes últimos três anos. Uma queda que ultrapassou largamente a média histórica de 33 anos, hoje em US$ 6,25/bushel. Na prática, a produtividade dos EUA chegou a 2.865 quilos/hectare, ou seja, 25,7% sobre a frustrada safra anterior. Com isto, a safra final para 2004/05, cuja colheita está se encerrando neste mês de novembro, é projetada a 85,7 milhões de toneladas (conforme relatório do USDA do dia 12/11/2004). Um novo recorde histórico nos EUA! Os estoques finais passariam para 12,5 milhões de toneladas neste ano ou 310,7% acima dos parcos 3,05 milhões de toneladas em 2003/04.

Este quadro pegou o mercado brasileiro em cheio, derrubando o otimismo desenfreado que alguns mais eufóricos acabaram construindo. Para piorar as coisas, a paralisação das compras chinesas, em maio e junho, levou os prêmios nos principais portos brasileiros a indicarem valores negativos de até US$ 2,00/bushel. Desta forma, os preços nacionais ao produtor gaúcho despencaram, chegando em meados de novembro de 2004 a R$ 29,00/saco, na média do balcão e R$ 34,00/saco junto aos lotes. Um outro fator veio se somar a este quadro ruim. O câmbio passou a indicar um real sobrevalorizado no segundo semestre, a ponto do mesmo iniciar a segunda quinzena de novembro a R$ 2,75 por dólar, ou seja, o maior valor do real durante todo o governo Lula.

Ao mesmo tempo, a China conseguiu reconduzir seus contratos de importação a preços menores em muitos casos, além de diminuir seus volumes importados. Ou seja, de uma expectativa inicial de 27 milhões de toneladas importadas, os chineses deverão realmente concretizar compras de apenas 17 milhões de toneladas em 2003/04, projetando 22 milhões para 2004/05. Assim, novamente o mercado ficou a mercê da oferta, pois a demanda, mesmo firme e até em crescimento, não consegue acompanhar o ritmo daquela.

Por outro lado, o plantio no Brasil e na Argentina, mesmo com tal quadro, indica aumento de área para 2004/05. Projeta-se 22,5 milhões de hectares no país, sendo 4,1 milhões no Rio Grande do Sul, contra respectivamente 21,3 milhões e 3,9 milhões de hectares em 2003/04. Neste contexto, em considerando o clima normal, a produção brasileira poderá chegar entre 63 e 64,5 milhões de toneladas, sendo 10 a 11 milhões no Rio Grande do Sul, nos primeiros meses de 2005. Na Argentina, o mercado aponta para uma safra de 39 milhões de toneladas no próximo ano.

Desta forma, diante de tal quadro de oferta, em não havendo uma correção no câmbio sobrevalorizado, dificilmente os preços da soja no Brasil irão se recuperar para a próxima colheita. Em Chicago, o USDA anuncia um preço entre US$ 4,55 e US$ 5,35/bushel para 2004/05. Ou seja, ainda há um bom potencial de baixa. No Brasil, e particularmente no Rio Grande do Sul, não será surpresa, em havendo safra cheia, que em abril/maio de 2005 tenhamos preços entre R$ 20, 00 e R$ 25,00/saco no balcão. A alternativa que resta ao produtor, neste caso, será de realizar a melhor lavoura possível, controlando sabiamente seus custos de produção, e esperar que o clima colabore para que se tenha um volume recorde ou dentro dos melhores padrões destes últimos anos. Uma safra cheia poderá absorver parte da frustração causada pelos preços baixos que estão despontando para a safra de soja de 2004/05.

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