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Mais barato, mais poluente

Parece uma boa notícia. Neste mês o Brasil alcançou a liderança mundial em veículos movidos a gás natural, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos (Anfavea). Um milhão de brasileiros – caminhoneiros, taxistas e agora também motoristas comuns – aderiram ao cilindro no porta-malas do carro. O número de postos atingiu 650, o de oficinas bateu as 500 e as recentes descobertas de gás na Bacia de Santos elevaram a produção nacional. Tudo ótimo, já que o gás é uma alternativa abundante, barata e teoricamente menos poluente que a gasolina e o diesel. Na prática, porém, o crescimento desordenado da frota acusa o efeito contrário. Um relatório da Cetesb, agência ambiental paulista, mostrou que de 21 kits de conversão analisados 17 emitem mais poluentes que o máximo recomendado e mais que os carros a gasolina (leia o quadro ao lado).

A escalada do gás teve início com o repique no preço do petróleo, há quatro anos, e políticas de incentivo da Petrobrás. Um veículo de motor 1.0 costuma fazer 12 quilômetros com 1 litro de gasolina, que custa em média R$ 2. Mas com 1 metro cúbico de gás natural, a R$ 1,07, dá para andar a mesma distância. Ao fim de 12 meses, quem roda 150 quilômetros por dia chega a economizar R$ 6 mil trocando a gasolina pelo gás. Além disso, alguns Estados oferecem descontos no IPVA de carros a gás. No Rio de Janeiro o desconto chega a 95% da taxa. Em São Paulo, onde os motoristas passam horas no trânsito e precisam atravessar grandes distâncias, as vantagens atraem cada vez mais consumidores comuns – e não apenas taxistas, como era o caso até recentemente. A aposentada Sonia Pontim, de 52 anos, equipou seu Astra com o kit e reduziu seu gasto mensal de R$600 para R$ 100. Foi a forma que encontrei de viajar para a praia todos os fins de semana, revela.

Nos últimos cinco anos, o que se viu foi uma corrida ao gás natural e uma oferta cada vez maior de kits de conversão. A maioria, porém, nunca passou por testes de emissão de gases do Inmetro, que garantem níveis reduzidos de poluição. O que atrai o consumidor é o preço, diz Alfred Szwarc, consultor de meio ambiente e energia. As 19 versões de cilindros certificados, com preço médio de R$ 2.500, competem com pelo menos 20 modelos irregulares, que não custam mais de R$ 1.500. O Brasil adotou uma política agressiva de incentivos ao gás, mas falhou em infra-estrutura e fiscalização.

Sonia, que instalou um kit regular em seu Astra, diz que praticamente não perdeu potência do motor

Um carro bicombustível com kit irregular pode poluir até três vezes mais que o original a gasolina de fábrica. Isso porque é comum instalar em carros de mil cilindradas kits indicados para carros de motor 1.8, e vice-versa. A má adaptação compromete a eficiência da queima do combustível no motor. Além da perda de potência, a mistura inadequada de gases gera a emissão excessiva de poluentes. Na instalação, nem todo mecânico adapta os oito componentes fundamentais que compõem o kit de conversão. O motor de passo, dispositivo que regula a mistura do ar atmosférico e do gás, fica de fora se o cliente reclama do preço salgado. Os motoristas acham que basta ligar o cilindro ao motor e sair andando, adverte o engenheiro Paulo Savattone, dono de uma oficina que instala o kit completo.

Como apenas as oficinas credenciadas estão no roteiro de vistoria dos agentes do Instituto de Pesos e Medidas, as demais, que funcionam irregularmente, continuam instalando kits sem ser importunadas. Além disso, quase nenhuma prefeitura obriga os motoristas a fazer a vistoria anual de poluição, junto com a renovação do licenciamento. O Rio, que tem 95% da frota de táxi a gás, é exceção. No âmbito federal, há apenas uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente que estabelece limites de emissão para veículos a gás desde 2001.

O projeto nacional de substituição de derivados de petróleo por gás é promissor. Produzido em larga escala aqui, o gás reduz a dependência de petróleo importado. Bem usado, também polui menos. Mas o programa de combustível limpo está se sujando na graxa das oficinas.

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