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Martifer acusa Galp Energia de controlar mercado dos biocombustíveis

O grupo de Oliveira de Frades prevê um ano de 2009 “muito difícil”, mas ainda assim a crescer ao mesmo ritmo dos últimos anos graças às operações no exterior.

O grupo de Oliveira de Frades prevê um ano de 2009 “muito difícil”, mas ainda assim a crescer ao mesmo ritmo dos últimos anos graças às operações no exterior.

A Martifer é um caso único em termos de diversidade de áreas de negócio, desde a energia ao imobiliário. Qual é a estratégia?

Não temos actividade imobiliária dentro da Martifer. Temos um caso ou outro. Temos o projecto do centro comercial de Tavira, que vai abrir no próximo ano e que vai ser vendido. Não fazemos obras para o imobiliário.

Há um foco grande nos equipamentos para as energias porque é a evolução normal da metalomecânica. Começámos por fazer torres eólicas, que é pura metalomecânica. O grande investimento que estamos a fazer agora nessa área é único e é nos EUA, numa fábrica de torres eólicas, em que estamos perfeitamente à vontade.

Nos parques eólicos, o cluster que fizemos em Portugal na Ventinveste tinha uma componente industrial de desenvolvimento de parques eólicos. Aproveitámos esse know how para investir em parques eólicos, mas a estratégia é de rotação. Somos partrimonialistas numa parte dos parques. Ao nível da componente solar, estamos a fazer o que é normal. Anunciámos a Home Energy que é muito importante para nós porque cria uma relação com o cliente ao nível da microgeração e da sustentabilidade da economia de energia. Nos combustíveis, o negócio em Portugal tem muitas dificuldades porque as coisas dependem muito do operador principal [Galp Energia] que regula e manda no mercado.

A nossa operação de biocombustíveis na Roménia está a correr muito bem, estamos a vender este ano mais do que a capacidade da fábrica. Fomos para os biocombustíveis como uma fonte de energia renovável complementar, a seguir resolvemos que era muito complicado estar no meio da cadeia de valor, ou seja, não sermos donos da matéria-prima nem termos os clientes. Estar no meio significava margens muito reduzidas e incerteza do mercado. Decidimos avançar lá para a agricultura (upstream), em Portugal avançámos pelo lado da distribuição para termos os clientes. Para esta unidade de negócio [Prio], que de facto não tem muito a ver com o nosso negócio tradicional, está anunciado há um ano que vamos fazer spin off.

Que continua por fazer.

Um spin off de uma empresa cotada só pode ser feito em bolsa.

Com o petróleo ao preço a que está?

Não posso vender a Prio no mercado a desconto, porque isso era retirar valor à companhia. Vou fazer spin off e colocar a Prio em bolsa em 2011, sendo necessárias três coisas: que os accionistas da Martifer estejam de acordo, que a Prio tenha dimensão para estar no mercado – veja o spin off que se fez este ano em bolsa [não menciona o nome da EDP Renováveis] e veja o resultado – e que seja auto-sustentada. O pior que podemos fazer é pôr uma empresa no mercado e logo a seguir tirá-la. Isso é enganar o mercado.

A performance da Martifer também não é melhor.

A Martifer não está no PSI 20 e entrou no ano passado, quando a bolsa estava no pico. Entrou a prémio, se calhar 20 por cento acima da média do PSI 20, no ano passado. A Martifer está a 4,7 euros, ainda não baixou 50 por cento, porque foi a oito euros.

Disse que se fosse hoje não ia para a bolsa?

Não disse isso. Disse que não iria nesta actual conjuntura de mercado. Dou-lhe um exemplo concreto, a Visabeira esteve para ir para o mercado no ano passado e até hoje não foi. Acha que vai agora? Ninguém é doido para meter uma empresa hoje na bolsa.

Portanto, não está arrependido?

Não. Fiz bem ir para a bolsa e não me passa pela cabeça tirar a Martifer de bolsa. Se a tirássemos da bolsa tiraríamos a desconto e nós, accionistas, ficaríamos a ganhar. Mas não é isso que vamos fazer.

A Martifer em 18 anos nunca distribuiu um tostão de dividendos aos accionistas. Quando fizemos a OPV dissemos logo: íamos investir, fazer um aumento de capital, que nenhum accionista gastaria um tostão e, finalmente, que até 2010 não contassem com dividendos. A política de crescimento e investimento da empresa sobrepõe-se aos interesses particulares dos accionistas.

A reacção que lhe tem chegado do mercado é de descontentamento?

Não, antes pelo contrário. Há pessoas com vontade de tomar participações na Martifer desde que sejam relevantes. Fomos abordados várias vezes por pessoas que gostariam de ter uma participação relevante na Martifer, mas nenhum dos accionistas está hoje disponível para reduzir a sua participação.

A Martifer previu para este ano 1000 milhões de proveitos. Mantém este objectivo? E rácio da dívida?

Todos os indicadores da Martifer vão ser melhores dos que os do ano passado.

Os proveitos no final de Junho estavam a um terço do objectivo.

Há alguns investimentos que contávamos que fossem executados este ano, não por nós, mas por clientes nossos, que estão atrasados, mas os resultados operacionais vão ser os que a empresa anunciou. Os resultados líquidos vão ser muito bons por causa da mais-valia da REpower.

E os proveitos?

Vão ficar perto desse valor. O ano passado foram 520 milhões, este ano vamos ficar acima dos 900 milhões de euros.

Há quem diga que a Martifer se desfez do único grande activo que tinha, que era a REpower. O que responde?

O que pretendíamos da REpower era ter acesso à tecnologia e entrámos na REpower com cinco por cento, falámos com o board para lhes dizer que gostávamos de criar a REpower Portugal e criámos para os mercados de Portugal, Espanha e Brasil. Este era o nosso objectivo: sermos agentes de Portugal e ficar também com Espanha e o Brasil.

Entretanto houve um investidor com 15 por cento que quis alienar a participação e ficámos com ela. Atingimos os 20 por cento. Daí aos 30 por cento foi à custa de aumentos de capital. Nunca tivemos nenhum lugar de gestão da REpower. Sempre quisemos proteger a REpower em relação a Portugal, porque era o nosso objectivo principal.

Depois houve a OPA da Areva sobre a REpower e a Suzlon esteve connosco para ripostar – era importante para o mercado que estivéssemos com eles. Quando aceitámos ir em conjunto já tínhamos uma put option garantida com mais algumas vantagens, nomeadamente que todos os parques eólicos onde tivéssemos participação fossem fornecidos através da REpower Portugal. E todo o processo correu bem.

O que é hoje a REpower Portugal? Em termos de activos, é a tecnologia que já temos. A partir deste mês começamos a assemblar máquinas da REpower Portugal com tecnologia que foi transferida para Portugal, como é obrigação do cluster da Ventinveste. Tínhamos esta mais-valia, que nunca pensámos que a teríamos.

Há um accionista que tem hoje 70 por cento capital da REpower. Que mais podemos nós ter da REpower para além do que já temos? A unica possibilidade seria sermos donos, mas nunca tivemos capacidade financeira para isso, porque significava lançar uma OPA e aguentar o custo respectivo. Fomos até 30 por cento que era o limite.

Têm anunciado investimentos na eólica, que totalizam 3000 MW de potência, mas na verdade têm apenas a operar 52 MW. Que mais activos tem para mostrar ao mercado?

Das duas uma, ou se compra parques eólicos a funcionar e se paga caro ou então tem que se fazer o percurso normal: identificar um terreno com vento, ter uma legislação num país, fazer um trabalho desde a ideia até ao seu funcionamento. Isto demora normalmente cinco anos. Na Polónia, Roménia, Portugal e Brasil temos parques eólicos em construção, vamos chegar ao final deste ano com mais 100 MW a funcionar.

Estes são nossos, mas dos outros 3000 MW vamos rodar. Ou vendemos os parques ou temos parceiros. Hoje temos parceiros que vão desde 25 a 75 por cento, mas temos de salvaguardar sempre nas parcerias a componente da construção dos parques eólicos. Estamos claramente a potenciar aquilo que é a nossa capacidade industrial de executar os próprios parques. Estamos a gerar trabalho à custa do desenvolvimento que estamos a fazer e a ganhar dinheiro nas máquinas que fornecemos e na capacidade de desenvolvimento na Martifer Renováveis.

Como estão as relações com a Mota-Engil [detém 37,5 por cento da Martifer]?

São e sempre foram muito boas.

A OPV foi para os irmãos Martins recuperarem o controlo da Martifer?

Não concordo. A Mota-Engil diz que a participação é estratégica e que é para ficar. É o melhor parceiro. Se saísse tinha que entrar outro. Prefiro a Mota-Engil.

Continua a servir para alavancar a Martifer?

Existe complementaridade. Temos uma relação estratégica. Somos clientes e fornecedores da Mota-Engil e sempre que há um trabalho da Mota-Engil, pergunta-nos sempre se vamos com eles. Ao mesmo tempo, os resultados da Martifer são importantíssimos para a Mota-Engil.

A fábrica dos biocombustíveis em Portugal é para adiar de vez?

Vai haver uma nova legislação de biocombustíveis que obrigará à sua incorporação nos combustíveis. As dificuldades que os fabricantes de biodiesel têm em Portugal ficam parcialmente resolvidas. Este ano vamos incorporar cerca de dois por cento, mas no próximo será seis por cento.

Portanto justifica-se o projecto?

Sim. Mesmo assim, a nossa fábrica de Portugal este ano ainda fez 40 mil toneladas, 20 para o mercado nacional e 20 para exportação.

E a da Roménia?

Não temos distribuição como em Portugal. Vendemos às companhias instaladas no país. Temos a produção toda tomada e tivemos de exportar daqui para lá para satisfazer as encomendas.

Com o preço do petróleo a descer, o que vai acontecer a esta área de negócio da Martifer?

Tal como anunciámos, não aumentaremos a capacidade das duas fábricas, vamos mantê-las com 100 mil toneladas cada uma.

A legislação europeia vai obrigar ao consumo do biocombustível. Por isso, o preço do petróleo a 200 ou a 100 dólares não é importante porque há uma obrigação legal de incorporação. Isso faz com que os fabricantes de biocombustível tenham o seu espaço.

Também me parece que os dias difíceis para o biocombustível já passaram. A ideia de que os biocombustíveis iam aumentar preços dos produtos alimentares e gerar fome não passou de uma mentira. A Martifer tem 60 mil hectares de campos agrícolas (Brasil, Roménia e Moçambique), mas, por exemplo, 20 por cento da área arável de Moçambique era suficiente para fazer seis por cento de incorporação de biocombustíveis na Europa. Isto diz bem que os biocombustíveis vão ter o seu espaço e criar riqueza.

Acha que não fazia sentido?

Andou aí gente claramente a defender o petróleo e que lhe deu jeito fazer o que fez. De repente, deixou de se falar em biocombustíveis porque o problema está resolvido. A preocupação agora chama-se carros eléctricos. Já se deu um passo à frente. Se passarmos a andar com carros eléctricos a solução é muito mais económica e vem resolver uma série de problemas ao nível da electricidade, porque os carros são locais de armazenamento de energia através das baterias. É preciso preparar a mudança gradual e lenta. Hoje as companhias de petróleo mais evoluídas, BP e Shell, já se convenceram que o futuro passa pela electricidade. Veja os investimentos que estão a fazer ao nível da geração eléctrica.

Quanto é que vai produzir então nas duas fábricas de biodiesel até ao fim do ano?

Mais de 80 mil na Roménia e 40 mil cá.

Tem anunciado também uma série de projectos no solar fotovoltaico e na energia das ondas. O que aconteceu?

Acreditamos que o sol vai ser uma fonte de geração de electricidade muito importante a médio prazo. Hoje, os equipamentos para a produção de fotovoltaico ainda estão caros, mas o preço tem-se reduzido. Temos uma fábrica que vai ser inaugurada este ano, aqui, na Martifer Solar. Produz equipamentos para 50 MW por ano, é uma fábrica que está preparada para responder àquilo que é a evolução tecnológica da energia solar. Fazemos tudo menos as células, as células estão hoje numa grande actualização.

Mantém o recuo nas células?

Nós hoje fazemos caixilhos, vidros, toda a assemblagem do produto. Nunca anunciámos que íamos ter uma fábrica de células. Fomos convidados para o fazer, mas nunca aceitámos, porque achámos que as células têm ainda um grande potencial de melhoria de rentabilidade. A nossa fábrica deve ser multidisciplinar e preparada para estar aberta à evolução da tecnologia e privilegiamos o mercado.

Há uma estratégia clara para nós no fotovoltaico. Só não fazemos células.

Como é que decide investimentos no solar fotovoltaico sem enquadramento regulatório?

A Martifer é uma empresa que opera à escala global. Já não estamos preocupados com o quadro regulatório português. Até agora, a nossa vida tem sido Espanha, Grécia – que vai largamente à frente de Portugal -, Itália e estamos também com contratos assinados e parcerias vinculadas para parques automóveis em França.

Vamos criar mercado e vamos comprar aquilo que precisamos para estarmos próximos do mercado. Estamos a evoluir.

E as ondas?

A Martifer achou que nada tinha sido feito no mundo inteiro ao nível das ondas.

Não valia a pena desenvolver um novo conceito de energia eólica se os dinamarqueses já o tinham feito há 20 anos. O preço da energia eólica na Dinamarca há 20 anos era 10 vezes o que é hoje. Então fomos estudar o que havia ao nível da energia das ondas; havia alguns protótipos em desenvolvimento nas universidades, principalmente no Reino Unido e um que ia ser estudado em Portugal por holandeses.

Achámos que a Martifer Energia tinha capacidade financeira e massa cinzenta para desenvolver um protótipo. Não era uma boa aposta comprar uma tecnologia, porque estava ainda muito imatura e então achámos que havia espaço para criar a nossa própria equipa e sermos nós a desenvolver. E criámos uma equipa de mais de 20 pessoas a tempo inteiro. Demorámos três anos até lá chegar, mas está tudo pronto.

Entretanto, não há enquadramento regulatório em lugar nenhum do mundo para a energia das ondas. E desafiámos o Governo a criá-lo.

O Governo tem de estar ao lado das empresas para que as coisas possam evoluir, sobretudo na energia. Não podemos vender energia das ondas num supermercado. Temos de a lançar na rede. E fez-se um enquadramentro regulatório. Energia das ondas significa pôr de acordo cinco ministérios. Fez-se, entretanto, o diploma e foram criados instrumentos para que possamos avançar nesta área.

O nosso projecto vai candidatar-se ao fundo de inovação de 70 milhões de euros criado com o concurso das eólicas. Temos o investimento parcialmente feito.

A Ventinveste [consórcio que ganhou o segundo concurso eólico] já entregou a verba para o fundo de inovação?

Exactamente. Se conseguirmos recolher 10 por cento do total desse fundo sob a forma de capital de risco para patrocinar o nosso projecto, já ficamos satisfeitos. Assim que a zona estiver a funcionar, começamos a construir o nosso protótipo. Precisamos de seis meses para o construir. Está pronto a ser construído. Não posso é estar a fazer este investimento e ter uma máquina no porto de Aveiro parada sem ter onde a ligar.

Como se está a reflectir a crise nos fluxos de caixa da Martifer?

Os recebimentos, que eram a 120 dias em média, passaram para 180, com tendência para aumentar. Perdemos dois meses. Os pagamentos eram a 90 dias, agora temos um atraso de mais ou menos um mês (120 dias).

Que áreas mais receia?

Quando se faz investimento, a tendência é para que um fornecedor de investimento, como não é diário, seja mais sacrificado em função do que é o dia-a-dia. Estamos a ter mais dificuldades nos recebimentos dos nossos clientes, é verdade. Temos de ser muito mais selectivos.

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